quinta-feira, 28 de julho de 2016

Paulo e o silêncio das mulheres

Por Saulo Alves de Oliveira

Se você é uma pessoa – me refiro especialmente aos cristãos de um modo geral e aos evangélicos em particular – que faz questão de não se deter nas “dificuldades bíblicas”, certamente o tema abaixo não lhe interessa. Entretanto, ele diz respeito a todas as mulheres e deve interessar a todos aqueles que se preocupam com os direitos femininos. 

O apóstolo Paulo ensinou – ou seria ordenou? – que as mulheres não têm o direito de falar nas igrejas e, portanto, devem se manter caladas. Dúvidas? Leia os textos abaixo:

“... Como em todas as igrejas dos santos, as mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam submissas como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos; porque é indecoroso para a mulher o falar na igreja” – 1 Co. 14.33,34,35.

 “A mulher aprenda em silêncio com toda a submissão. Pois não permito que a mulher ensine, nem tenha domínio sobre o homem, mas que esteja em silêncio” – 1 Tm. 2.11,12.

Bom, para mim não resta nenhuma dúvida acerca do que Paulo escreveu.

Diante dessa ordenança bíblica, pergunto a quem afirma que devemos cumprir as Escrituras do Gênesis ao Apocalipse, isto é, do “No princípio criou Deus os céus e a Terra” ao “A graça do nosso Senhor Jesus seja com todos”, e que ao mesmo tempo se interessa por este tema: por que em muitas igrejas atualmente as mulheres falam, ensinam, pregam, coordenam, presidem reuniões diversas ou cultos e, em muitos casos, são pastoras?

Tal comportamento não estaria em desacordo com a Bíblia? Ou o ensinamento de Paulo não é mais para os nossos dias?  

Bom, acho que há algumas considerações a fazer sobre o tema.

Segundo o Dr. Bart D. Ehrman, especialista em Novo Testamento, igreja primitiva e manuscritos antigos – autor do livro O que Jesus disse? O que Jesus não disse? –, alguns estudiosos acreditam que os versículos 34 e 35 do capítulo 14 de 1 Coríntios não foram escritos por Paulo, mas foram acrescentados por copistas como uma espécie de nota marginal, portanto não faziam parte da epístola original de Paulo. Tanto é que em alguns manuscritos essa anotação (versículos 34 e 35) aparece depois do versículo 33 e em outros aparece depois do versículo 40. Infelizmente, sabe-se que não existem os originais dos livros da Bíblia, mas cópias de cópias de cópias de cópias...

Como havia uma grande polêmica acerca da participação das mulheres nas igrejas nos primórdios do cristianismo, tais copistas, favoráveis à discriminação das mulheres, teriam acrescentado essa nota que depois teria sido repassada como sendo de autoria de Paulo, o que lhe conferia autoridade apostólica. Realmente, parece ter sentido essa observação, pois, se os versículos 34 e 35 forem retirados do contexto, em nada prejudica o tema que Paulo tratou no capítulo 14.

Na realidade, para coerência do tema relacionado às mulheres melhor seria que os versículos 34 e 35 não estivessem no texto bíblico.

Admitindo-se, entretanto, que o próprio Paulo é o seu autor parece haver uma incoerência entre os versículos 34 e 35 e o que o apóstolo escreveu no mesmo livro de 1 Coríntios um pouco mais atrás no capítulo 11, versículo 5, quando ele admite que as mulheres orem e profetizem na igreja.

Não sei se Paulo quis dizer que as mulheres deveriam ficar exatamente "mudas" ou "silentes", entretanto fica claro que elas não podiam ensinar ou ter ascendência sobre os homens nas igrejas.

Na tentativa de desfazer o entendimento de que Paulo discriminava as mulheres, conforme 1 Coríntios e 1 Timóteo, há quem utilize o texto de Romanos 16 para mostrar que o apóstolo tinha as mulheres em alta conta. Até concordo que ele tinha grande consideração pelas mulheres, entretanto o fato de Paulo citar e elogiar várias mulheres, as quais certamente muito o ajudaram, não quer dizer que ele aceitava que as mulheres tivessem ascendência sobre os homens e que falassem nas reuniões da igreja primitiva.   

No que diz respeito ao capítulo 16 de Romanos, não me parece haver nenhuma incompatibilidade com os ensinamentos em 1 Co. 14.34,35 e 1 Tm. 2.11,12, exceto, talvez, em relação a Júnia ou Júnias.

A primeira mulher citada pelo apóstolo chamava-se Febe. O texto diz que ela era diaconisa, ou serva em algumas versões, o que não caracteriza que ela obrigatoriamente ensinava ou tinha, na igreja, atividades que eram prerrogativas dos homens. Tanto é que em 1 Tm. 3.8-10 Paulo diz quais são as qualidades dos diáconos e, alguns versículos antes (2.11,12), ele escreveu que as mulheres não podiam ensinar nem ter domínio sobre os homens. Caso contrário, seria uma flagrante contradição do apóstolo.

Quanto ao fato do nome "Priscila" preceder o de "Áquila", pode ter algum significado ou não. Não se sabe exatamente o motivo dessa deferência (?). Entretanto, tal fato em nada contradiz de forma inquestionável os ensinamentos de Paulo quanto aos limites da participação das mulheres na igreja nos primeiros séculos da era cristã.

Quanto às demais mulheres citadas, Paulo apenas as elogia e reconhece seu trabalho e sua dedicação, portanto nada que contrarie os ensinamentos atribuídos a ele em 1 Coríntios e 1 Timóteo.

Já em relação a Júnia (nome feminino) ou Júnias (nome masculino) as coisas se complicam um pouco. Algumas traduções referem-se a "Júnias", apesar de que, tudo indica, a forma masculina "Júnias" não era um nome muito comum no mundo antigo.

Se o nome era "Júnias", como consta em algumas traduções, a questão está resolvida, pois Paulo estaria se referindo a dois homens, Andrônico e Júnias, "...bem conceituados entre os apóstolos..." – Rm 16.7.

Se o nome era realmente "Júnia", uma mulher, que era apóstola, parece haver uma contradição em relação a 1 Co. 14.34,35 e 1 Tm. 2.11,12, o que reforça a suspeita de que os versículos 34 e 35 do capítulo 14 de 1 Coríntios foram uma inclusão feita por copistas. Também há questionamentos quanto a autoria de 1 Timóteo, que pode não ter sido do apóstolo Paulo.

Há ainda traduções de manuscritos que, para evitar dúvidas, dizem o seguinte: "Saudai a Andrônico e Júnia, meus parentes; saudai também meus companheiros de prisão, apóstolos eminentes". Dessa forma, ninguém precisa se preocupar com o fato de uma mulher ser citada em meio a um grupo de apóstolos homens.

Na realidade, tudo isso, e outras coisas mais, deixa claro que a Bíblia, lamentavelmente, não é um livro objetivo e por isso dá margem às mais diversas interpretações, o que é intrigante e bastante incômodo por se tratar da Palavra de Deus.

Concluindo, esclareço ainda que nada do que foi citado acima interfere na visão que eu tenho da participação das mulheres em quaisquer atividades humanas.

Independentemente dos textos citados serem ou não de autoria de Paulo, minha visão é que não se pode mais, hoje, reservar à mulher uma posição de subserviência ou de coadjuvante. Elas podem e devem ocupar quaisquer espaços em pé de igualdade com os homens.