sábado, 4 de outubro de 2014

Por que muitos crentes estão “marinando”?

Por Saulo Alves de Oliveira

Eu tenho a impressão de que – posso estar totalmente enganado, admito –, parece que um dos motivos porque muitos crentes estão se mostrando tão animados com a possível eleição da Marina é a expectativa de que, caso ela ganhe a eleição, passe a governar o Brasil com a Constituição de um lado e a Bíblia do outro.

(É claro que há muitos outros motivos, como, por exemplo, o ódio visceral ao PT, como se todos os milhões de petistas formassem uma legião satânica, o que não me cabe aqui questionar.)

Eu também tenho a impressão de que algumas pessoas não sabem o que é um Estado laico. Estado laico é o Estado que não é nem ateu nem religioso, isto é, não privilegia nenhuma religião em detrimento de outra, e nem o ateísmo ou a falta de religião.

A propósito disso, eu pergunto para os evangélicos de um modo geral, se bem que nem estes se entendem quanto à interpretação da Bíblia:

1. Se por acaso elegêssemos um presidente da república muçulmano, você concordaria que ele tomasse decisões baseadas no Alcorão para governar o Estado brasileiro?

2. Se o eleito fosse um judeu, você concordaria que ele tomasse decisões baseadas na Torá, ou mesmo somente no Velho Testamento, estabelecendo, por exemplo, a proibição quanto ao consumo de carne de porco?

3. Se fosse o caso de uma presidente da república adventista do 7º dia, você concordaria que ela tomasse decisões baseadas na lei mosaica, estabelecendo, por exemplo, que o dia semanal de descanso passasse a ser, obrigatoriamente, o sábado para todos os brasileiros?

4. Ou se elegêssemos uma testemunha de Jeová, você concordaria que ela mandasse para o Congresso Nacional um projeto de lei proibindo, para todos os brasileiros, a transfusão de sangue em quaisquer situações? Para quem não sabe, essa proibição é baseada na interpretação que eles fazem de textos bíblicos.

E assim eu poderia citar várias outras religiões ou crenças, como os católicos, os espíritas, os cultos afros, etc.

É claro que um presidente da república pode se basear em textos bíblicos, desde que estes textos contenham “regras” ou “mandamentos” universais, isto é, que sejam aceitos pacificamente em todo o mundo. Exemplo clássico: amar ao próximo como a si mesmo. Agora, impor regras específicas de uma religião para todo o povo brasileiro é algo inviável e irracional. Aquilo que é específico de uma religião, que seja praticado na sua igreja, no seu templo, na sua mesquita, na sua casa e na sua vida particular, não no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional, nas repartições ou escolas públicas.

Não entender isso é contribuir para que o Brasil se transforme em uma Nação onde grupos religiosos se digladiem e se agridam por conta de suas convicções religiosas. E, lamentavelmente, parece que alguns pastores, pessoas inteligentes e com boa formação intelectual, estão, irresponsavelmente, incentivando essa perigosa experiência.

Há até alguém fazendo uma associação de Marina com os juízes do Velho Testamento, como se Deus fosse levantar a “juíza” Marina para converter todo o povo ao cristianismo, “evangélico”, ressalte-se.      

O interessante é que eu fiz as duas primeiras perguntas acima a um amigo e ele disse que eu estava sendo fundamentalista. Sinceramente, não entendi.

O Brasil é uma democracia, com suas muitas falhas e algumas virtudes. Ainda não conseguimos acabar com a miséria e com a grande concentração de riqueza nas mãos de uns poucos. Devemos lutar para que os ricos fiquem menos ricos e que não haja pobreza e miséria em nosso País.

Que ninguém ganhe menos que X, sendo X o salário capaz de proporcionar a uma família média as condições de viver com toda a dignidade. E que, em quaisquer situações, ninguém ganhe mais do que 10X, 20X... ou seria 30X? Não sei. O que sei é que é preciso estabelecer um padrão de ganhos mínimo e máximo para todos os seres humanos, deem a isso o nome que julgarem melhor.      

O Brasil é uma democracia, apesar dos saudosistas da ditadura. E é bom que continue assim.

Todos temos o direito de votar em quem julgamos seja o melhor para o País, ainda que errando. Marina, Aécio, Dilma... Só não podemos correr o risco de misturar política com religião, sob pena de voltarmos ao obscurantismo dos tempos medievais ou seguirmos o exemplo de alguns países do oriente onde, neste momento, religião e política se confundem numa verdadeira barbárie.       

“Marinar” faz parte do “jogo” democrático, assim como “dilmar” ou “tucanar”. O que não faz parte é achar ou pensar que Marina, se eleita, vai empunhar a Bíblia como a “espada” do Espírito e liderar os “cruzados” evangélicos, evidentemente, para livrar o Brasil dos “hereges das outras crenças ou sem crenças.