terça-feira, 22 de novembro de 2011

A natureza é bela, mas também é fera


O caribu, ou rena, vive em regiões frias, dentre elas o norte do Canadá e a Sibéria (Rússia). Seus principais predadores são os lobos e o homem.   

A natureza produz coisas maravilhosas e nos oferece imagens espetaculares. Muitos usam esse argumento para tentar provar a existência de Deus. Mas a natureza também produz coisas e imagens horripilantes e de uma brutalidade extrema. A natureza não é só bela, ela também é fera.

Quando criança, eu via minha mãe matar galinhas no quintal da nossa casa. Ainda na minha adolescência – convidado por um colega cujo tio era marchante –, eu fui a um matadouro assistir ao assassinato, ou melhor, ao abate de bovinos. Foi um espetáculo terrivelmente chocante e deprimente.

Na cadeia alimentar, há três tipos de animais: 1) os carnívoros, que se alimentam somente de carne, isto é, comem outros animais; 2) os herbívoros, que se alimentam de plantas; e 3) os onívoros, que se alimentam tanto de plantas como de outros animais. Nós, humanos (?), lamentavelmente estamos no terceiro grupo.

Infelizmente a evolução dos seres vivos na Terra conduziu-nos a essa chacina diária em todo o planeta. São as leoas que fincam seus poderosos dentes no pescoço da zebra e a sufocam até à morte. O leão, líder do bando, come primeiro e se empanturra de carne. Depois, toda a família felina estraçalha a vítima num ritual chocante que se repete há centenas de milhares de anos nas savanas africanas.

São os lobos – verdadeiros estrategistas – que perseguem o caribu (ou rena) até à exaustão, para depois devorá-lo ainda vivo, nas regiões geladas da Sibéria ou do Canadá.

Mas não é preciso ir tão longe para ver a natureza em toda sua plenitude “cruel” e sanguinária. É o gato que devora o rato todos os dias nas nossas casas ou nos terrenos baldios das nossas cidades. Não sem antes um ritual de pega, morde, solta e pega novamente, que leva o pobre roedor à exaustão e provoca certamente dores lancinantes, antes de ser mastigado pelos dentes afiados do pequeno felino.     

Mas, e se os leões e os lobos não matarem? Certamente morrerão de fome e não poderão alimentar seus filhotes para garantir a transferência de seus genes e assim perpetuar suas espécies.

A natureza é assim. Parece-me muito cruel e de uma selvageria atordoante. Quem fê-la assim? Na realidade a natureza não é boa nem má, ela é simplesmente indiferente. Ela não está preocupada com a zebra ou com o caribu que correm desesperados para não cair nas garras dos seus predadores, mas também não lhe toca o pavor dos filhotes de leão que são devorados pelas hienas. Nem quando os ursos devoram os lobos e seus filhotes.

É vida devorando vida para viver. É uma carnificina diária que choca as mentes mais sensíveis quando param para meditar.   

No entanto os animais irracionais matam por instinto. Instinto de sobrevivência, isto é,  ou matam ou morrem. A evolução os fez assim. Na natureza, sobrevivem apenas os mais fortes, os perfeitos, os melhores adaptados.

E o ser humano, mata por instinto ou por prazer?

Durante dezenas de milhares de anos, talvez cerca de 190.000 anos, os ancestrais do Homo Sapiens, nossa espécie, viviam como caçadores-coletores, isto é, caçavam e matavam animais selvagens para comer e também recolhiam aquilo que a natureza lhes oferecia gratuitamente para sua alimentação. A evolução fez do homem um comedor de carne, portanto o homem também matava por extinto de sobrevivência. A carnificina já vem de muito tempo atrás, bem antes do Homo Sapiens.

Há cerca de 10.000 anos começou o desenvolvimento da agricultura e o ser humano não precisava mais coletar frutos, raízes e vegetais na natureza. O homem passou a colher aquilo que plantava e a agricultura se desenvolveu por todo o mundo. Paralelamente a isso, passou a domesticar os animais e a usá-los em seu proveito, e a matança continuou. Agora era mais fácil, pois não precisava mais se arriscar na caça aos animais selvagens, correndo os perigos inerentes a tal atividade. Bastava ir até o pasto ou cercado e pegar uma ovelha ou um boi, aplicar-lhe alguns golpes com um machado – de pedra, naquela época – em sua cabeça e cortar-lhe a garganta, como ainda hoje se faz em muitos lugares pelo mundo afora.     

Nos tempos modernos ainda existem alguns poucos grupos humanos que vivem como se vivia há 10.000 anos – isto é, como caçadores-coletores –, valendo-se também de uma agricultura bastante rudimentar, sobretudo em regiões remotas da África, Ásia e mesmo do Brasil e outras regiões do mundo. Entretanto, nos dias atuais, especialmente nas regiões mais ricas, a quase totalidade das pessoas não precisa sair de suas casas para coletar ou caçar na natureza. Basta ir ao supermercado ou ao açougue na esquina. Muitos nem sequer têm a mínima percepção de que por trás daquele pedaço de carne há muito sofrimento.

Há alguns que caçam e pescam por esporte ou pelo simples prazer de ver o animal sucumbir sob o impacto de um tiro ou para contrabandear peles e outras partes exóticas de certos animais, o que é uma excrescência da civilização (?) humana.

Há aqueles que matam por prazer, especialmente alguns que estão ligados diretamente ao ritual do abate ou os pecuaristas, sejam eles pequenos ou grandes criadores, pois cada boi que tomba significa o aumento de sua conta bancária.
     
Há aqueles que, se não matam por prazer, ajudam a alimentar a matança, pois são grandes apreciadores dos prazeres da “carne” e em momento algum param para pensar em todo o sofrimento que o “dono” daquele “belo” churrasco sofreu até pouco antes de ser esquartejado.

Há aqueles que, como eu, não são grandes apreciadores da carne, mas, embora tendo consciência desse absurdo que a natureza produziu, ainda assim incluem em sua alimentação a proteína animal. E por isso alguém pode taxar esse comentário de hipócrita. E talvez com razão.

Entretanto, seja hipocrisia ou não, tudo o que eu disse acima pode ser resumido na seguinte frase: eu acho simplesmente uma das piores absurdidades e um despropósito o que a natureza produziu, isto é, seres vivos que necessitam sacrificar outros seres vivos para continuar vivendo.

Um dia, talvez daqui a 500 ou 1.000 anos, quando a humanidade tiver atingido a plenitude da consciência moral e entender que os animais têm direito à vida tanto quanto nós humanos, matar um animal será considerado um crime similar ao assassinato de qualquer ser humano. Ou, quem sabe, bem antes disso, quando a ciência tiver nos livrado da dependência da proteína animal, os nossos descendentes olhem para o passado e exclamem com indignação: “Como nossos ancestrais [inclusive nós, em pleno século 21] eram bárbaros!”

Saulo Alves de Oliveira

domingo, 13 de novembro de 2011

Filhos das estrelas



Imagem do Sol, a "nossa" estrela. O Sol tem cerca de 5 bilhões de anos e ainda "viverá" por mais 5 bilhões de anos.






Em um comentário anterior eu disse que nós somos “poeira das estrelas”, como afirmou o físico e astrônomo Marcelo Gleiser. Somos literalmente poeira das estrelas, pois os elementos químicos que compõem os nossos corpos foram todos produzidos em antigas estrelas que explodiram e arremessaram no espaço sideral enormes quantidades desses elementos, os quais alcançaram uma gigantesca nuvem de hidrogênio. E juntos, hidrogênio e outros elementos químicos, deram origem ao “nosso” Sol e à nossa Terra, que nos produziu e que é o lar de todos os seres vivos.

Para dar uma ideia melhor de como isso aconteceu, reproduzo a seguir um pequeno texto retirado do livro “Sinfonia das estrelas”, da astrofísica francesa Sylvie Vauclair, cujo título – Filhos das estrelas – tomei emprestado:  
Nosso corpo é feito de células vivas, constituídas por sua vez de aglomerados de moléculas muito complexas. As moléculas são o agrupamento de átomos, que compreendem cada um deles um núcleo atômico e os elétrons [os elétrons giram ao redor do núcleo]. Os núcleos atômicos são feitos de prótons e nêutrons, eles próprios compreendendo três quarks [cada próton e cada nêutron é formado por três quarks]. No estado atual de nossos conhecimentos, a hierarquia para neste nível. Não sabemos se os quarks são suscetíveis de divisão.

Os núcleos atômicos necessários a nossa existência não provêm do Universo primordial [o Universo nos seus instantes iniciais, logo após o Big Bang, a grande explosão que o originou]. Foi preciso que milhares e milhares de estrelas produzissem pacientemente, durante milhares de anos, o carbono e os outros elementos dos quais nosso corpo é constituído. Foi preciso em seguida que estes elementos, estes tijolos de base, ligassem-se entre si de uma maneira cada vez mais complexa para finalmente chegar ao que somos... e tal evolução não terminará conosco!

É que o formigueiro galáctico trabalha sem cessar. Assim que se forma uma estrela, depois do desabamento do gás interestelar, ela é estabilizada por sua pressão interna e adquire sua forma definitiva de esfera de gás incandescente [uma estrela começa a se formar quando uma descomunal nuvem de hidrogênio começa a implodir sob o peso da força gravitacional]. Contudo, ela continua a contrair-se lentamente, pois é o único meio que tem de equilibrar a energia que irradia – este é seu metabolismo! Ao mesmo tempo, sua temperatura interna cresce. Este período de juventude termina depois de alguns milhões de anos – um nada quando a duração de vida total da estrela é de 10 bilhões de anos! [o “nosso” Sol tem cerca de 5 bilhões de anos e ainda durará outros 5 bilhões de anos] É então que a estrela começa a realizar seu trabalho de formiga: sua temperatura central foi de fato suficiente para que se iniciassem as reações nucleares [que começam a transformar o hidrogênio em outros elementos].

O hidrogênio da estrela transforma-se de início em hélio, que se acresce àquele já presente desde o Universo primordial. Mais tarde, [as reações nucleares continuam e] o hélio transforma-se em carbono, azoto, oxigênio e em elementos cada vez mais pesados. Por fim, a estrela, exausta, explode se for muito densa ou, então, simplesmente se dissolve de novo no gás interestelar. No primeiro caso, sobrará no centro uma pequena estrela de nêutrons, muito densa, cujo potente campo magnético pode engendrar um pulsar. No segundo, restará uma pequena anã branca. Em todos os casos, uma grande parte da matéria que se encontrava na estrela primitiva acha-se misturada ao gás interestelar e vem alimentá-lo de elementos pesados. De lá nascerão novas estrelas que retomarão valorosamente a tocha!
Saulo Alves de Oliveira

Obs:
1 - As citações entre colchetes [ ] não são de responsabilidade da autora do livro.
2 - Se quiser ver uma imagem da formação de estrelas, sugiro clicar no link abaixo.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Cristãos versus cristãos

Um homem subiu no púlpito de uma igreja e começou a fazer um sermão. No início, humilde. Depois, a soberba subiu-lhe à cabeça. Alguns pregadores são tão exagerados em sua jactância que eles próprios se autoproclamam porta-vozes de Deus. É como se eles reproduzissem aqui na terra, tal qual um alto-falante, exatamente aquilo que Deus fala em um microfone celestial. É como se a verdade fosse exclusividade sua. E isso não é tão incomum. Já vi vários que tocam esse limite.

(Uma pessoa abre a Bíblia e lê um texto. Em seguida faz sua interpretação da passagem lida e depois afirma que “foi Deus quem falou”. O que mais me impressiona é que quem usa da fala no momento seguinte, logo após “o alto-falante” de Deus, muitas vezes confirma: “Acabamos de ouvir a voz de Deus”. Na realidade Deus não falou coisa alguma. Apenas um ser humano deu sua interpretação acerca de um determinado texto bíblico.)

Foi apenas um parêntese. Voltando ao pregador. Lá pelo meio da pregação, com certa ironia e arrogância, ele disse – com trejeitos na voz, os quais não posso reproduzir por escrito –, que “não interessa o que se prega nas outras igrejas, mas apenas o que se prega na nossa igreja – não vou citar o nome – ‘pentecostaaaaaaal!’” Como se sua igreja fosse a depositária de toda a verdade bíblica.

No entanto, ao contrário do que pensa aquele pregador, eu julgo que interessa – e muito – o que as outras igrejas ensinam, pois na divergência de doutrinas há um grave e seríssimo problema para o cristianismo, haja vista que todos dizem ter como fundamento a Bíblia. E o Espírito Santo como revelador de suas verdades. Não vou nem entrar no mérito da questão relativa aos judeus que não aceitam o Novo Testamento como Palavra de Deus.

Outro pregador, ao ser questionado acerca da grande quantidade de igrejas cristãs com doutrinas tão divergentes, disse que “essa é a maneira que Deus utiliza para fazer sua mensagem ser divulgada em todo o mundo”. Com essa resposta, ironizou ele, “calei a boca do meu inquiridor”. Bem, quem o inquiriu pode ter ficado satisfeito. Quanto a mim, não.

Certa vez eu ouvi um pregador americano afirmar que Deus tem poder absoluto sobre todas as coisas e a ninguém deve qualquer satisfação. Sendo assim, Ele decide diretamente todas as catástrofes e mortes que acontecem no mundo, ou seja, o momento e a forma como qualquer ser humano morre, independentemente do grau de crueldade envolvida, são determinações exclusivas de Deus. Depois eu ouvi um outro pregador afirmar que Deus nada tem a ver com as catástrofes e mortes que acontecem no mundo, pois tudo é conseqüência das escolhas e do pecado do homem. O ponto basilar da questão é que ambos sãos cristãos e usam a Bíblia para fundamentar suas afirmações. Por conseguinte, algo está profundamente errado, pois as duas afirmações são conflitantes.

Outro exemplo. Se você conversar com um teólogo de determinada igreja ele vai tentar lhe provar, obviamente com a Bíblia, que as pessoas têm o dever de guardar o sábado. Se você conversar com um teólogo de outra vertente ele vai tentar lhe provar, também com a Bíblia, que os cristãos não têm obrigação de guardar o sábado.  O ponto crítico dessa questão também é que ambos sãos cristãos e usam a Bíblia para fundamentar suas afirmações. Algo também está profundamente errado, pois as duas afirmações são contraditórias.

Não interessa, para os meus propósitos, o que eu penso acerca dos dois conflitos acima. A grande questão é a seguinte: se a Bíblia é a Palavra de Deus, a Carta Magna de Deus ao homem, que indica o caminho para chegar até Ele, por que há tanta divergência de interpretação?

Eu vou citar uns poucos exemplos que são motivo de interpretações totalmente diferentes por parte dos cristãos. Talvez alguns não sejam nem tão importantes, mas devido a minha sofrível capacidade intelectual cito-os apenas para dar uma idéia do que estou afirmando:

. A guarda do sábado
. A glossolalia, ou seja, o dom de falar em línguas desconhecidas
. A doutrina da prosperidade
. A ordenação de mulheres
. A predestinação (doutrina que diz que uma vez salvo, salvo para sempre)
. A criação literal
. A virgindade de Maria, mãe de Jesus
. A veneração aos santos
. O batismo com o Espírito Santo
. O batismo de crianças
. O batismo por aspersão ou imersão
. O celibato
. Os milagres [não] são para hoje
. O dízimo [não] é para os dias atuais
. Condenação eterna versus aniquilação.

Veja bem, o meu raciocínio é simples. Suponhamos que você necessitasse escrever uma carta para algumas pessoas dando-lhes as diretrizes para chegarem a um determinado lugar. O que você faria? Eu imagino que você faria a carta mais objetiva possível, de modo que todos pudessem entender claramente o caminho para chegar ao destino final sem o risco de se dirigirem a lugares diferentes. Por que Deus assim não o fez? Eu não tenho a resposta definitiva, apenas uma hipótese.

Mas o caminho é Jesus!, você acaba de exclamar. Obviamente se é um cristão. E complementou: Ele mesmo disse “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão for por mim”. Sim, porém muitos que dizem seguir Jesus o fazem de uma maneira totalmente diferente de outros que também alegam que estão seguindo Jesus, inclusive de um modo diferente de você.

Eu tenho uma teoria do porquê isso acontece. Teoria como hipótese, não teoria científica com evidências que a comprovam. Talvez as grandes divergências entre as várias correntes cristãs sejam uma forte evidência a favor da minha teoria. Entretanto me reservo o direito de não abordá-la, pois não quero correr o risco de ferir sensibilidades ou, talvez, tocar na fé de alguém.

No momento, quero apenas fazer uma provocação ao leitor para meditar no tema e tirar suas próprias conclusões, se for do seu interesse, porquanto para mim talvez esse seja o maior problema do cristianismo.

Saulo Alves de Oliveira