quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Altruísmo ou proselitismo?

Dia desses eu estava assistindo um culto em uma igreja evangélica. Era um culto denominado “de missões”. Lá estava presente um missionário brasileiro que trabalha em um país africano muito pobre, o que não é, lamentavelmente, a exceção naquele sofrido continente. Algo me chamou muito a atenção em suas palavras.

A infraestrutura do país é precaríssima. Muitas pessoas moram em aldeias onde não há energia elétrica, água potável, rede de esgotos, estradas, hospitais e, ressalte-se, escolas, dentre outras benfeitorias que dignificam a vida humana.

Segundo o missionário, a grande maioria dos habitantes daquele país é formada por muçulmanos ou animistas. Há pouquíssimos cristãos lá, e protestantes menos ainda. E as pessoas normalmente não aceitam a mensagem cristã evangélica.

Então, qual é a estratégia adotada pelo missionário e sua esposa? Fundar escolas para ensinar o conhecimento secular às crianças, promover atividades esportivas e, aproveitando-se desse contexto de carência, levar-lhes a mensagem cristã. Como o país não tem condições de oferecer escolas aos seus filhos, e os pais são muito pobres, só lhes resta aceitar a situação. Em casa, Alá é Deus; na escola, Jesus é Deus.

O missionário contou que o líder de uma aldeia muito pobre procurou sua esposa e pediu-lhes que instalassem em seu povoado uma escola para suas crianças. A missionária então respondeu: “Tudo bem, desde que nós possamos ensiná-las também o cristianismo, caso contrário não tem escola”. Não lembro qual foi a atitude do chefe da aldeia, porém me lembrei do livro “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel. Alguém saberia dizer o porquê?

Muitos vibraram euforicamente com a notícia. Logicamente da forma comum em igrejas pentecostais. Para muitos, uma brilhante ideia. Entretanto, pelo menos uma pessoa ali questionava aquela atitude. E disso eu tenho certeza absoluta.

Vamos fazer um exercício simples de sensatez. Coloque-se no lugar daquelas pessoas. Considere-se numa situação reversa. Imagine-se um cristão muito pobre que mora num país de precaríssimas condições de educação. Chega um missionário muçulmano em sua terra – ou de qualquer outra religião –, e lhe propõe oferecer educação secular aos seus filhos menores em troca de introduzir na cabeça dos pequenos os ensinamentos do Alcorão, isto é, Alá é Deus e Maomé, o seu Profeta. Jesus é importante, no entanto é apenas mais um profeta. É isso ou nada, decreta o missionário, sem mais delonga. Como você se sentiria? É um exercício de virtude saber colocar-se no lugar do outro.

Não deveria o Evangelho ser levado somente a pessoas capazes de decidir com toda a liberdade se o aceitam ou não? Doutrinar crianças alheias sem o consentimento livre dos seus pais é honesto e moral?

A semana passada eu li em um site cristão: “Projeto missionário leva sistema de tratamento de água para comunidades desfavorecidas”. Se você quiser ler a notícia,  acesse o site “gospelmais.com.br.”

Eu achei espetacular a notícia, uma grande iniciativa que merece todos os aplausos, mas ao final me decepcionei.

Pelo que eu entendi, trata-se de um grupo cristão de engenharia, que elabora projetos de água potável em todo o mundo e, associado a uma missão cristã, instala sistemas de tratamento de água em regiões carentes do mundo. Porém, ao final da notícia, me pareceu – salvo um julgamento precipitado da minha parte – estar a verdadeira intenção do projeto: proselitismo (“Eles usam a abertura obtida com o projeto da água para levar a mensagem do cristianismo para esses locais”).

A miséria e a pobreza no mundo são tão grandes que quaisquer iniciativas para ajudar os mais necessitados devem sempre ser incentivadas. Mas a virtude está em ajudar os outros sem segundas intenções. Será que não é possível ajudar as pessoas simplesmente por altruísmo, sem proselitismo? Não julgo moral aproveitar-se da miséria de pessoas para “impor-lhes” uma fé, qualquer que seja ela, inclusive o cristianismo de vertente evangélica.

Saulo Alves de Oliveira