quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A aposta de Pascal

Por Saulo Alves de Oliveira

Um amigo, de confiança, me contou que leu na revista Seleções uma conversa entre um repórter e o famoso pastor norte-americano Billy Graham. O Sr. Graham é considerado por muitos como o maior pregador evangélico do século XX. Hoje, aos 95 anos, o famoso evangelista ainda vive nos EUA.

O repórter fez a seguinte pergunta: “Dr. Billy Graham, o senhor vive como se o céu existisse, e se o céu não existir?” Resposta do pregador: “Eu perdi tudo”. 

Aí Billy Graham diz: “Eu posso lhe perguntar uma coisa?” O repórter responde: “Pode sim”.

Pergunta o Sr. Graham: “E se o céu existir?” Respondeu o repórter: “Então eu é que perdi tudo’’. 

E arremata o meu amigo: “É assim, Saulo, conflito é o que não falta. Mas também contamos com bons dividendos desta nossa Fé... É meditar um pouco sobre isto.”

Todavia, a conversa entre o Sr. Billy Graham e o repórter, não me parece, ressalvadas outras considerações que me fogem no momento, algo honesto ou racional, sobretudo sob a ótica de um Deus que tudo sabe.

Alguém que crê em Deus apenas pelo risco de que ao final Ele realmente exista e assim ficará bem na “foto”, isto é, será digno da sua aprovação, não me parece nada honesto.

Tal argumento lembra muito o que chamam de “A aposta de Pascal”.

Blaise Pascal foi um físico, matemático, filósofo e teólogo francês, cristão, que viveu no século XVII. Ele morreu em 1662 aos 39 anos. Em seu livro “Pensamentos” ele expõe a ideia a seguir.

“A aposta de Pascal” é mais ou menos sintetizada da seguinte forma: “Se Deus existe, o crente ganha tudo (o céu) e o descrente perde tudo (ganha o inferno). Se Deus não existe, o crente nada perde e o descrente nada ganha. Portanto, há tudo a ganhar e nada a perder ao acreditar em Deus.”

Eu penso que esse argumento só tem valor para um deus que não é onisciente, que pode ser enganado pelas suas criaturas. Assim, o ser criado poderia supor o seguinte: “Eu realmente não creio em Deus, pois não vejo evidências da sua existência, porém vou apresentar-me como um crente [crente com o significado de ‘aquele que crê na Divindade’], isto é, vou fingir que creio, assim o Criador há de me recompensar com o céu”. Certamente Deus conhece o caráter e o íntimo das pessoas – ou não? – e sabe se e quando elas estão jogando com essa possibilidade.

Acreditar ou não em Deus, não é uma simples questão de opção.

Acreditar em Deus é algo muito mais profundo. É acreditar que Ele existe porque nada pode existir sem um criador. Esse raciocínio, entretanto, pode levar a uma regressão infinita do tipo “se nada pode existir sem um criador, quem criou o Criador?” Alguns respondem com uma resposta tola e que nada explica: Deus é um ser incriado. Melhor seria admitir nossa ignorância e responder “não sei”.

Acreditar em Deus pode ser uma questão de doutrinação na infância, daquilo que foi incutido na mente pelos pais ou pela religião, uma questão de fé. Lembra daquela historinha em que um padre diz: “Dê-me uma criança e eu a farei um cristão pelo resto de sua vida?”

Não acreditar em Deus pode ser uma questão de não encontrar explicações para coisas incompatíveis com um Deus onipotente e onisciente, como é a questão do mal.

Não acreditar em Deus pode ser uma questão de não encontrar evidências para sua existência.

Acreditar ou não em Deus não é algo que se diz apenas da boca para fora, mas é algo que está lá dentro, no mais profundo do centro das emoções, que não é apenas o material, é o intangível. 

Não posso crer em Deus pensando nesta dupla possibilidade: “Se Ele existe, eu ganho; se Ele não existe, eu nada perco”. As coisas não são assim tão simples. Afinal, crer em Deus não é como jogar uma moeda e aguardar, após a morte, se vai dar cara ou coroa. Não se joga dados com Deus.

Julgo que um ateu sincero, convicto, que não crê em Deus porque não vê evidências da sua existência, está numa posição mais confortável – se Deus realmente existe, isto é, fazendo uso do argumento de Pascal – do que um crente dissimulado, que crê apostando na possibilidade de “enganar” o Deus que tudo sabe.

sábado, 4 de outubro de 2014

Por que muitos crentes estão “marinando”?

Por Saulo Alves de Oliveira

Eu tenho a impressão de que – posso estar totalmente enganado, admito –, parece que um dos motivos porque muitos crentes estão se mostrando tão animados com a possível eleição da Marina é a expectativa de que, caso ela ganhe a eleição, passe a governar o Brasil com a Constituição de um lado e a Bíblia do outro.

(É claro que há muitos outros motivos, como, por exemplo, o ódio visceral ao PT, como se todos os milhões de petistas formassem uma legião satânica, o que não me cabe aqui questionar.)

Eu também tenho a impressão de que algumas pessoas não sabem o que é um Estado laico. Estado laico é o Estado que não é nem ateu nem religioso, isto é, não privilegia nenhuma religião em detrimento de outra, e nem o ateísmo ou a falta de religião.

A propósito disso, eu pergunto para os evangélicos de um modo geral, se bem que nem estes se entendem quanto à interpretação da Bíblia:

1. Se por acaso elegêssemos um presidente da república muçulmano, você concordaria que ele tomasse decisões baseadas no Alcorão para governar o Estado brasileiro?

2. Se o eleito fosse um judeu, você concordaria que ele tomasse decisões baseadas na Torá, ou mesmo somente no Velho Testamento, estabelecendo, por exemplo, a proibição quanto ao consumo de carne de porco?

3. Se fosse o caso de uma presidente da república adventista do 7º dia, você concordaria que ela tomasse decisões baseadas na lei mosaica, estabelecendo, por exemplo, que o dia semanal de descanso passasse a ser, obrigatoriamente, o sábado para todos os brasileiros?

4. Ou se elegêssemos uma testemunha de Jeová, você concordaria que ela mandasse para o Congresso Nacional um projeto de lei proibindo, para todos os brasileiros, a transfusão de sangue em quaisquer situações? Para quem não sabe, essa proibição é baseada na interpretação que eles fazem de textos bíblicos.

E assim eu poderia citar várias outras religiões ou crenças, como os católicos, os espíritas, os cultos afros, etc.

É claro que um presidente da república pode se basear em textos bíblicos, desde que estes textos contenham “regras” ou “mandamentos” universais, isto é, que sejam aceitos pacificamente em todo o mundo. Exemplo clássico: amar ao próximo como a si mesmo. Agora, impor regras específicas de uma religião para todo o povo brasileiro é algo inviável e irracional. Aquilo que é específico de uma religião, que seja praticado na sua igreja, no seu templo, na sua mesquita, na sua casa e na sua vida particular, não no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional, nas repartições ou escolas públicas.

Não entender isso é contribuir para que o Brasil se transforme em uma Nação onde grupos religiosos se digladiem e se agridam por conta de suas convicções religiosas. E, lamentavelmente, parece que alguns pastores, pessoas inteligentes e com boa formação intelectual, estão, irresponsavelmente, incentivando essa perigosa experiência.

Há até alguém fazendo uma associação de Marina com os juízes do Velho Testamento, como se Deus fosse levantar a “juíza” Marina para converter todo o povo ao cristianismo, “evangélico”, ressalte-se.      

O interessante é que eu fiz as duas primeiras perguntas acima a um amigo e ele disse que eu estava sendo fundamentalista. Sinceramente, não entendi.

O Brasil é uma democracia, com suas muitas falhas e algumas virtudes. Ainda não conseguimos acabar com a miséria e com a grande concentração de riqueza nas mãos de uns poucos. Devemos lutar para que os ricos fiquem menos ricos e que não haja pobreza e miséria em nosso País.

Que ninguém ganhe menos que X, sendo X o salário capaz de proporcionar a uma família média as condições de viver com toda a dignidade. E que, em quaisquer situações, ninguém ganhe mais do que 10X, 20X... ou seria 30X? Não sei. O que sei é que é preciso estabelecer um padrão de ganhos mínimo e máximo para todos os seres humanos, deem a isso o nome que julgarem melhor.      

O Brasil é uma democracia, apesar dos saudosistas da ditadura. E é bom que continue assim.

Todos temos o direito de votar em quem julgamos seja o melhor para o País, ainda que errando. Marina, Aécio, Dilma... Só não podemos correr o risco de misturar política com religião, sob pena de voltarmos ao obscurantismo dos tempos medievais ou seguirmos o exemplo de alguns países do oriente onde, neste momento, religião e política se confundem numa verdadeira barbárie.       

“Marinar” faz parte do “jogo” democrático, assim como “dilmar” ou “tucanar”. O que não faz parte é achar ou pensar que Marina, se eleita, vai empunhar a Bíblia como a “espada” do Espírito e liderar os “cruzados” evangélicos, evidentemente, para livrar o Brasil dos “hereges das outras crenças ou sem crenças.