segunda-feira, 6 de junho de 2011

Os dois Brasis (1)

A vida de quase todos nós é cheia de surpresas, às vezes agradáveis, outras, nem tanto. Eu disse “quase” porque acho que quase não há absoluto. Acho que nossas afirmações devem sempre conter uma brecha para o inesperado. Alguém que está em coma pode se surpreender com algo?

Quem não gosta de receber um prêmio em dinheiro ou passar no vestibular ou ganhar uma causa na justiça?

Algumas situações não são apenas desagradáveis, elas nos trazem sofrimento e dor. Quem gosta de perder um parente ou amigo? Quem gosta de ser multado? Quem gosta de adoecer?

Na sexta-feira 13 de maio, eu planejara resolver algumas coisas durante o dia. Antes que alguém faça qualquer conexão com sorte ou azar – sexta-feira 13 –, devo dizer que não acredito em superstições. Tudo não passou de simples coincidência.

Levantei da cama por volta das 8 horas. Tomei o café da manhã e em seguida me sentei numa poltrona enquanto aguardava a liberação do banheiro. Minha esposa se preparava para sair também.

Pouco antes das 9 horas, comecei a sentir uma dor à esquerda e um pouco acima da bexiga. A dor foi aumentando e irradiou-se para a parte posterior do corpo, fixando-se, com maior intensidade, na altura do rim esquerdo.

Quando a Sulanira saiu do banheiro, eu lhe disse: “Acho que não vou sair, pois estou sentindo uma forte dor. Vou me deitar um pouco e aguardar melhorar.” Ela saiu para resolver algumas coisas.

Acontece que a dor não passou. Ao contrário, aumentou. Aí eu me lembrei que há mais ou menos vinte e cinco eu sofrera muito com cólicas renais. E aquela dor estava muito parecida com a do passado.

Durante todo esse tempo, eu expelira, talvez a cada, mais ou menos, dois anos, uma pedrinha, mas sem maiores traumas. Dessa vez, no entanto, a situação complicou.

Temendo que a dor não passasse logo – já estava ficando insuportável –, pedi ao meu filho que me levasse até o hospital.

Chegamos ao Hospital do Coração às 10 horas. Expliquei minha situação à atendente e lhe pedi que desse prioridade ao meu caso. Só sabe o que é realmente uma cólica renal quem já a teve. Quinze minutos depois eu estava na sala da médica de plantão. Feitas as perguntas e dadas as respostas, e após um rápido exame, fui encaminhado à enfermaria do Pronto Socorro.

Deram-me um medicamento oral e em seguida aplicaram-me soro com outros medicamentos. Por volta das 11 horas a dor começou a ceder.

Depois seguiram-se exames de sangue e de urina, ultrassonografia e tumografia computadorizada. Diagnóstico: litíase renal e ureteral esquerda. Tradução: uma pedrinha (cálculo) no ureter esquerdo.

O médico urologista que me atendeu apresentou duas opções: 1) aguardar o cálculo deslocar-se até a bexiga, com muitas dores, e depois expelí-lo naturalmente ou 2) retirá-lo através de procedimento cirúrgico, com os riscos inerentes a uma cirurgia. Depois de refletir um pouco, decidi optar pela segunda alternativa. A cirurgia foi marcada para o dia seguinte às 8 horas da manhã.

Por volta das 9 horas do sábado dia 14, já livre do cálculo, despertei da anestesia. À noite, recebi alta e fui para casa. A situação teve outros desdobramentos, mas para os meus propósitos já chega de tanto blá-blá-blá.

Eu tenho um colega que é extremamente objetivo. Além do limite, eu diria, se é que isso é possível. Se ele por acaso estiver lendo este texto, com certeza deve estar perguntando: “O que é que isso tem a ver com o título ‘Os dois Brasis?’ Pra que tanto blá-blá-blá?”

Bem, vamos ao ponto.

Os ricos e alguns políticos – estes últimos, responsáveis pela grave situação em que se encontra a saúde no Brasil –, quando adoecem, procuram centros mais avançados. É muito comum lermos ou ouvirmos na impressa “Fulano de Tal foi tratar-se no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.” Outros, vão para grandes centros médicos no exterior. Por que não procuram os hospitais públicos ou os postos de saúde que eles oferecem à população?  Não confiam no serviço prestado por esses órgãos?

Quanto a mim, eu não sou um homem rico e, pelo andar da carruagem, com certeza jamais o serei. Não jogo na loteria, portanto não corro o risco de ganhar um grande prêmio. Também não sou filho de pai rico, do qual possa herdar uma grande fortuna.

Nada obstante, eu posso pagar um plano de saúde. Associado a uma grande empresa, o meu plano de saúde está entre os melhores do país. Portanto, tenho uma assistência médica razoável. Acho que posso dizer: de bom padrão. Por isso contei a historinha acima. Fui atendido num dos melhores hospitais da cidade, rápida e eficientemente. Não passei dias sofrendo em cima de uma maca no corredor de um hospital público. Até hoje, felizmente, não precisei recorrer ao serviço médico prestado pelo poder público.

E a situação dos pobres, como fica? Ou mesmo da classe média que não pode pagar um plano de saúde? Realmente vivemos em dois Brasis? O que você acha?

Saulo Alves de Oliveira

Os dois Brasis (2)

Frequentemente ouvimos notícias sobre o descalabro em que se encontra o sistema público de saúde no Brasil. Pessoas morrem nas filas dos hospitais públicos aguardando uma vaga. Outros são jogados em macas ou cadeiras nos corredores com ferimentos graves ou fortes dores. Alguns vagam por horas a fio dentro de uma ambulância – num verdadeiro jogo de empurra-empurra – em busca de um socorro médico que, em algumas situações, chega tarde demais. São médicos que, dada a insuficiência dos recursos humanos e materiais dos hospitais, em muitos casos têm de tomar a decisão de quem vai ser atendido ou não, ou seja, o profissional da saúde pode estar decidindo quem vai viver e quem vai morrer.

Nos postos de saúde municipais não há profissionais suficientes para atender à demanda da população e muitas vezes o doente é obrigado a esperar meses para marcar uma consulta, notadamente no caso de especialistas, ou para realizar determinados tipos de exames. 

Eu soube do caso de um senhor que, tendo procurado um posto de saúde municipal para agendar atendimento médico, faleceu muito antes que tal providência fosse efetivamente tomada. A demora foi tão absurda que, quando ligaram para sua casa para informar o dia da consulta, seus familiares disseram: “Não há mais necessidade, pois ele morreu.” Será que isso ocorreria se aquele senhor fosse o pai do prefeito ou do secretário da saúde?

Tal fato é uma lástima! E muito mais do que isso. É uma vergonha para um administrador público, qualquer que seja ele, do prefeito ao presidente da república, sem esquecer o governador. Eu não sei até onde vai a incompetência ou o descaso com a vida humana! Fosse eu secretário da saúde e isso acontecesse na minha administração, eu pediria o boné e, cabisbaixo, voltaria para casa.

E as desculpas são as mais diversas possíveis, especialmente falta de verba. Como!, se o Brasil é um dos países que tem uma das maiores cargas tributárias do mundo? Há dinheiro para comprar avião novo, para aumentar acintosamente os salários de deputados, senadores, vereadores, prefeitos, presidente da república, para reformar palácios, para a copa do mundo..., para que o Senado Federal tenha em média – pasmem! – 72 funcionários para cada senador (ISTOÉ 2167, pág. 31). 

E o que é pior: segundo a Tribuna da Imprensa de 26/04/2011, “...o Senador Pedro Simon (PMDB-RS) recentemente fez um discurso e denunciou que existem 13 mil funcionários por lá,” incluindo os terceirizados, ou seja, em média 160 funcionários para atender a cada senador – uma excrescência patológica constitucional. Todavia não há recursos para resolver os problemas da saúde pública do Brasil. E o povo continua morrendo à míngua, jogado nos corredores dos hospitais públicos.

Eu votei no Lula cinco vezes e não me arrependo de tê-lo feito, porém acho que em matéria de saúde pública seu governo deixou a desejar. Eu esperava que ao final dos seus dois mandatos a fisionomia da saúde pública no Brasil fosse outra, entretanto lamentavelmente minha percepção não é de que houve grandes mudanças.

Estes são os dois Brasis a que me refiro no título deste comentário. O País dos ricos e dos remediados, os quais – remediados, como eu – podem pagar um plano de saúde, e o país dos pobres, sem saúde, sem educação, sem tantas outras coisas que fazem das pessoas cidadãos e cidadãs de uma pátria e que dão dignidade à vida humana.

Dilma, a primeira presidenta mulher, está aí e eu espero que ela mostre a que veio. Eu espero ansioso que ela consiga transformar estes dois Brasis em apenas Um Grande Brasil, capaz de tratar todos os seus filhos e filhas com a dignidade que todos merecemos.

Saulo Alves de Oliveira