quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Amai (ou odiai?) os vossos inimigos

Por Saulo Alves de Oliveira

Eu vi um pastor, um dos mais respeitados e de grande credibilidade, compartilhar uma campanha para cassar os direitos políticos da Presidenta Dilma Rousseff – é isso mesmo, não estou enganado, um pastor. 

Alguém pode estranhar o fato de eu realçar a palavra “pastor”. O pastor é um ser humano como outro qualquer, sujeito a falhas e virtudes, com os mais diversos interesses, às vezes bons, às vezes maus. Eu sei disso. Eu fui criado num lar cristão evangélico, meu pai foi pastor, eu convivi com vários pastores.

Todavia, pastor para mim, em tempos que não voltam mais, estava numa outra dimensão. Há razão pessoal para essa ênfase, mas não vem ao caso tecer comentários agora. Às vezes o tempo do verbo numa frase é fundamental para se entender uma afirmação.

Aí eu me lembrei de uma história que é muito comentada e comemorada nos púlpitos das igrejas. Todas as crianças, filhos ou filhas de pais evangélicos, ouvem essa edificante história nas aulas da Escola Dominical ou nos cultos domésticos. Aconteceu há milhares de anos quando Israel começava a se tornar uma monarquia sob o reinado de Saul, seu primeiro rei.

Dois exércitos estavam prestes a entrar em guerra, os filisteus e os israelitas.

Da parte dos filisteus apresentou-se um homem de nome Golias, todo equipado para a guerra, com capacete, couraça, caneleiras, escudo, espada e lança, e seu escudeiro ao lado. Conhecido como o “gigante” Golias, pois tinha cerca de 2,90 m, o filisteu provocava Israel para que apresentasse um guerreiro para lutar com ele. Só havia uma regra: “Se ele pelejar comigo e me ferir, seremos vossos servos; porém, se eu o vencer e o ferir, então sereis nossos servos e nos servireis”.

Um jovem pastor, de ovelhas, chamado Davi apresentou-se para lutar com o “gigante”. Suas armas: um cajado, uma funda e cinco pedras lisas.

Ao aproximarem-se, os dois homens travaram um breve diálogo e, em seguida, Davi atirou, com sua funda, uma pedra que atingiu em cheio a testa do filisteu, que caiu com o rosto em terra.

Todavia, parece que Davi não se contentou em ver aquele corpanzil no chão já abatido e liquidado – talvez, agonizando, ainda dava alguns sinais de vida –, então resolveu, como havia prometido anteriormente na breve conversa com o filisteu, cortar-lhe a cabeça. Era preciso matar e ter certeza que o inimigo estava morto. E o jovem e inexperiente Davi não teve nenhuma contemplação. Decepou a cabeça do inimigo e a ofereceu ao rei Saul.

Algumas histórias bíblicas, de tão violentas e chocantes, me causam um certo incômodo.

Parece que hoje há esse mesmo sentimento, até entre pastores, e ovelhas também, é preciso abater o adversário, mas não basta só isso. É preciso abatê-lo, humilhá-lo, cortar sua “cabeça” e servi-la numa bandeja à malta sedenta de sangue. Só assim se tem a certeza de que o inimigo não mais voltará.

Se os tempos fossem outros, talvez os familiares do adversário tivessem o mesmo destino, e suas propriedades fossem derrubadas e destruídas, e sal grosso fosse espalhado em suas terras, para que, em tempo algum, nem a mais forte das sementes ali brotasse.

Cumprem-se assim as palavras de Jesus: “Amai os vossos inimigos”.