segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

"Se existe um Deus, ele terá que implorar pelo meu perdão."

Por Saulo Alves de Oliveira

“Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar.” 1 Coríntios 10: 13

Por mais que os anos se passem e por maior que seja a quantidade de informações que absorvemos sempre nos surpreendemos com coisas novas. Eu nunca tinha ouvido ou lido a frase que dá título a este comentário. Tomei conhecimento há poucos dias. Como é do meu interesse tudo que diz respeito a Deus, inclusive qualquer questionamento acerca de sua existência ou não, a frase chamou minha atenção de forma muito especial.

Ela foi encontrada na parede da cela de um prisioneiro judeu num campo de concentração nazista.

A criatura que fez essa afirmação chocante provavelmente era um judeu, integrante do “povo escolhido”. Esta expressão “povo escolhido” me parece muito controversa, especialmente se vier acompanhada do complemento “por Deus”. Certamente o autor da frase morreu asfixiado com gás, de fome, sede, frio, maus tratos ou, quem sabe, fuzilado. Você já viu as imagens daqueles mortos-vivos, verdadeiros cadáveres ambulantes, pele e osso, nas fotos ou vídeos dos campos de concentração?* Você já viu aquelas imagens de valas repletas de corpos esqueléticos, amontoados uns sobre os outros, dezenas ou centenas? Talvez essa tenha sido a condição que o fez desabafar com uma frase tão chocante.

Fico imaginando quanto sofrimento seu autor passou e presenciou. Eu acho que para chegar a esse nível de lamento, só alguém que foi submetido a um grau de sofrimento muito acima dos limites a que o ser humano é capaz de suportar. É o grito de desespero de uma alma profundamente amargurada por indescritível dor.

Você já visitou um campo de concentração na Alemanha? Eu já. E me senti muito mal. Se você tivesse estado no lugar daquele judeu, e escapado, certamente seus sentimentos de condescendência e boa vontade aflorassem num grau tal que não lhe restaria outra alternativa a não ser sentir-se tomado de profunda compreensão e compaixão pelo autor da frase.

Dentre as várias formas de execução que foram apresentadas pelo guia ao grupo que visitava o local, lembro-me de uma que não era das mais cruéis, visto que não causava tanto sofrimento à vítima, bem como evitava que o executor, eventualmente alguém mais sensível e que matava sua vítima talvez forçado pelas circunstâncias, enfrentasse o terror nos olhos de quem estava prestes a ser executado.

O prisioneiro era levado a uma espécie de ambulatório com a promessa de que iria receber cuidados médicos. Lá ele era instado a despir-se e a entregar qualquer objeto de valor que eventualmente ainda estivesse em seu poder.

Primeira providência dos “cuidados médicos”: pesar o prisioneiro. Este subia em uma balança, de costas para uma parede próxima, logo atrás de si. Do outro lado da parede havia um outro cômodo. Na altura da cabeça do “paciente” tinha uma abertura, uma fresta e do outro lado da parede havia um soldado com um fuzil nas mãos. Quando o “paciente”, tranquilo, estava na balança, o soldado posicionava o fuzil e atirava em sua cabeça ou nuca. O carrasco, ou executor, não via o terror no olhar do desafortunado prisioneiro, como acontecia no caso de um pelotão de fuzilamento, nem o prisioneiro sentia os horrores próprios de quem está prestes a ser executado. Morria feliz por estar recebendo “cuidados médicos”. Talvez essa fosse a execução mais “humana” em um campo de concentração nazista, se é que se pode atribuir esse adjetivo ao assassinato de um ser humano.   

Certamente essa é a frase mais impactante e perturbadora que já li ou ouvi em toda minha vida.

Lamentavelmente, parece que o autor da frase não recebeu o escape e, portanto, não suportou. 

*Eu pensei em colocar uma foto com imagens de pessoas em um campo de concentração, mas desisti. Se alguém tiver interesse é só procurar na internet que facilmente encontrará.