domingo, 12 de dezembro de 2021

Escolhida desde o ventre!?

Por Saulo Alves de Oliveira

Às vezes nós escutamos coisas que nos chamam atenção de modo especial. Pode ser uma única frase. Já se passaram alguns anos quando eu ouvi uma mulher afirmar “Eu fui escolhida por Deus desde o ventre da minha mãe”. Na realidade, tratava-se de uma pregadora evangélica, acho que ainda o é.

No momento, me veio à mente a seguinte pergunta: será que eu também fui escolhido desde o ventre da minha mãe? Sinceramente, não sei!

Bom, tal pergunta me leva a duas outras inevitáveis questões: qual é o critério que Deus utiliza para escolher as pessoas? Por que Ele não escolhe todas ou todos desde o ventre da mãe?

Para alguns, talvez a resposta às duas perguntas seja: “Sua soberania”. Penso que não satisfaz.

Se ela não estava fantasiando – o que é bem provável – ou a soberba não lhe subira à cabeça, só há uma explicação: predestinação. Deus escolhe uns para glória e outros para a vergonha. A predestinação é uma das coisas mais terríveis, mais injustas que já ouvi falar, isto é, Deus escolhe ao seu arbítrio, pela sua soberania, quem vai ser salvo e quem vai ser condenado.

Um detalhe controverso: os defensores dessa doutrina provam que ela é bíblica. Já os contrários à predestinação provam que ela não é bíblica e, por sua vez, bíblica é a doutrina do livre arbítrio.

A verdade é que ninguém se torna um ser existente por escolha própria. Ninguém, antes de ser concebido, é colocado frente à seguinte bifurcação, isto é, ao direito de escolha: quero existir ou não quero existir. Apesar disso, muitos já nascem destinados à condenação eterna ou à vergonha? Existe algo mais terrível e injusto do que a predestinação?

E você, também foi escolhido desde o ventre da sua mãe? 

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Profecias

Por Saulo Alves de Oliveira

Profecia 01
- Vai chover em 2022

Profecia 02
- Vai chover no Brasil em 2022

Profecia 03
- Vai chover no Rio Grande do Norte em 2022

Profecia 04
- Vai chover em Natal no próximo ano

Profecia 05
- Vai chover em Caicó no próximo ano

Profecia 06
- No dia 05 de setembro de 2022, fortes chuvas cairão sobre a cidade de Caicó. As chuvas terão início às 15:55 h e sua duração será de 13 horas e 35 minutos. A precipitação pluviométrica em todo o período será de exatos 92,3 mm. Com tal precipitação, o açude Itans transbordará durante 5 horas com uma lâmina d’água máxima de 50 cm sobre o seu vertedouro.

(Caso algum dado não corresponda a uma situação possível, registro o meu pedido de desculpas aos conhecedores da climatologia local. Trata-se apenas de uma situação hipotética.)

Considerando a possibilidade de verificação de cada detalhe e de ter o seu cumprimento confirmado ou não, qual, dentre as “profecias” acima, na sua opinião, pode receber a chancela de verdadeira profecia? Observe que, das seis supostas “profecias”, as cinco primeiras têm 100% de chance de ocorrer. Pelo que se conhece de climatologia, é absolutamente provável que em algum momento do próximo ano chova em algum lugar do mundo, do Brasil, do Rio Grande do Norte, de Natal ou mesmo de Caicó, apesar desta última se tratar de uma cidade muito quente e seca. Portanto, esse tipo de “profecia” não tem valor algum. A “profecia” que diz o óbvio, que tem vários desfechos possíveis, que se aplica a diversas situações ou igualmente a várias pessoas ou cujo cumprimento é algo natural e inevitável, isto é, acontecerá de qualquer forma, haja “profecia” ou não, não é uma profecia verdadeira, pois não é falseável.

A última previsão, todavia, pode ser considerada uma verdadeira profecia, visto que suas informações são objetivas e improváveis de acontecerem, em conjunto, naturalmente. Tais dados são passíveis de serem falseados e podem ser devidamente checados de forma objetiva no tempo estabelecido. Portanto, o profeta que os prever e acertá-los deve ter sua capacidade de previsão no mínimo considerada e estudada.

Dizer que uma profecia não é falseável é dizer que o profeta que faz a previsão do evento, ou eventos, não pode ter a sua honestidade intelectual examinada e confirmada ou não, haja vista que o acontecimento objeto da profecia ocorrerá de qualquer forma, ou seja, independentemente de qualquer suposta profecia, como é o caso, por exemplo, de “Vai chover no Brasil no próximo ano”. É impossível comprovarmos se se trata de um falso profeta ou não, pois, conforme o histórico da climatologia do país, o tal fenômeno de chuvas no Brasil no próximo ano é inevitável.

Observem, no entanto, a seguinte profecia: “No dia 07 de dezembro de 2022 haverá um terremoto no oceano Atlântico às 20:30 h de Brasília, o foco do abalo sísmico se dará a 15.000 metros de profundidade com epicentro nas coordenadas geográficas X e Y e atingirá 7,5 graus de magnitude na Escala Richter”. Essa é uma previsão falseável, visto que tal evento poderá acontecer ou não, pois terremotos são eventos aleatórios. Sendo assim, o profeta que predisser tal sismo, com esse nível de detalhes, e suas previsões se confirmarem, certamente merece crédito.

Durante muitos anos eu convivi ativamente em um meio no qual profetas e profecias eram muito comuns, todavia, infelizmente, a maioria genéricas e, subjetivas, aplicavam-se a diversas pessoas ou circunstâncias, tais como: “Tenho um grande trabalho para ti e, se me obedeceres, farei uma grande obra através das tuas mãos”, “Nuvens negras se aproximam desta Nação”, “Se atentares para a obediência, a tua vitória será grande”, “Há um grande futuro preparado para ti se continuares no caminho que teus pais te ensinaram”, “Te levarei para uma grande cidade, lá tu continuarás me servindo”, “A resposta à tua oração naquela madrugada no teu quarto é sim” ou, ainda, “Quando as águias que rastejam e passeiam pelo céu derrubarem os dois grandes chifres na poderosa cidade, surgirá no oriente uma fulgurante estrela de brilho intensamente amarelo, cujo esplendor, incomparável, 50 anos depois, cobrirá toda a Terra”, e por aí vai. Percebam quão genéricas são tais palavras.

(Certa vez uma famosa profeta, cuja reputação era das grandes no meio evangélico, consultada por muitos, e cuja residência era um centro de peregrinação de desesperados, disse para uma moribunda: “Eis que a tua cova já está aberta”. Se se tratasse de um familiar meu e eu estivesse presente, as minhas palavras seriam, no mínimo, e por educação, “Queira por favor se retirar desta casa”.)

O interessante é que muitas pessoas tomam para si tais palavras, e, se algo minimamente parecido acontecer, foi o cumprimento da profecia. Se nada acontecer, ninguém dá a menor importância. Ninguém sequer lembra da “profecia”. Mas, eu lembro.

Há muitos anos, ainda na minha adolescência nos anos 70, mais precisamente em julho de 1972, eu estava em uma reunião quando um famoso, à época, profeta – pelo que sei ainda é vivo, não sei se ainda é muito requisitado pelo seu dom das previsões proféticas –, se levantou e bradou: “Daqui a 180 dias a terra irá tremer”. É muito comum esse tipo de profecia de sentido dúbio. Se não for uma coisa, poderá se aplicar a outra.

Dizem que certa vez um grande imperador consultou um vidente acerca da sua próxima batalha. O vidente consultou os seus oráculos e então vaticinou: “Irás vencerás não morrerás na batalha”. O imperador, feliz, assim interpretou: “Irás. Vencerás. Não morrerás na batalha”.

Confiante nas palavras do vidente, o imperador foi à guerra e, no entanto, lá foi morto.

Ao regressarem à sua cidade, os generais do exército cobraram do vidente acerca da morte do soberano.

Disse o vidente: o meu prognóstico se cumpriu, o imperador é que não o entendeu. A profecia foi: “Irás. Vencerás? Não. Morrerás na batalha”.

Voltando ao caso da minha adolescência. Não sei se alguém teve o cuidado de tomar nota e ficar atento à profecia do conhecido profeta. Eu tive.

Fiz os cálculos e o fim dos 180 dias coincidia exatamente com o período de um grande evento que haveria na igreja em janeiro do ano seguinte. Tratava-se de uma Convenção Geral da denominação. Guardei comigo e aguardei.

Chegaram os dias da Convenção. Evento concluído. A terra literal não tremeu. Ainda bem que tremores de terra medianamente fortes em João Câmara, com repercussões em Natal, só ocorreram em 1986, portanto muito tempo depois. Certamente, se tivessem ocorrido naqueles dias, ou mesmo semanas antes ou depois da Convenção, seriam associados à profecia.

Nem mesmo a terra no sentido metafórico – o “coração” dos homens, onde se pode “plantar” coisas boas ou más, se é que se pode interpretar assim, lembram da Parábola do Semeador? –, ou ainda a Convenção em si “tremeram”, pois nada de extraordinário aconteceu. Apesar de muito jovem, eu trabalhei na organização do evento. Até onde sei, ninguém deu a menor importância ao fato, todavia eu o guardei para sempre.

Um outro episódio interessante aconteceu muito tempo depois.

No início de 2013, ao abrir o Facebook, me deparei com as seguintes palavras:
“Mensagem profética vinda de Deus para mim esta manhã:

A cidade de Natal passará por momentos de grandes dificuldades este ano, teremos reações por parte da natureza nunca vistas nesta cidade, o Sol desaparecerá e tortuosas chuvas cairão em que a cidade ficará deserta, a lama cobrirá a cidade e muitos prantearão, perderão seus bens, casas e famílias, empresas; pastores, líderes, mulheres de oração juntemos nossas vozes em clamor aos céus para Deus vir com misericórdia a nossa cidade, até o fim deste ano veremos isto acontecer. Essa foi a palavra que hoje recebi do Senhor.”
Não me sinto à vontade para divulgar o nome da profeta, portanto não o farei.

Pelas características das previsões – há informações objetivas que podem ser verificadas e confirmadas ou não no período e local objetos dos eventos –, não seria um equívoco, na minha avaliação, afirmar que tal mensagem pode ser considerada uma profecia, isto é, não é algo passível de acontecer naturalmente com 100% de probabilidade.

Diante da magnitude da previsão, fiz a seguinte consideração à profeta: “A mensagem que você está transmitindo é algo profundamente sério e de uma responsabilidade muito grande.”

Resposta: “Saulo, sei da responsabilidade deste árduo ministério, fique tranquilo, sei quem disse, apenas ore pela igreja.”

Não soube de mais alguém que tivesse o cuidado de acompanhar o desenrolar dos fatos. Eu tive. Anotei, guardei e aguardei. Era fevereiro de 2013.

Chegou 01 de janeiro de 2014 e nada do que foi previsto na mensagem “profética” acontecera.

Dias depois, eu publiquei a seguinte mensagem:

“Ano passado, mais precisamente no mês de fevereiro, uma pessoa, líder de uma igreja, publicou o seguinte comentário no Facebook:

(Reproduzi a mensagem já citada anteriormente)

Continuei: A minha percepção é de que nada do que foi profetizado aconteceu. Evidentemente, por respeito à pessoa, eu não vou divulgar o seu nome. Entretanto se, espontaneamente, ela quiser me enviar uma mensagem pessoal acerca do assunto, eu tenho o maior interesse em recebê-la e apreciaria muito ler suas justificativas, isto é, o que ela tem a dizer sobre o assunto.”

Infelizmente, não obtive resposta.

Em 2014, um pouco antes das eleições daquele ano, era o mês de agosto, a mesma pessoa também publicou no Facebook uma “profecia” acerca das eleições. Para não me alongar mais e me tornar cansativo, direi apenas que dentre as previsões estava “Renovarei em 90% os cargos de deputados federais e estaduais”. Anotei, guardei e aguardei.

Mais uma vez a “profecia” não se cumpriu.

Passadas as eleições, fiz mais um questionamento, citei a profecia e os resultados das eleições em percentuais, concluindo assim: “Como o meu objetivo não é criar dificuldades para ninguém, não citarei o nome da pessoa. Entretanto, se ela quiser me enviar uma mensagem pessoal com algum esclarecimento, eu muito apreciaria.”

Infelizmente, mais uma vez não obtive resposta.

E para concluir?

Não estou fazendo julgamentos quanto à possibilidade ou não de profecias, reais ou verdadeiras. Eu tenho um “arquivo”, de chave única, e tal chave, sem cópia, está sempre comigo ou à minha vista, portanto só eu tenho acesso ao arquivo. Nele, eu costumo guardar alguns temas mais complicados.

Tentei, valendo-me de alguns exemplos simples, baseados na minha experiência pessoal, mostrar parâmetros básicos que podem ser usados para determinar se a previsão de um pretenso profeta pode receber o carimbo de profecia ou é apenas um desejo – talvez de confortar um desesperado –, uma conjectura, um impulso emocional – talvez julgando-se porta-voz de Deus –, uma fantasia ou quem sabe apenas fanatismo.

Não sei se consegui.

sábado, 28 de agosto de 2021

Fuzil ou feijão?

 Por Saulo Alves de Oliveira

Conselho do "grande" presidente colocado lá no Planalto pela maioria dos evangélicos, visto que ele respeita rigorosamente os princípios cristãos. Um cara preparadíssimo para o cargo e que está muito preocupado com a fome e a pobreza do nosso povo (sqn):

"Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Tem um idiota: 'Ah, tem que comprar é feijão'. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar."

Na realidade, ele tem razão, quando todas as pessoas estiverem armadas todos os problemas do Brasil, tais como, fome, miséria, inflação, corrupção, insegurança, educação e saúde precárias, transporte deficiente, salários baixos, falta de moradia, mortes no campo etc., serão resolvidos.

Tive agora um lampejo de lucidez, o capitão tem razão! Como sempre! (sic)

A propósito do conselho do "grande" presidente do Brasil - e que presidente, hein? Acho que o mundo todo tem uma enorme inveja dos brasileiros -, que tal fazermos um churrasco de fuzil neste domingo? Para quem não gosta de churrasco, pode ser fuzil guisado, fuzil à milanesa ou mesmo um bifezinho de fuzil acebolado, malpassado, é claro!

Que tal uma boa feijoada com os melhores pedaços do fuzil? 

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Deus não é o deus das probabilidades

Por Saulo Alves de Oliveira

É normal, é inteligente – e a prudência recomenda – fazer planos para o futuro. Todos nós, quando  planejamos alguma coisa, do casamento ao nascimento de um filho, de um curso superior a um empreendimento qualquer, de uma viajem a, quem sabe!, morar no exterior, desejamos e temos a expectativa de que tudo dê certo, mas, se somos previdentes, sabemos que algo pode dar errado e há a possibilidade dos nossos planos não se concretizarem. Todavia, mesmo cientes dos riscos, insistimos e esperamos que o nosso sonho de sucesso se torne realidade. Lutamos e trabalhamos para que tudo dê certo, porém às vezes as circunstâncias trabalham contra nós ou nós mesmos derrubamos nossos castelos, eventualmente, de areia.

“Jogamos”, pois, com duas possibilidades, sucesso ou fracasso, e bem faz quem se prepara também para enfrentar o fracasso (Talvez considerar portas emergenciais, saídas alternativas!). Não é nada fácil. Um filho que se desviou do caminho do bem e perdeu-se, um casamento que não deu certo, um negócio que não prosperou, uma viagem abortada no meio do caminho... E por que isso pode acontecer? Porque somos apenas seres humanos, não “deuses”, não conhecemos o futuro. Se soubéssemos antecipadamente que algo daria errado, certamente não investiríamos tempo, dinheiro, trabalho e nossa própria vida em um projeto de futuro previsivelmente sem êxito. Não abriríamos mão do nosso conforto para dedicar-nos a algo que não vale a pena.

Se você tivesse a capacidade de antever o futuro, e soubesse, com certeza absoluta, que um dos seus filhos ou filhas se tornaria um ser humano mau, drogado, assassino, assaltante, ou outra qualidade pior (– há?), você permitiria que esse filho ou filha viesse ao mundo? Ou evitaria sua concepção? Lamentavelmente, tal desastre pode acontecer com qualquer um de nós. Planejamos tudo de bom com e para os nossos filhos, mas podemos ser surpreendidos com algo bem diferente.

No entanto, isso não acontece com Deus. Deus pode ser surpreendido com algo que ele não sabia que não daria certo? Ele fez ou faz algo “jogando” com a possibilidade, como nós humanos, de sucesso ou fracasso, isto é, de dar certo ou errado? Deus “joga” com probabilidades? Se a resposta é sim, então ele não é Deus. Todavia, Deus não pode ser surpreendido com coisa alguma. Ele sabe exatamente o que vai acontecer e a forma como acontecerá. Estou equivocado ao afirmar que 100% é a única probabilidade relacionada aos planos do Senhor?

A teologia cristã diz que ele conhece passado, presente e futuro. Portanto, Deus criou Lúcifer sabendo que Lúcifer se revoltaria contra ele, e mesmo assim o criou. Teria ele o criado com esse propósito? Deus criou o ser humano sabendo que este iria pecar contra ele, e mesmo assim o criou. Deus não foi apanhado de surpresa. Ele sabia exatamente o que iria acontecer. O interessante é que Deus para ser Deus não precisava ter criado nem Lúcifer nem o ser humano. Mesmo sabendo que as suas criaturas se desviariam do seu caminho e que ele, Deus, como resultado da atitude dos primeiros humanos, teria de condenar bilhões de almas ao tormento eterno, as criou.

Imaginem: Deus com seus anjos e parte da humanidade gozando para sempre as delícias dos Céus e Nova Terra! Enquanto isso, um grupo de seres humanos condenados ao sofrimento ETERNO por conta de, no máximo, algo em torno de 100 anos, vividos, em desobediência, pode-se alegar, durante suas vidas na Terra! – Você sabe exatamente o que significa ETERNO?  

Segundo a Cosmologia o Universo tem cerca de 14 bilhões de anos. Esse tempo colossal é absolutamente um nada diante da eternidade. Pense em 100 trilhões de anos! Esse tempo inconcebível é absolutamente um nada diante da eternidade.

Qualquer número de anos que você imaginar é insignificante diante da eternidade.

Deus criou o ser humano ciente de que sua obra não daria certo e que, portanto, teria de condená-lo ao tormento eterno. Você entende isso? Eu não. Mas entendo que nem o livre arbítrio explica tal fato. Nem mesmo o plano da redenção justifica ou explica tal fato.

Essa questão da condenação eterna é outro ponto controverso, mas fica para outra oportunidade.

Não é preciso afirmar que há perguntas muito difíceis e que podem nos levar a outras perguntas mais difíceis ou inconvenientes ou a conclusões perturbadoras, então preferimos nos conformar com “não podemos penetrar as profundezas de Deus”, “seus mistérios são insondáveis” ou então recorrer à tradicional “porta de emergência” conhecida pelo código Dt.29:29.

Eu tenho a devida compreensão quanto ao receio desses questionamentos. Há uns 30 anos era mais ou menos assim que eu pensava. Depois aconteceram alguns episódios na minha vida que me fizeram começar a repensar muita coisa. Digo mais ou menos porque não era exatamente assim que eu pensava.

Por exemplo: sempre achei complicada toda a violência ordenada por Deus no Velho Testamento e os sacrifícios de animais. Só na consagração do Templo de Salomão – o verdadeiro, não o do Edir – foram sacrificados 142 mil animais em 7 dias, cerca de 14 animais a cada minuto. Deve ter sido um espetáculo chocante e perturbador para pessoas sensíveis. Confesso-lhes: jamais gostaria de presenciá-lo. Nunca entendi o fato de agradar ao Senhor o cheiro de carne queimada ou a necessidade de tal prática.

Imaginem quanto ao fato de criar seres, dotá-los da capacidade de escolherem o bem ou o mal e depois, ao se concretizar a escolha do mal, lançá-los no inferno por toda a eternidade! 

Felizmente – ou infelizmente, talvez –, mesmo correndo alguns riscos, eu prefiro insistir comigo mesmo e tentar entender certas profundezas ou mistérios. Posso dizer que em alguns casos já cheguei perto de conclusões perturbadoras. Mas acho melhor ficar por aqui. Espero que todos vocês e seus familiares estejam bem e com saúde. Fiquem todos em paz.

Acho que já falei demais. O que devia e o que não devia.

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Vamos combinar o seguinte

Por Saulo Alves de Oliveira

Primeiro nós convertemos todo o mundo ao cristianismo; depois nós promovemos um grande concílio mundial para transformar todas as correntes do cristianismo em uma só, ou seja, em um só conjunto doutrinário ou uma só fé baseada exclusivamente na Bíblia. Incluídos aí o catolicismo romano e suas matizes, o protestantismo e suas centenas ou milhares de denominações com suas concepções doutrinárias, muitas vezes antagônicas, e os ortodoxos.

Feito isso, os organismos internacionais, nos quais só haverá cristãos de uma só cor, passam a usar a Bíblia para resolver todas as disputas ou questões mundiais, inclusive o caso Israel versus Palestina. Detalhe: será bem mais fácil chegar a um consenso, visto que não haverá mais judeus ou muçulmanos, só cristãos com uma só fé, crendo exatamente nas mesmas coisas.

Todavia, dado que 2/3 do mundo atual ainda não é cristão, isto é, não aceita toda a Bíblia como a Palavra de Deus e Jesus como salvador, inclusive os judeus, nós não podemos, e não devemos, tentar impor as Escrituras para essa finalidade, porquanto tal atitude só gerará conflitos e guerras.

Enquanto isso não acontece, isto é, a conversão de todos os povos ao cristianismo, vamos envidar todos os esforços para dirigir o mundo baseados em princípios de justiça e num conjunto de leis internacionais aceitos por todos os povos.

No momento, não há outra saída.

domingo, 30 de maio de 2021

Viva 07/05/2021!

(Este texto foi uma mensagem enviada para minha filha no dia do seu aniversário)

Por Saulo Alves de Oliveira

Sílvia, minha filha, a primeira vez que vi você foi nos braços de uma colega minha, médica, que estava de plantão na madrugada do dia do seu nascimento. O encontro se deu no corredor da Maternidade. Ela trouxe você para que eu a visse pela primeira vez. Algo me chamou a atenção de imediato: percebi que suas mãos e dedos eram bem compridos. Então eu disse à sua mãe: “Sílvia será uma mulher alta e grande”. E minha profecia se cumpriu: em todos os sentidos.   

Este ano, infelizmente, está muito parecido com o ano passado, pelas razões que todos nós sabemos. Então minhas palavras serão basicamente as mesmas do ano passado, com um pequeno acréscimo.

Querida filha, as coisas estão um pouco complicadas este ano para te dar um abraço e um beijo de parabéns. Todavia não poderia esquecer este dia. Meus parabéns e um Feliz Aniversário. Mais um ano de vida e de lutas. E que lutas as deste ano, hein? Cirurgia dos sisos – com certo sofrimento nos dias antecedentes –, cirurgia emergencial da Paola! Lamentavelmente, não pude estar presente em ambos os casos. Além, é claro, da ameaça do vírus. Mas venceremos. Nem o coronavírus nem o "vírus" maior hão de destruir este País. Precisamos acreditar que venceremos. O Brasil é maior do que “aquele” e aqueles que querem destruí-lo. Desejo tudo de bom a você e todo o sucesso do mundo.

Acho que qualquer idade é ocasião propícia para mudanças na vida, ou não! Mas, não sei porque, eu acho que a idade que você faz hoje é marcante e muito significativa. Talvez seja o momento de refletir sobre tudo que aconteceu e foi feito até aqui e de mudar alguma coisa, se achar conveniente, por exemplo: abraçar um novo curso na Universidade, numa área que você sente que é a sua vocação. Ou – quem sabe! – um concurso para alçar voos mais altos. Caso contrário, se você está satisfeita onde está, tudo bem, siga o caminho que você escolheu. O importante é que você se sinta bem e feliz, junto com a nossa, não mais tão pequena, e querida Paola. Que saudades!

Um forte abraço e um beijo do seu – quase ancião – pai. Amo vocês duas.

sábado, 29 de maio de 2021

Você ainda estaria nessa igreja?

Por Saulo Alves de Oliveira

Imagine que o mês é março/2020. Estes são dois comentários do pastor da sua igreja naquele momento sobre a situação do Brasil. Eu transcrevi os textos literalmente, inclusive sem nenhuma correção de português para evitar qualquer interferência da minha interpretação. Apenas omiti a identificação de um homem, cujo nome eu não escrevo há três anos, mas tenho certeza de que todos sabem de quem se trata. Observe com bastante cuidado os adjetivos utilizados, especialmente o superlativo.

Em 20/03/2020

“Para mim Ele é o [nome de um homem], escolhido pelo povo 57 milhoes É voz de Deus é a voz do povo. Ele é inteligentissimo escolheu a Melhor Equipe para esta hora que estamos atravessando o Mito é inspirado.” (sic)

Em 24/03/2020

“Precisamos de pessoas inteligentes e de bom senso para ver que ha uma orquestração ou conspiração para que o Governo não dê certo e apostam no caos aproveitando o Covid19 , Prestem atenção o Brasil vai sair desta situação por cima e 2020 será um Ano de Celebração pela grande vitoria que alcançamos pela equipe de homens inteligentes e competente que estavam na gerencia desta grande Nação.” (sic)

Pergunto: se você fosse membro dessa igreja em março/2020, hoje você ainda estaria lá?

quinta-feira, 29 de abril de 2021

A criança dormia no chão de terra

Por Saulo Alves de Oliveira

O contexto era a foto de um garoto negro, talvez 3 ou 4 anos, sujo e maltrapilho. Deitado sobre um chão de terra, parecia estar num sono profundo. Não lembro exatamente a legenda, entretanto, com absoluta certeza, o significado da mensagem era este: “Muitos não sabem agradecer por tudo que têm recebido. Deveriam pedir perdão a Deus”.

Minha provocação: E a quem o garoto da foto deve agradecer? Quem vai pedir perdão a ele? Deus?

Leuza, uma amiga, comentou: “Possivelmente o melhor é entender que esse garotinho deva agradecer a Deus pela vida, pelo sono tranquilo e pelo chão onde repousa... Um testemunho para todos aqueles que têm mais do que isso e nem sempre agradecem! ”

Minha réplica: Quem não conhece o melhor contenta-se com o pouco que tem. Ninguém aprecia o que não sabe que existe. Porventura ele teve a oportunidade de deitar-se sobre um colchão macio ou de tomar um agradável banho para ficar limpinho e cheiroso? Provavelmente não. Talvez ele não saiba nem sequer o que é vestir uma roupa nova. Portanto, apesar de imundo e vestindo trapos, ele parece dormir tranquilo sobre o chão de terra. Tal circunstância, porém, não impede que reconheçamos que essa não é a condição de vida que qualquer criança merece ter, especialmente com toda a riqueza e os recursos de bem-estar disponíveis no mundo moderno. Tenho certeza absoluta que qualquer um de nós se sentiria chocado e profundamente angustiado se um de nossos filhos fosse encontrado nessas condições precaríssimas. Quem de nós agradeceria a Deus ao ver seu filho, uma inocente criança, imundo e maltrapilho, dormindo no chão de terra? Você Leuza? Você Lena?

Desculpe, Leuza, é apenas uma opinião, mas eu acho sua afirmação muito simplista. Então o garoto deve agradecer a Deus pelo sono tranquilo e pelo chão duro e sujo onde dorme porque a situação dele poderia ser pior? Essa forma de pensar implica uma regressão terrível de conformismo, isto é, eu devo agradecer a Deus porque sempre haverá alguém em uma situação pior do que a minha. Qual é o limite desse desdobramento? Se eu ganho um bom salário, eu devo agradecer a Deus porque alguém ganha um salário modesto. Se eu ganho um salário modesto, eu devo agradecer a Deus porque alguém vive com um salário mínimo. Se eu ganho um salário mínimo, eu devo agradecer a Deus porque outros sobrevivem da ajuda de parentes. Se eu sobrevivo da ajuda de parentes, eu devo agradecer a Deus porque outros escapam esmolando. Se eu sobrevivo de esmolas, eu devo agradecer a Deus porque outros nem isso podem fazer e morrem de fome. Então, na sequência da regressão, eu devo agradecer a Deus porque estou morrendo de fome? Parece-me que essa é a lógica da sua proposição em relação ao quadro da criança deitada, suja e em trapos, dormindo sobre o chão. Eis a razão do meu questionamento inicial. Esse exemplo da regressão é apenas um dentre muitos outros que poderiam ser oferecidos para apreciação.

Evidentemente, eu posso estar totalmente equivocado, pois não sou o depositário da verdade. Essa réplica é apenas para reflexão daqueles que tiverem a oportunidade de ler esses comentários, visto que só refletindo e questionando nós poderemos chegar a conclusões moralmente razoáveis.      

Então, Lena comentou: “Concordo com você, Leuza, e acrescento: Deus não pede perdão às suas criaturas, sejam elas adultas ou crianças. E o garotinho não tem de pedir perdão a Deus, nem a ninguém, até porque a Bíblia diz que o reino dos céus é dele. Quem deve pedir perdão a Deus são aqueles que receberam dádivas e não são gratos; são os governantes que, tendo em suas mãos a possibilidade e a obrigação de fazer o bem, não o fazem; são os soberbos, os quais acham-se no direito de reclamar de Deus, ou que, de tão orgulhosos, imaginam que podem até mesmo duvidar da Palavra de Deus [tomei essas palavras como uma reprimenda pessoal], a qual pergunta: ‘De que se queixa o homem?’ e ela mesma responde: ‘Queixe-se dos seus próprios pecados’. Ah, sim, o pecado dos homens é a razão primeira desse garotinho estar ao relento.”

Minha réplica: Lena, então uma criança pode se queixar do seu sofrimento, visto que ela não tem pecados! Concorda? Infelizmente, nem isso as crianças fazem, pois, além de não terem consciência do pecado, nem mesmo do seu próprio sofrimento elas têm consciência e nem sequer sabem por que sofrem. “O pecado dos homens é a razão primeira desse garotinho estar ao relento”. Eu sei que do ponto de vista tangível, material, simplesmente humano, essa é uma afirmação verdadeira. E é também uma justificativa que eu escuto desde o princípio da minha racionalidade. Sob a ótica da Terra como um sistema estanque, meramente físico, sem interferências externas, ela me satisfaz. Todavia isso não é tudo. E por uma razão muito importante: de acordo com a teologia cristã a vida sobre a Terra não é apenas um acidente em todo o Cosmos, também não é somente uma coisa terrena e animal, desvinculada do sublime, do transcendental. Há algo superior, transcendental, que é responsável e comanda tudo o que acontece, e interfere na história da humanidade e do Universo. Há um ditado que diz: “não cai uma folha da árvore sem a permissão divina”. Analisando essa simples afirmativa, tendo como pressupostos a onipotência e a onisciência divinas, essa máxima popular – pode-se dizer assim – faz todo o sentido. Portanto, a partir dessa constatação, é forçoso concluir que qualquer sofrimento sobre a Terra tem a permissão – ou seria determinação? – de Deus. Caso contrário, como entender que do alto da sua onisciência, e onipotência, Deus criou um planeta onde toda espécie de injustiças e maldades se estabeleceriam? Ele não foi apanhado de surpresa. Nem poderia! E há um detalhe muito importante em tudo isso: Deus para ser Deus não depende absolutamente em nada da criação do ser humano, nem da Terra ou mesmo do Universo. Dito de outra forma: não precisava tê-los criado. Além disso, uma criança inocente deve pagar ou sofrer pelos pecados de outras pessoas? Ou mesmo em decorrência de eventos que se deram há milhares de anos com os primeiros seres humanos? Isso foge a qualquer critério de justiça humana ou divina. Cada ser deve pagar pelos seus próprios erros ou pecados. Uma criança não tem pecados, portanto não merece sofrer de forma alguma. Aqui ou em qualquer outro lugar do mundo, sejam seus pais cristãos ou não.

Não houve tréplica. 

sábado, 20 de março de 2021

É possível viver sem ir ao templo?

Por Saulo Alves de Oliveira

É importante ir à igreja, ou melhor, ao templo?

No templo ocorre aglomeração?

O coronavírus se espalha em aglomerações?

É importante evitar aglomerações nos templos?

As igrejas evangélicas estão sendo perseguidas com essa medida?

Apenas as igrejas evangélicas têm de se submeter a essa regra?

As pessoas podem viver sem participar de grandes aglomerações nos templos?

Você pode fazer devocionais em casa durante a vigência da proibição de cultos presenciais?

Você pode assistir a cultos e outros eventos pela internet?

Você pode ouvir a palavra do seu pastor e outros líderes em casa, pela TV ou internet?

Você pode ir ao templo fazer orações em grupos muito pequenos, respeitando todas as regras de prevenção da Covid-19, tais como: uso de máscaras, distanciamento das outras pessoas, uso de álcool, etc.?

A medida é para sempre?

Com o grande aumento dos casos haverá o colapso dos sistemas de saúde nos hospitais, como, por exemplo, falta de UTIs e de medicamentos?

Pessoas atingidas por outras doenças também poderão ficar sem assistência médica nos hospitais e postos de saúde?

Com o agravamento da situação, os médicos e enfermeiros aguentarão a sobrecarga de trabalho?

Quando o pico da doença passar as coisas voltarão ao normal?

Quando todos forem vacinados a vida voltará ao normal?

Onde está escrito que “Deus não habita em templos feitos por mãos humanas?”

Por que muitos pastores são contra as medidas que proíbem aglomerações nos templos, como cultos e outras reuniões?

- Com relação à última pergunta, eu tenho uma provável explicação, todavia prefiro nada comentar. O que você acha?

Pense e responda com sinceridade a todas as perguntas.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

O erro foi de Acã, não de suas filhas e filhos e animais

Por Saulo Alves de Oliveira

Após caminhar 40 anos no deserto sob o comando de Moisés, finalmente o povo de Israel chegou à terra prometida. Todavia a terra não estava desabitada e disponível para os israelitas. Foi preciso muito derramamento de sangue para conquistá-la. Apesar de todo esforço e sacrifício pessoal, Moisés não entrou na terra e a conquista de Canaã foi comandada pelo sanguinário Josué.

Durante as matanças e genocídios cometidos por Israel nas guerras pela tomada de Canaã sob o comando de Josué, ocorreu um episódio que desperta interesse e leva pessoas mais sensíveis a reflexões perturbadoras.

Depois de conquistar a importante e fortificada Jericó, Josué resolveu tomar uma pequena cidade chamada Ai. Para conquistar Ai, que tinha apenas 12 mil moradores, Josué mandou um pequeno contingente do seu exército, cerca de 3 mil homens.

No entanto a empreitada foi um desastre e os poucos homens de Ai conseguiram rechaçar o ataque de Israel, cujos soldados fugiram diante dos homens de Ai. Apenas cerca de 36 israelitas foram mortos pelos guerreiros de Ai ao repelirem a agressão externa, na defesa da sua terra e do seu povo.

E por que os homens de Israel foram derrotados no primeiro confronto com o povo de Ai? Castigo de Deus. Por quê?

Deus havia ordenado que ao invadir Jericó todas as pessoas e toda a cidade e seus bens fossem considerados “anátema”, exceto a prostituta Raabe e sua família e toda a prata e o ouro e os vasos de bronze e de ferro.

Parece que a palavra anátema tem mais de um significado na Bíblia. No Velho Testamento, ser “anátema” significa pessoa ou objeto destinados à destruição, portanto não podiam ser tomados pelo povo de Israel e nem ao menos tocados. Por que Deus, o Ser muito acima do sublime e do transcendental, estabeleceu um critério tão terrível e próprio de seres humanos para condenar pessoas, animais e coisas? Sinceramente, não sei.

A cidade de Ai, por conseguinte, conforme Josué 7:11, também estava sob a condenação do anátema.

No entanto, por ocasião da investida contra Ai, um dos soldados de Israel, chamado Acã, cobiçou e resolveu tomar para si algo dos bens do povo atacado, isto é, do anátema, além de ter roubado e mentido, como ele próprio confessou:

“Verdadeiramente pequei contra o Senhor Deus de Israel, e fiz assim e assim. Quando vi entre os despojos uma boa capa babilônica, e duzentos siclos de prata, e uma cunha de ouro, do peso de cinquenta siclos, cobicei-os e tomei-os; e eis que estão escondidos na terra, no meio da minha tenda, e a prata por baixo dela.” Josué 7:20, 21

Parece que dessa vez Provérbios 28:13 não se cumpriu:

“O que encobre as suas transgressões nunca prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia.”

Vê-se, pois, que Acã não alcançou misericórdia.

Confessado o crime, qual foi a punição? Pena de morte, por apedrejamento e fogo, sem misericórdia e sem direito a apelação. Aqui chegamos, conforme pretensão inicial, ao “x” da questão deste pequeno comentário. Não foi apenas Acã que pagou pelo seu pecado “pessoal”.

"Então Josué, e todo o Israel com ele, tomaram a Acã, filho de Zerá, e a prata, e a capa, e a cunha de ouro, e seus filhos, e suas filhas, e seus bois, e seus jumentos, e suas ovelhas, e sua tenda, e tudo quanto ele tinha; e levaram-nos ao vale de Acor. E disse Josué: Por que nos perturbaste? O Senhor te perturbará neste dia. E todo o Israel o apedrejou; e os queimaram a fogo depois de apedrejá-los. E levantaram sobre ele um grande montão de pedras, até o dia de hoje; assim o Senhor se apartou do ardor da sua ira; pelo que aquele lugar se chama o vale de Acor, até ao dia de hoje." Josué 7:24-26

Sempre me perguntei: se o erro foi cometido só por Acã, por que seus filhos e suas filhas e todos os seus animais foram apedrejados e queimados juntamente com ele? Apedrejar e queimar um só homem já é um espetáculo bárbaro e profundamente chocante. O que dizer então de toda sua família e seus animais, que não tinham absolutamente nada a ver com seu erro?

Há uma interpretação que diz que a narrativa da história deixa claro que os familiares de Acã sabiam do seu pecado e, sem dúvida, concordaram. Nada mais equivocado. Não é possível afirmar que não sabiam ou que não compactuaram com o erro, porém não há nenhuma evidência em sentido contrário.

E tem uma evidência que é fortemente contrária a essa interpretação: por que todos os animais de Acã também foram mortos? Também sabiam e concordaram com o seu pecado?

Mas a história de Ai não se encerra aí. Corrigido e punido o erro, com a destruição literal de Acã e toda a sua casa e seus bens, Israel voltou a atacar Ai, dessa vez com 30 mil soldados, e a destrói por completo. Mata todos os seus 12 mil moradores, toma para si o gado e os despojos da cidade e a queima totalmente, deixando apenas um montão de ruínas.

Há histórias no Velho Testamento que, confesso-lhes, nunca entendi sua razão e sentido e que me chocam, visto que algumas características de Deus conforme registradas no VT me parecem não compatíveis com o Deus grandioso, criador de tudo que existe e daquilo que ainda não sabemos se ou que existe, onipotente, misericordioso e, sobretudo, “...porque ele é bom; porque a sua benignidade dura para sempre”.

O interessante é que alguns evangélicos se chocam quando ouvem falar ou veem imagens de apedrejamentos perpetrados por muçulmanos radicais fundamentalistas e não se chocam com esse ou outros relatos bíblicos similares!

Há aqueles que usam algumas histórias bíblicas em seus sermões, sem importar toda a crueldade nelas contida, como exemplos para as vidas das suas ovelhas e demais ouvintes. Parece que seus olhos espirituais – ou seriam os olhos da razão? – se fecham convenientemente – por medo? –, talvez para não enxergarem verdades duras e inconvenientes (!?). E tiram dessas tragédias de violência e crueldade “lições importantíssimas”.

Alguns vibram de alegria com tais tragédias. Por exemplo: não satisfeito em derrotar o “gigante” Golias, Davi decepou-lhe a cabeça, e a explosão de glórias e aleluias invade o local. “O Senhor é varão de guerra e poderoso nas batalhas!”, vangloriam-se e exclamam em êxtase diante do filisteu, cabeça nas mãos de Davi, e corpo inerte numa poça de sangue. 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

"Se existe um Deus, ele terá que implorar pelo meu perdão."

Por Saulo Alves de Oliveira

“Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar.” 1 Coríntios 10: 13

Por mais que os anos se passem e por maior que seja a quantidade de informações que absorvemos sempre nos surpreendemos com coisas novas. Eu nunca tinha ouvido ou lido a frase que dá título a este comentário. Tomei conhecimento há poucos dias. Como é do meu interesse tudo que diz respeito a Deus, inclusive qualquer questionamento acerca de sua existência ou não, a frase chamou minha atenção de forma muito especial.

Ela foi encontrada na parede da cela de um prisioneiro judeu num campo de concentração nazista.

A criatura que fez essa afirmação chocante provavelmente era um judeu, integrante do “povo escolhido”. Esta expressão “povo escolhido” me parece muito controversa, especialmente se vier acompanhada do complemento “por Deus”. Certamente o autor da frase morreu asfixiado com gás, de fome, sede, frio, maus tratos ou, quem sabe, fuzilado. Você já viu as imagens daqueles mortos-vivos, verdadeiros cadáveres ambulantes, pele e osso, nas fotos ou vídeos dos campos de concentração?* Você já viu aquelas imagens de valas repletas de corpos esqueléticos, amontoados uns sobre os outros, dezenas ou centenas? Talvez essa tenha sido a condição que o fez desabafar com uma frase tão chocante.

Fico imaginando quanto sofrimento seu autor passou e presenciou. Eu acho que para chegar a esse nível de lamento, só alguém que foi submetido a um grau de sofrimento muito acima dos limites a que o ser humano é capaz de suportar. É o grito de desespero de uma alma profundamente amargurada por indescritível dor.

Você já visitou um campo de concentração na Alemanha? Eu já. E me senti muito mal. Se você tivesse estado no lugar daquele judeu, e escapado, certamente seus sentimentos de condescendência e boa vontade aflorassem num grau tal que não lhe restaria outra alternativa a não ser sentir-se tomado de profunda compreensão e compaixão pelo autor da frase.

Dentre as várias formas de execução que foram apresentadas pelo guia ao grupo que visitava o local, lembro-me de uma que não era das mais cruéis, visto que não causava tanto sofrimento à vítima, bem como evitava que o executor, eventualmente alguém mais sensível e que matava sua vítima talvez forçado pelas circunstâncias, enfrentasse o terror nos olhos de quem estava prestes a ser executado.

O prisioneiro era levado a uma espécie de ambulatório com a promessa de que iria receber cuidados médicos. Lá ele era instado a despir-se e a entregar qualquer objeto de valor que eventualmente ainda estivesse em seu poder.

Primeira providência dos “cuidados médicos”: pesar o prisioneiro. Este subia em uma balança, de costas para uma parede próxima, logo atrás de si. Do outro lado da parede havia um outro cômodo. Na altura da cabeça do “paciente” tinha uma abertura, uma fresta e do outro lado da parede havia um soldado com um fuzil nas mãos. Quando o “paciente”, tranquilo, estava na balança, o soldado posicionava o fuzil e atirava em sua cabeça ou nuca. O carrasco, ou executor, não via o terror no olhar do desafortunado prisioneiro, como acontecia no caso de um pelotão de fuzilamento, nem o prisioneiro sentia os horrores próprios de quem está prestes a ser executado. Morria feliz por estar recebendo “cuidados médicos”. Talvez essa fosse a execução mais “humana” em um campo de concentração nazista, se é que se pode atribuir esse adjetivo ao assassinato de um ser humano.   

Certamente essa é a frase mais impactante e perturbadora que já li ou ouvi em toda minha vida.

Lamentavelmente, parece que o autor da frase não recebeu o escape e, portanto, não suportou. 

*Eu pensei em colocar uma foto com imagens de pessoas em um campo de concentração, mas desisti. Se alguém tiver interesse é só procurar na internet que facilmente encontrará.  

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

As feiuras da Natureza ainda me perturbam

 Por Saulo Alves de Oliveira

Você diria que esta fofura é capaz de tanta crueldade?  

É manhã de um belo dia ensolarado desta semana. Ponho o café e a água na máquina e, enquanto aguardo o preparo do líquido preto matinal, sento-me numa poltrona na área de serviço da minha casa. De lá, vislumbro toda a lateral da casa até a edícula ao fundo. Também dá pra ver uma pequena parte do maravilhoso azul do céu sem nuvens. Que cena inspiradora, não é mesmo? 

De repente, quase chegando ao quintal, percebo duas pequenas manchas escuras próximas ao meu gato, que se encontra deitado a pouca distância. O nome dele é Leonel, mas em casa nós o chamamos carinhosamente de Leo.

Fui até o local e percebi que eram dois filhotes de pássaros mortos. Pareciam ter pouquíssimos dias de vida, pois seus corpos ainda estavam cobertos de penugem. Suas penas não pareciam ser as de pássaros adultos.

Quem era o assassino?, pensei, mas logo concluí. Lá estava ele, deitado bem próximo. Exatamente, seu Leo.

Lamentavelmente, é isso o que natureza "manda" o meu gato fazer. Matar para comer? Não. Ele tem comida a qualquer hora em nossa casa. Brincar com os pássaros, maltratá-los até à morte? Sim.

Já tive a oportunidade de resgatar, com vida, algumas vítimas das suas garras e presas. Desta vez, não foi possível.

Muitos dizem que a natureza feita por Deus é bela. Eu também me encanto com certos espetáculos da Natureza e suas belezas, mas também me choco com suas feiuras. E esta sem dúvida é uma delas.

Não foi a primeira vez que algo semelhante aconteceu. A foto ao lado é de fevereiro de 2020. Em primeiro plano, a vítima. Dessa vez, um pássaro já bem desenvolvido. E o assassino? O mesmo Leo, tranquilo e deitado próximo, acima e à direita na imagem, como se nada tivesse acontecido.

Infelizmente, não tive a ideia de fotografar o “crime” desta semana, até porque o estado de um dos pássaros não era nada agradável.