sexta-feira, 30 de julho de 2021

Deus não é o deus das probabilidades

Por Saulo Alves de Oliveira

É normal, é inteligente – e a prudência recomenda – fazer planos para o futuro. Todos nós, quando  planejamos alguma coisa, do casamento ao nascimento de um filho, de um curso superior a um empreendimento qualquer, de uma viajem a, quem sabe!, morar no exterior, desejamos e temos a expectativa de que tudo dê certo, mas, se somos previdentes, sabemos que algo pode dar errado e há a possibilidade dos nossos planos não se concretizarem. Todavia, mesmo cientes dos riscos, insistimos e esperamos que o nosso sonho de sucesso se torne realidade. Lutamos e trabalhamos para que tudo dê certo, porém às vezes as circunstâncias trabalham contra nós ou nós mesmos derrubamos nossos castelos, eventualmente, de areia.

“Jogamos”, pois, com duas possibilidades, sucesso ou fracasso, e bem faz quem se prepara também para enfrentar o fracasso (Talvez considerar portas emergenciais, saídas alternativas!). Não é nada fácil. Um filho que se desviou do caminho do bem e perdeu-se, um casamento que não deu certo, um negócio que não prosperou, uma viagem abortada no meio do caminho... E por que isso pode acontecer? Porque somos apenas seres humanos, não “deuses”, não conhecemos o futuro. Se soubéssemos antecipadamente que algo daria errado, certamente não investiríamos tempo, dinheiro, trabalho e nossa própria vida em um projeto de futuro previsivelmente sem êxito. Não abriríamos mão do nosso conforto para dedicar-nos a algo que não vale a pena.

Se você tivesse a capacidade de antever o futuro, e soubesse, com certeza absoluta, que um dos seus filhos ou filhas se tornaria um ser humano mau, drogado, assassino, assaltante, ou outra qualidade pior (– há?), você permitiria que esse filho ou filha viesse ao mundo? Ou evitaria sua concepção? Lamentavelmente, tal desastre pode acontecer com qualquer um de nós. Planejamos tudo de bom com e para os nossos filhos, mas podemos ser surpreendidos com algo bem diferente.

No entanto, isso não acontece com Deus. Deus pode ser surpreendido com algo que ele não sabia que não daria certo? Ele fez ou faz algo “jogando” com a possibilidade, como nós humanos, de sucesso ou fracasso, isto é, de dar certo ou errado? Deus “joga” com probabilidades? Se a resposta é sim, então ele não é Deus. Todavia, Deus não pode ser surpreendido com coisa alguma. Ele sabe exatamente o que vai acontecer e a forma como acontecerá. Estou equivocado ao afirmar que 100% é a única probabilidade relacionada aos planos do Senhor?

A teologia cristã diz que ele conhece passado, presente e futuro. Portanto, Deus criou Lúcifer sabendo que Lúcifer se revoltaria contra ele, e mesmo assim o criou. Teria ele o criado com esse propósito? Deus criou o ser humano sabendo que este iria pecar contra ele, e mesmo assim o criou. Deus não foi apanhado de surpresa. Ele sabia exatamente o que iria acontecer. O interessante é que Deus para ser Deus não precisava ter criado nem Lúcifer nem o ser humano. Mesmo sabendo que as suas criaturas se desviariam do seu caminho e que ele, Deus, como resultado da atitude dos primeiros humanos, teria de condenar bilhões de almas ao tormento eterno, as criou.

Imaginem: Deus com seus anjos e parte da humanidade gozando para sempre as delícias dos Céus e Nova Terra! Enquanto isso, um grupo de seres humanos condenados ao sofrimento ETERNO por conta de, no máximo, algo em torno de 100 anos, vividos, em desobediência, pode-se alegar, durante suas vidas na Terra! – Você sabe exatamente o que significa ETERNO?  

Segundo a Cosmologia o Universo tem cerca de 14 bilhões de anos. Esse tempo colossal é absolutamente um nada diante da eternidade. Pense em 100 trilhões de anos! Esse tempo inconcebível é absolutamente um nada diante da eternidade.

Qualquer número de anos que você imaginar é insignificante diante da eternidade.

Deus criou o ser humano ciente de que sua obra não daria certo e que, portanto, teria de condená-lo ao tormento eterno. Você entende isso? Eu não. Mas entendo que nem o livre arbítrio explica tal fato. Nem mesmo o plano da redenção justifica ou explica tal fato.

Essa questão da condenação eterna é outro ponto controverso, mas fica para outra oportunidade.

Não é preciso afirmar que há perguntas muito difíceis e que podem nos levar a outras perguntas mais difíceis ou inconvenientes ou a conclusões perturbadoras, então preferimos nos conformar com “não podemos penetrar as profundezas de Deus”, “seus mistérios são insondáveis” ou então recorrer à tradicional “porta de emergência” conhecida pelo código Dt.29:29.

Eu tenho a devida compreensão quanto ao receio desses questionamentos. Há uns 30 anos era mais ou menos assim que eu pensava. Depois aconteceram alguns episódios na minha vida que me fizeram começar a repensar muita coisa. Digo mais ou menos porque não era exatamente assim que eu pensava.

Por exemplo: sempre achei complicada toda a violência ordenada por Deus no Velho Testamento e os sacrifícios de animais. Só na consagração do Templo de Salomão – o verdadeiro, não o do Edir – foram sacrificados 142 mil animais em 7 dias, cerca de 14 animais a cada minuto. Deve ter sido um espetáculo chocante e perturbador para pessoas sensíveis. Confesso-lhes: jamais gostaria de presenciá-lo. Nunca entendi o fato de agradar ao Senhor o cheiro de carne queimada ou a necessidade de tal prática.

Imaginem quanto ao fato de criar seres, dotá-los da capacidade de escolherem o bem ou o mal e depois, ao se concretizar a escolha do mal, lançá-los no inferno por toda a eternidade! 

Felizmente – ou infelizmente, talvez –, mesmo correndo alguns riscos, eu prefiro insistir comigo mesmo e tentar entender certas profundezas ou mistérios. Posso dizer que em alguns casos já cheguei perto de conclusões perturbadoras. Mas acho melhor ficar por aqui. Espero que todos vocês e seus familiares estejam bem e com saúde. Fiquem todos em paz.

Acho que já falei demais. O que devia e o que não devia.

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