Por Saulo Alves de Oliveira
Certa vez,
ao discutir questões relacionadas à fé e à política, um amigo que não encontrava
há muito tempo me fez a seguinte crítica: “Eu não consigo defender o erro pois
fui formado para combatê-lo. Tenho certeza que esse seu pensamento é contrário
à formação que seus pais deram a você”. A insinuação não poderia ser mais
evidente: na ótica dele eu estava defendendo um erro.
Um outro
amigo, que me conhece desde a minha infância - ele deve ser uns 15 ou 20 anos
mais velho do que eu -, insinuou várias vezes, também por questões relacionadas
à fé cristã: “Eu conheci os seus pais, crentes e tementes a Deus, será que se
eles ainda fossem vivos...?”
Eu convivi
ativamente no meio cristão evangélico durante muitos anos. E tudo começou na
minha primeira infância. Considerando, pois, o tipo de formação que as crianças
e os jovens recebem em muitas igrejas evangélicas, não me causa estranheza o
fato de, quando adultas, tais pessoas insistirem na ideia equivocada de que os
filhos devem ser cópias intelectuais dos seus pais.
Com certeza absoluta
eu amava os meus pais e sinto muito a sua falta.
Grande parte
do que sou hoje devo ao meu pai e à minha mãe. Minha formação moral tem muito a
ver com seus ensinamentos. Muitos princípios e os valores morais elevados que
eles me ensinaram eu conservo até hoje e conservarei até o fim dos meus dias,
não somente por serem princípios e valores cristãos, mas sobretudo por serem
princípios altruístas universais. Tenho consciência de que sou o resultado do
que meu pai e minha mãe me ensinaram, mas também de tudo o que aprendi ao longo
da minha vida, inclusive coisas que os meus pais, se vivos estivessem, não
concordariam, todavia nem por isso eu deixaria de amá-los. A recíproca é
verdadeira.
Todavia, de
uma vez por todas, é preciso ter em mente que Sebastião Alves e Maria Carlos,
dos quais eu tenho enorme prazer de ser filho, eram duas pessoas distintas
entre si, com suas virtudes e defeitos, e diferentes de mim, com minhas
virtudes (se é que as tenho!) e os meus defeitos (estes sim meus “companheiros”
do dia a dia). Portanto, eu não tenho nenhuma obrigação de ser cópia dos meus
pais ou de seguir tudo o que eles me ensinaram, visto que eles poderiam -
poderiam, ressalto - estar errados ou equivocados em relação a alguns aspectos
da sua visão de mundo, da fé, de Deus, da igreja, da Bíblia e de qualquer outra
área da vida humana. Eu sou outra pessoa, única, e não tenho obrigação alguma
de pensar como eles pensavam.
Eu cresci,
física, mental e espiritualmente, me tornei adulto e deixei de pensar como
criança, e hoje sou capaz de analisar esses aspectos que citei e também de
tomar a decisão que me parece a melhor para a minha vida, para os que estão
próximos a mim, para a minha comunidade e o meu País.
No entanto, algo
não me causa o menor incômodo: se alguém se sente bem em conservar ainda hoje,
ao pé da letra, tudo que os seus pais e a Igreja lhe ensinaram, tudo bem. Não me
cabe julgá-lo e constrangê-lo por isso. É um direito que não lhe pode ser
negado. Apenas não posso aceitar essa observação - julgamento? - em relação a
mim, isto é, não aceito que me queiram transformar em clone dos meus pais,
porquanto não sou mais uma criança para aceitar como verdade absoluta tudo o
que os meus pais, os pastores e a Igreja me ensinaram. Aprendi e ainda estou
aprendendo a questionar, pois, certa vez eu li: “São as perguntas que
transformam o mundo”.