domingo, 29 de maio de 2011

Carta a um ex-Presidenciável

"Não se mede a grandeza de um homem pelos cargos que ele ocupa, mas pelos métodos utilizados para alcançá-los"


Eu escrevi o texto abaixo logo após as eleições presidenciais do ano passado. Naquela oportunidade, o enviei apenas para alguns conhecidos. Já se passaram sete meses, entretanto penso que o jogo sujo feito por um dos lados –  com o apoio, lamentavelmente, de alguns prelados da Igreja Católica e de pastores evangélicos – ainda está vivo nas mentes dos brasileiros. Portanto, decidi divulgá-lo neste blog para que outras pessoas que porventura o acessem reflitam mais uma vez e envidem esforços pessoais para que tal fato repugnante não volte a se repetir em nosso país. O texto é exatamente o mesmo como concebido originalmente.  


CARTA A UM EX-PRESIDENCIÁVEL

Inicialmente gostaria de esclarecer que não sou filiado a nenhum partido político. Não sou jornalista, não sou escritor e também não sou um intelectual. Sou apenas um brasileiro que anseia ver um país mais justo ainda nos anos da sua vida. 

É legítimo almejar ser Presidente do Brasil? A resposta óbvia é sim. Do príncipe dos sociólogos ao torneiro mecânico, qualquer brasileiro pode desejá-lo e empenhar-se nesse mister. Você também tem todo o direito. Querer voltar ao poder, é direito de algum partido político? Não há dúvidas quanto a isso. Todavia, o que pode ser condenável nessa perspectiva, é o caminho trilhado.

Não se mede a grandeza de um homem pelos cargos que ele ocupa, mas pelos métodos utilizados para alcançá-los.

Se tivesse jogado um jogo limpo como disse São Paulo: combati o bom combate talvez hoje você já estivesse preparando o terno para a sua posse. E se não, como realmente aconteceu, pelo menos você teria saído da campanha com a dignidade dos grandes seres humanos, com o legítimo direito de almejar ocupar o mais alto cargo da República do Brasil. Ao contrário disso, você manchou a sua biografia com a campanha sórdida que foi regurgitada na internet pelos seus defensores e aliados, com a sua, no mínimo, complacência.

O verdadeiro líder não precisa apequenar o oponente. Ele se agiganta pela suas virtudes. Você poderia ter demonstrado nobreza de espírito desautorizando a calúnia, não compactuando com a difamação. Ecos de “O Príncipe,” de Nicolau Maquiavel, foram ouvidos nesta campanha.

Dilma lutou contra a ditadura? Você também lutou. Dilma foi considerada subversiva? Você também o foi. Dilma teve a prisão decretada? Você também. Você sofreu no exílio? Dilma também sofreu, pois foi presa e torturada. Você certamente não foi preso porque saiu do Brasil. Dilma acusada de ser terrorista em plena campanha! A luta de uma jovem de pouco mais de 20 anos contra a ditadura, idealista como você à época, ocorrida há 40 anos! E você assistindo tudo do alto do seu staff de campanha, deixando que pessoas mais simples ou incapazes de distinguir o joio do trigo, muitas decentes e bem intencionadas, não obrigatoriamente as mais pobres, fossem dissuadidas pelos difamadores da internet e pelos ultraconservadores, incluindo alguns padres e pastores, indignos desses títulos na acepção comum das palavras.    

E a questão do aborto? Acusar a Dilma de ser a favor do aborto, quando a sua própria mulher o praticou! Talvez premida por uma situação adversa, é compreensível, não se pode julgá-la. Entretanto o que é inexcusável e de um cinismo e hipocrisia sem tamanho é deixar a sua mulher afirmar que “ela (Dilma) é a favor de matar criancinhas”, numa total distorção e descontextualização do tema. Foi uma atitude não só deplorável, mas acima de tudo irresponsável.

E a farsa da bolinha de papel? Do rolo de fita adesiva? Ah, e a rede globo? Sempre a rede globo! E o “close do Kamel” nos momentos finais do último debate? E o empenho do jornal folha de são paulo para obter a ficha da Dilma da época da ditadura às vésperas do 2º turno? Por que não a sua também? Isso é ou não manipular a informação em favor de um projeto político?

Tudo isso rendia os votos dos incautos para você! Então, deixa rolar. 

Você lutou contra a ditadura, foi líder estudantil, senador, ministro, governador do mais importante estado brasileiro e prefeito de uma das maiores cidades do mundo. Que currículo invejável! Poderia ter inserido um belo capítulo na sua biografia, mas a manchou com a nódoa imoral que foi a sua campanha.

Como foi irresponsável a sua atitude ao contribuir para que a Nação se dividisse com base em mentiras, calúnias e intolerância! Tomara que as forças do bem e os homens e mulheres dignos do seu partido, envergonhados com a campanha do mal que você fez, não permitam que isso continue e que a xenofobia, qualquer que seja a matiz, se instaure no Brasil. Tomara que a Dilma tenha a virtude das grandes mulheres e a sensibilidade das mães para conciliar os “... filhos deste solo... pátria amada, Brasil.”

Não vou me alongar.

Por que tentar chegar à Presidência do Brasil ferindo tantos valores? O que há por trás do apoio da grande imprensa à sua candidatura? Será que o barulho das Cataratas de Foz do Iguaçu faz algum sentido? 

Ao deitar a cabeça no seu travesseiro, no mais íntimo da sua casa, no silêncio da noite, quando todos dormem, agora que passou o fervor da campanha, o que diz a sua consciência? Pedir desculpas ao povo brasileiro seria uma demonstração de grandeza espiritual.

Ser obrigado a compartilhar com você este momento, é profundamente triste. Também é a causa de uma enorme indignação. Quisera ele não tivesse existido.

Saulo Alves de Oliveira
Um brasileiro comum