sábado, 22 de fevereiro de 2014

Jesus, os porcos e o gadareno


Eu nunca entendi certas atitudes de Jesus.

Alguém pode até afirmar: “É porque você não tem fé”; ou “É porque você não tem intimidade com o Espírito Santo para compreender a Palavra de Deus”; ou “É porque você ainda não conhece a Deus em profundidade ou não está receptivo a Sua voz”; ou “Deus é soberano e faz o que Ele quer e não deve satisfação a ninguém”; ou ainda, quem sabe, qualquer outra justificativa similar ou mais contundente.

Bem, pode ser, mas vamos ao caso.

Em Mc. 5.1-20 está registrada a história do endemoninhado gadareno, ou geraseno. O homem é identificado como gadareno certamente porque era da cidade de Gadara, localizada no que é hoje o território da Jordânia, país vizinho a Israel. Gadara ficava a cerca de oito quilômetros do rio Jordão e a quase dez quilômetros do mar da Galiléia. Hoje, sobre o sítio das ruínas da antiga Gadara, está localizada a cidade jordaniana de Umm Qais.

Não vou contar toda a história. Vou direto ao ponto que quero ressaltar.

Ao encontrar o homem possesso, Jesus expulsou os demônios que o atormentavam havia muito tempo. Eram muitos os espíritos maus, pois, quando Jesus perguntou pelo seu nome, ele respondeu: “Legião é o meu nome, porque somos muitos”.

Nesse episódio, entretanto, há uma atitude de Jesus que me incomoda há muito tempo. Ao invés de mandá-los para as profundezas do inferno ou para outro lugar qualquer, ou, quem sabe, destruí-los, Jesus os mandou para uma manada de porcos que pastava nas proximidades – cerca de 2.000 animais. Atordoados, os animais caíram no mar e todos morreram afogados.

Será que a atitude de Jesus deveu-se ao fato dos porcos naquela época, segundo a Lei Mosaica, serem considerados animais imundos? Se é assim, que culpa tinham aqueles animais da sua imundície?

Eles não fizeram a si próprios. Eles foram “criados” da mesma forma que qualquer outro animal. Do ponto de vista dos porcos, eles viviam de forma natural como qualquer outro animal e tinham o comportamento que a própria natureza lhes determinou. Os porcos não tinham consciência do fato “sou um animal imundo”.

Depois que os porcos morreram, os espíritos imundos continuaram existindo ou desapareceram?

Se continuaram existindo, de nada adiantou sua morte. Jesus poderia ter evitado esse sacrifício inútil simplesmente mandando os espíritos maus para qualquer outro lugar, desde que não fossem corpos de seres vivos.

Se com a morte dos porcos os demônios foram extintos, Jesus também poderia ter evitado o sacrifício dos animais. Bastaria tão somente que, com o poder da sua palavra – não foi exatamente isso que aconteceu? –, Ele destruísse todos os espíritos maus que atormentavam o gadareno. E deixasse os pobres animais seguirem o ciclo de vida que a natureza lhes reservou. Simplesmente foge à minha percepção a necessidade de matá-los.  

Como já disse, até hoje nunca entendi essa atitude de Jesus.            

Saulo Alves de Oliveira

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Referencial bruxuleante. Será que vai apagar?

A propósito de recentes notícias acerca de Cuba, este foi um dos comentários que eu li na internet:
“Ah, mas nossa presidenta fez uma doação generosa à ditadura cubana, para a construção do bem equipado porto de Mariel! Como ela é generosa, com nosso dinheiro!”
As palavras acima são de autoria de alguém que já foi um referencial em minha vida, especialmente na minha juventude e parte da vida adulta.

Todos sabemos, pelo menos quem se mantém minimamente informado, que o Brasil não fez doação alguma a Cuba e sim um empréstimo, via BNDES, para construção de um moderno porto naquele país. E, segundo alguns especialistas, é um bom negócio para o Brasil.

Veja aqui entrevista com o diretor da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo –, Thomaz Zanotto, acerca do tema. Veja também, no mesmo site, a opinião da polêmica jornalista Rachel Sheherazade.

Dessa forma, não sei qual a intenção do autor da frase, já que se trata de uma pessoa bem esclarecida, que tem formação profissional exatamente nessa área.

Pela posição que o autor da frase ocupa na sociedade, essa atitude é extremamente lamentável, haja vista que muitas pessoas desavisadas poderão repercutir suas palavras como uma verdade inquestionável. 

Para mim, portanto, é profundamente decepcionante mesmo, pois, apesar de não concordar com algumas de suas opiniões políticas, eu sempre o tive em alta conta e respeito.     

Todos temos pessoas que foram ou são nossos referenciais. Nossos pais, um professor, um amigo, um pastor, um padre, um escritor, etc.

É lamentável quando alguém que já foi nosso referencial tem uma postura questionável ou escreve algo que, pelo seu conteúdo implausível, nos decepciona.

Quando tal pessoa divulga algo que a gente sabe que essa pessoa sabe que não é verdade, pelo seu nível intelectual e pela sua formação profissional, aí a coisa toma uma dimensão muito mais grave.

É muito comum pessoas inescrupulosas divulgarem na internet notícias ou opiniões que não são verdadeiras, muitas vezes difamando “desafetos” ou mesmo instituições. E isso causa um prejuízo enorme ao difamado, especialmente quando divulgado por alguém que tem dezenas, centenas ou até milhares de discípulos, e estes têm aquele referencial como uma personalidade cujas palavras são a expressão da verdade.

É o que nós podemos chamar de “testemunho de autoridade”. “A autoridade falou, quem sou eu para questionar?” Felizmente, eu já ultrapassei essa etapa intelectual primária há muito tempo. Para mim, não há quem não possa ser questionado, em qualquer área do conhecimento humano, da ciência à religião.  

Quando afirmações sem consistência procedem de pessoas precipitadas, despreparadas ou mal intencionadas mesmo, nós podemos até pensar: dessa mente deformada ou, quem sabe, que recebeu algum tipo de lavagem cerebral, só pode sair isso mesmo. Porém, quando vem de alguém que já foi nosso referencial, com todo o preparo intelectual que sabemos que tem, é profundamente lamentável.

Não tenham dúvidas, só nos cabe uma alternativa: rever o que ainda nos resta dos referenciais relacionados àquela pessoa.

Saulo Alves de Oliveira

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Otimismo versus fantasia

Parece-me que algumas pessoas confundem otimismo com fantasia ou realidade com pessimismo.

É evidente, conviver com pessoas pessimistas, que só veem o lado negativo das coisas e que pensam que tudo vai dar errado, é extremamente desagradável. Mas estar ao lado de alguém dominado por ideias místicas, que vive fora da realidade e que não observa que coisas boas e coisas más acontecem a todos, independentemente de suas crenças ou sua fé, também é extremamente desagradável.

É bom conviver com pessoas de bem com a vida, que nos colocam pra cima, que nos estimulam a lutar e a vencer. Certamente, estar de bem com a vida é ser otimista porém também é vê-la com realismo, sem fantasias, muitas vezes proporcionadas pela própria religião.

Se alguém se conforta com frases consoladoras irreais, ou com profecias genéricas, jogadas sem direção, do tipo “Tua vitória está próxima”, que vale pra qualquer pessoa e em qualquer situação, é uma escolha pessoal e não me cabe julgar. Só posso dizer que para mim isso e nada é a mesma coisa.

Na realidade, eu prefiro uma verdade dura do que uma fantasia consoladora.

“Tua vitória está próxima”. Qual vitória? Quando acontecerá?

Quando se atira várias vezes às cegas, é provável que em algum momento alguém será atingido.  “Tua vitória está próxima” lançada aos quatro ventos certamente coincidirá, em algum momento, com a cura ou com a solução do problema de algumas pessoas, e estas, se forem místicas, dadas a uma devoção religiosa irracional, tomarão tal fato como cumprimento daquela palavra. Entretanto, aquilo aconteceria de qualquer forma. Trata-se apenas de uma simples coincidência.   

Voltando à questão do otimismo versus fantasia e realidade versus pessimismo, vou tentar ser mais claro com um exemplo bem simples.

Imaginem as seguintes situações:

1) Alguém vai fazer um concurso. Para isso, tal pessoa se dedica totalmente aos estudos, dia e noite e nos finais de semana. Abdica, inclusive, de certas diversões durante esse tempo. Folga?, só o suficiente para não ficar deprimida. Na véspera do concurso, essa pessoa está nervosa e insegura quanto ao seu desempenho e ao resultado das provas, o que é normal. Um amigo, para incentivá-la, diz-lhe que não se preocupe pois ela está bem preparada para enfrentar aquelas provas e que é um forte candidato a ser aprovado na disputa. Diz-lhe ainda que ela está em pé de igualdade com todos os outros ou até em melhores condições devido o seu empenho e que tem todas as condições de sair-se vencedora. E diz mais: “Confie na sua capacidade e no seu esforço”.                

2) Alguém vai fazer um concurso. Entretanto, tal pessoa não dá a mínima atenção aos estudos. Só quer divertir-se dia e noite e nos finais de semana. Suponhamos mesmo que, sendo um crente, vá todos os dias à igreja, à noite, e, nos finais de semana, passe o sábado e o domingo na igreja (ensaios, círculo de oração, escola dominical, reuniões, culto, ou missa, se católico, etc.). Na véspera do concurso, essa pessoa está nervosa e insegura quanto ao seu desempenho e ao resultado das provas. Um amigo, para incentivá-la, diz-lhe que não se preocupe pois “O Senhor está com você” e “Ele dará ordem aos seus anjos para que te segure nas mãos para que você não tropece”, ou ainda “Tua vitória já está decretada”.

Pergunto:

- Qual dos dois amigos é o otimista e qual é o fantasioso?

- Qual é o realista?       

Sejamos, portanto, todos otimistas mas sempre com os pés no chão.

Fantasias? Deixemos para as crianças.

Quanto ao pessimismo, vou dizer como diz minha netinha de 6 anos quando lhe proponho algo que ela não gosta: nem pensar.

Saulo Alves de Oliveira