segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Profecias

Por Saulo Alves de Oliveira

Profecia 01
- Vai chover em 2022

Profecia 02
- Vai chover no Brasil em 2022

Profecia 03
- Vai chover no Rio Grande do Norte em 2022

Profecia 04
- Vai chover em Natal no próximo ano

Profecia 05
- Vai chover em Caicó no próximo ano

Profecia 06
- No dia 05 de setembro de 2022, fortes chuvas cairão sobre a cidade de Caicó. As chuvas terão início às 15:55 h e sua duração será de 13 horas e 35 minutos. A precipitação pluviométrica em todo o período será de exatos 92,3 mm. Com tal precipitação, o açude Itans transbordará durante 5 horas com uma lâmina d’água máxima de 50 cm sobre o seu vertedouro.

(Caso algum dado não corresponda a uma situação possível, registro o meu pedido de desculpas aos conhecedores da climatologia local. Trata-se apenas de uma situação hipotética.)

Considerando a possibilidade de verificação de cada detalhe e de ter o seu cumprimento confirmado ou não, qual, dentre as “profecias” acima, na sua opinião, pode receber a chancela de verdadeira profecia? Observe que, das seis supostas “profecias”, as cinco primeiras têm 100% de chance de ocorrer. Pelo que se conhece de climatologia, é absolutamente provável que em algum momento do próximo ano chova em algum lugar do mundo, do Brasil, do Rio Grande do Norte, de Natal ou mesmo de Caicó, apesar desta última se tratar de uma cidade muito quente e seca. Portanto, esse tipo de “profecia” não tem valor algum. A “profecia” que diz o óbvio, que tem vários desfechos possíveis, que se aplica a diversas situações ou igualmente a várias pessoas ou cujo cumprimento é algo natural e inevitável, isto é, acontecerá de qualquer forma, haja “profecia” ou não, não é uma profecia verdadeira, pois não é falseável.

A última previsão, todavia, pode ser considerada uma verdadeira profecia, visto que suas informações são objetivas e improváveis de acontecerem, em conjunto, naturalmente. Tais dados são passíveis de serem falseados e podem ser devidamente checados de forma objetiva no tempo estabelecido. Portanto, o profeta que os prever e acertá-los deve ter sua capacidade de previsão no mínimo considerada e estudada.

Dizer que uma profecia não é falseável é dizer que o profeta que faz a previsão do evento, ou eventos, não pode ter a sua honestidade intelectual examinada e confirmada ou não, haja vista que o acontecimento objeto da profecia ocorrerá de qualquer forma, ou seja, independentemente de qualquer suposta profecia, como é o caso, por exemplo, de “Vai chover no Brasil no próximo ano”. É impossível comprovarmos se se trata de um falso profeta ou não, pois, conforme o histórico da climatologia do país, o tal fenômeno de chuvas no Brasil no próximo ano é inevitável.

Observem, no entanto, a seguinte profecia: “No dia 07 de dezembro de 2022 haverá um terremoto no oceano Atlântico às 20:30 h de Brasília, o foco do abalo sísmico se dará a 15.000 metros de profundidade com epicentro nas coordenadas geográficas X e Y e atingirá 7,5 graus de magnitude na Escala Richter”. Essa é uma previsão falseável, visto que tal evento poderá acontecer ou não, pois terremotos são eventos aleatórios. Sendo assim, o profeta que predisser tal sismo, com esse nível de detalhes, e suas previsões se confirmarem, certamente merece crédito.

Durante muitos anos eu convivi ativamente em um meio no qual profetas e profecias eram muito comuns, todavia, infelizmente, a maioria genéricas e, subjetivas, aplicavam-se a diversas pessoas ou circunstâncias, tais como: “Tenho um grande trabalho para ti e, se me obedeceres, farei uma grande obra através das tuas mãos”, “Nuvens negras se aproximam desta Nação”, “Se atentares para a obediência, a tua vitória será grande”, “Há um grande futuro preparado para ti se continuares no caminho que teus pais te ensinaram”, “Te levarei para uma grande cidade, lá tu continuarás me servindo”, “A resposta à tua oração naquela madrugada no teu quarto é sim” ou, ainda, “Quando as águias que rastejam e passeiam pelo céu derrubarem os dois grandes chifres na poderosa cidade, surgirá no oriente uma fulgurante estrela de brilho intensamente amarelo, cujo esplendor, incomparável, 50 anos depois, cobrirá toda a Terra”, e por aí vai. Percebam quão genéricas são tais palavras.

(Certa vez uma famosa profeta, cuja reputação era das grandes no meio evangélico, consultada por muitos, e cuja residência era um centro de peregrinação de desesperados, disse para uma moribunda: “Eis que a tua cova já está aberta”. Se se tratasse de um familiar meu e eu estivesse presente, as minhas palavras seriam, no mínimo, e por educação, “Queira por favor se retirar desta casa”.)

O interessante é que muitas pessoas tomam para si tais palavras, e, se algo minimamente parecido acontecer, foi o cumprimento da profecia. Se nada acontecer, ninguém dá a menor importância. Ninguém sequer lembra da “profecia”. Mas, eu lembro.

Há muitos anos, ainda na minha adolescência nos anos 70, mais precisamente em julho de 1972, eu estava em uma reunião quando um famoso, à época, profeta – pelo que sei ainda é vivo, não sei se ainda é muito requisitado pelo seu dom das previsões proféticas –, se levantou e bradou: “Daqui a 180 dias a terra irá tremer”. É muito comum esse tipo de profecia de sentido dúbio. Se não for uma coisa, poderá se aplicar a outra.

Dizem que certa vez um grande imperador consultou um vidente acerca da sua próxima batalha. O vidente consultou os seus oráculos e então vaticinou: “Irás vencerás não morrerás na batalha”. O imperador, feliz, assim interpretou: “Irás. Vencerás. Não morrerás na batalha”.

Confiante nas palavras do vidente, o imperador foi à guerra e, no entanto, lá foi morto.

Ao regressarem à sua cidade, os generais do exército cobraram do vidente acerca da morte do soberano.

Disse o vidente: o meu prognóstico se cumpriu, o imperador é que não o entendeu. A profecia foi: “Irás. Vencerás? Não. Morrerás na batalha”.

Voltando ao caso da minha adolescência. Não sei se alguém teve o cuidado de tomar nota e ficar atento à profecia do conhecido profeta. Eu tive.

Fiz os cálculos e o fim dos 180 dias coincidia exatamente com o período de um grande evento que haveria na igreja em janeiro do ano seguinte. Tratava-se de uma Convenção Geral da denominação. Guardei comigo e aguardei.

Chegaram os dias da Convenção. Evento concluído. A terra literal não tremeu. Ainda bem que tremores de terra medianamente fortes em João Câmara, com repercussões em Natal, só ocorreram em 1986, portanto muito tempo depois. Certamente, se tivessem ocorrido naqueles dias, ou mesmo semanas antes ou depois da Convenção, seriam associados à profecia.

Nem mesmo a terra no sentido metafórico – o “coração” dos homens, onde se pode “plantar” coisas boas ou más, se é que se pode interpretar assim, lembram da Parábola do Semeador? –, ou ainda a Convenção em si “tremeram”, pois nada de extraordinário aconteceu. Apesar de muito jovem, eu trabalhei na organização do evento. Até onde sei, ninguém deu a menor importância ao fato, todavia eu o guardei para sempre.

Um outro episódio interessante aconteceu muito tempo depois.

No início de 2013, ao abrir o Facebook, me deparei com as seguintes palavras:
“Mensagem profética vinda de Deus para mim esta manhã:

A cidade de Natal passará por momentos de grandes dificuldades este ano, teremos reações por parte da natureza nunca vistas nesta cidade, o Sol desaparecerá e tortuosas chuvas cairão em que a cidade ficará deserta, a lama cobrirá a cidade e muitos prantearão, perderão seus bens, casas e famílias, empresas; pastores, líderes, mulheres de oração juntemos nossas vozes em clamor aos céus para Deus vir com misericórdia a nossa cidade, até o fim deste ano veremos isto acontecer. Essa foi a palavra que hoje recebi do Senhor.”
Não me sinto à vontade para divulgar o nome da profeta, portanto não o farei.

Pelas características das previsões – há informações objetivas que podem ser verificadas e confirmadas ou não no período e local objetos dos eventos –, não seria um equívoco, na minha avaliação, afirmar que tal mensagem pode ser considerada uma profecia, isto é, não é algo passível de acontecer naturalmente com 100% de probabilidade.

Diante da magnitude da previsão, fiz a seguinte consideração à profeta: “A mensagem que você está transmitindo é algo profundamente sério e de uma responsabilidade muito grande.”

Resposta: “Saulo, sei da responsabilidade deste árduo ministério, fique tranquilo, sei quem disse, apenas ore pela igreja.”

Não soube de mais alguém que tivesse o cuidado de acompanhar o desenrolar dos fatos. Eu tive. Anotei, guardei e aguardei. Era fevereiro de 2013.

Chegou 01 de janeiro de 2014 e nada do que foi previsto na mensagem “profética” acontecera.

Dias depois, eu publiquei a seguinte mensagem:

“Ano passado, mais precisamente no mês de fevereiro, uma pessoa, líder de uma igreja, publicou o seguinte comentário no Facebook:

(Reproduzi a mensagem já citada anteriormente)

Continuei: A minha percepção é de que nada do que foi profetizado aconteceu. Evidentemente, por respeito à pessoa, eu não vou divulgar o seu nome. Entretanto se, espontaneamente, ela quiser me enviar uma mensagem pessoal acerca do assunto, eu tenho o maior interesse em recebê-la e apreciaria muito ler suas justificativas, isto é, o que ela tem a dizer sobre o assunto.”

Infelizmente, não obtive resposta.

Em 2014, um pouco antes das eleições daquele ano, era o mês de agosto, a mesma pessoa também publicou no Facebook uma “profecia” acerca das eleições. Para não me alongar mais e me tornar cansativo, direi apenas que dentre as previsões estava “Renovarei em 90% os cargos de deputados federais e estaduais”. Anotei, guardei e aguardei.

Mais uma vez a “profecia” não se cumpriu.

Passadas as eleições, fiz mais um questionamento, citei a profecia e os resultados das eleições em percentuais, concluindo assim: “Como o meu objetivo não é criar dificuldades para ninguém, não citarei o nome da pessoa. Entretanto, se ela quiser me enviar uma mensagem pessoal com algum esclarecimento, eu muito apreciaria.”

Infelizmente, mais uma vez não obtive resposta.

E para concluir?

Não estou fazendo julgamentos quanto à possibilidade ou não de profecias, reais ou verdadeiras. Eu tenho um “arquivo”, de chave única, e tal chave, sem cópia, está sempre comigo ou à minha vista, portanto só eu tenho acesso ao arquivo. Nele, eu costumo guardar alguns temas mais complicados.

Tentei, valendo-me de alguns exemplos simples, baseados na minha experiência pessoal, mostrar parâmetros básicos que podem ser usados para determinar se a previsão de um pretenso profeta pode receber o carimbo de profecia ou é apenas um desejo – talvez de confortar um desesperado –, uma conjectura, um impulso emocional – talvez julgando-se porta-voz de Deus –, uma fantasia ou quem sabe apenas fanatismo.

Não sei se consegui.