terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

E Jesus ainda não voltou!

Por Saulo Alves de Oliveira

Certas porções da Bíblia não são de fácil compreensão ou interpretação, pelo menos para este aspirante a – algo parecido com – escritor, que tenta, tenta e tenta... mas não consegue chegar lá. Se está um pouquinho acima da mediocridade, não passa de um escrevedor, um simples ajuntador de palavras.

Alguém pode afirmar que é consequência de uma formação intelectual deficiente ou, se partir daquele que se autodenomina possuidor de elevada espiritualidade, a crítica pode caminhar na direção do “é falta de um bom relacionamento com o Espírito Santo para entender as Escrituras”. Bom, esses podem até ser os verdadeiros motivos, admito, no entanto... vamos ao objetivo deste comentário, ou ao cerne da questão.

Sempre que eu leio o livro dos Atos dos Apóstolos, ou medito sobre o episódio a seguir, algo chama minha atenção.

Depois que Jesus subiu ao céu aconteceu um evento que ficou conhecido como o dia de Pentecostes. Naquela oportunidade, ocorreu a descida do Espírito Santo, o Consolador. Então Pedro, certamente o principal dos doze apóstolos de Jesus, pronunciou as seguintes palavras:

“Estes homens não estão embriagados, como vós pensais, sendo esta a terceira hora do dia. Mas isto é o que foi dito pelo profeta Joel: E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos; e também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e minhas servas, naqueles dias, e profetizarão.” – At.2.15-18.

Acho que não há dúvidas de que o apóstolo pescador relacionou aquele momento ao cumprimento ou ao início do cumprimento da profecia de Joel, que, todavia, deveria ou deve acontecer nos últimos dias.

No entanto, ao fazer a conexão daquele episódio com os últimos dias e, de certa forma, afirmar que ele próprio estava vivendo os últimos dias, o que realmente Pedro quis dizer?

Já se passou muito mais tempo entre Pedro e os nossos dias (quase 2.000 anos) do que entre a profecia de Joel e os dias de Pedro (cerca de 800 anos). E, como está evidente, os últimos dias não aconteceram no tempo de Pedro. Nem mesmo nos nossos dias.

Teria Pedro se equivocado ao interpretar as palavras do profeta Joel? Parece que não, pois o próprio Jesus fez uma afirmação que provavelmente levou o intrépido – a essa altura não mais covarde – discípulo a essa conclusão. Senão, vejamos:

“Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui estão, que não provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino.” – Mt.16.28

Pedro acreditava que a volta de Jesus se daria naquele tempo? Parece que sim.

Por que um homem que teve a inspiração de Deus para escrever ou falar “A Palavra de Deus” não teve a inspiração de Deus para entender que a volta de Jesus não se daria no seu tempo? Você, cristão, nunca se fez essa pergunta? Isso nunca o incomodou?

Há também um aspecto interessante no livro do Apocalipse, que de alguma forma se relaciona à compreensão ou interpretação de Pedro.

Qualquer interpretação do Apocalipse deve passar preliminarmente pela compreensão exata do contexto temporal daqueles acontecimentos, sob pena de se distorcer tais fatos. Ou, dizendo de outra forma, é preciso entender corretamente o que João afirmou em Ap.1.1,3 e 22.6,7, isto é, João estava afirmando que eram coisas para o seu tempo ou para o nosso tempo ou ainda para o futuro do nosso tempo?

“Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer... porque o tempo está próximo.”

“...E o Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas, enviou o seu anjo, para mostrar aos seus servos as coisas que em breve hão de acontecer. Eis que cedo venho...”

Se os acontecimentos relatados no Apocalipse são para os nossos dias ou para dias futuros, por que João disse que eram “...as coisas que brevemente devem acontecer...?”

Ainda lemos em Apocalipse 3.11; 22.7,10,12,20:

“Venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa.”

“Eis que cedo venho; bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro.”

“Disse-me ainda: Não seles as palavras da profecia deste livro; porque próximo está o tempo.”

“Eis que cedo venho e está comigo a minha recompensa, para retribuir a cada um segundo a sua obra.”

“Aquele que testifica estas coisas diz: Certamente cedo venho. Amém; vem Senhor Jesus.”

Não se tem certeza absoluta, mas muitos estudiosos atribuem a autoria do livro do Apocalipse ao apóstolo João. O livro foi escrito por volta do ano 96 A.D., isto é, na última década do primeiro século da Era Cristã.

Não me parece sensato ou razoável admitir que sem demora ou cedo venho sejam compatíveis com dois mil anos à frente ou mais. Pelo contrário, tais expressões transmitem a ideia de algo que, se não estava prestes a acontecer, aconteceria não muito depois daqueles dias, por exemplo, no final do primeiro século ou início do segundo século da Era Cristã, compatível, portanto, com as palavras de Jesus – que falava aos discípulos sobre a sua segunda vinda – quando afirmou:

“Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam.” – Mt.24.34

Também compatível com o tempo em que provavelmente João recebeu e escreveu o Apocalipse ou no máximo com alguns anos após a revelação dada ao apóstolo.

Dentre as coisas reveladas ao já idoso João, prisioneiro na ilha de Patmos, estão as palavras citadas acima, sem demora (mesmo significado do advérbio de tempo “imediatamente”) e cedo (advérbio de tempo = dentro de pouco tempo) venho, proferidas, segundo João, por Jesus.

Como já se passaram cerca de 1.925 anos desde que João recebeu o Apocalipse – palavra que tem origem grega e quer dizer “revelação” –, o que significariam, ou significam, exatamente as expressões “Venho sem demora”, “Eis que cedo venho” e “Certamente cedo venho”?

Ao lermos outros textos bíblicos temos a impressão de que outros discípulos também pensavam assim.

Pelo menos três passagens bíblicas têm conexão com as palavras de João. São elas:

“Sede vós também pacientes; fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima.” Tg.5.8.

“Mas já está próximo o fim de todas as coisas; portanto sede sóbrios e vigiai em oração.” 1 Pe.4.7.

“Pois ainda em bem pouco tempo aquele que há de vir virá, e não tardará.” Hb.10.37

O próprio apóstolo Paulo, talvez pressionado pelos cristãos primitivos, que viam os seus contemporâneos morrerem sem que a volta de Jesus ocorresse, os quais certamente conheciam bem as palavras de Jesus sobre os que “...não provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino” – quem sabe eles próprios vendo aproximar-se o fim dos seus dias! –, escreveu:

“Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança.

Porque o Senhor mesmo descerá do céu com grande brado, à voz do arcanjo, ao som da trombeta de Deus, e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles, nas nuvens, ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor.”

1 Ts.4.13,16,17

Percebe-se que Paulo se incluía – “Depois nós, os que ficarmos vivos...” – entre os que ainda estariam vivos por ocasião da volta de Jesus, visto que, ao que tudo indica, havia a expectativa de que a segunda volta de Jesus se daria ainda no tempo dos cristãos primitivos.

Paulo ainda escreveu em 1 Co.15.51,52:

“Eis aqui vos digo um mistério: Nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos serão ressuscitados, e nós seremos transformados.”

Mais uma vez o grande Apóstolo Paulo, certamente o maior divulgador do Evangelho nos primórdios do cristianismo, se incluía entre os que estariam vivos por ocasião da segunda volta de Jesus: “...e nós seremos transformados”. Não é perturbador que o apóstolo, que certa vez afirmou “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei...”, não tenha recebido do Senhor que a volta de Jesus não se daria no tempo da sua vida?

Observem: João, Tiago, Pedro, Paulo e o escritor aos hebreus estavam escrevendo ou falando para os seus contemporâneos sobre coisas que iriam acontecer ainda no tempo deles.

Acredito que todos entendem que este questionamento tem como pressuposto o fato de que Jesus ainda não voltou, nem no tempo dos apóstolos nem ao longo dos últimos quase dois mil anos de história do cristianismo, apesar das indicações dos escritores bíblicos, e do próprio Jesus, de que tal evento se daria no tempo dos primeiros cristãos ou num tempo muito próximo aos dias dos primeiros cristãos.

Sou tolo o suficiente para acreditar que alguém não apresentará justificativas ou explicações para tudo o que foi exposto acima? Resposta: Não.

E uma delas provavelmente começará assim: porque no original grego...