Que obra magistral é o esqueleto de um mamífero! Não falo da beleza em si, embora eu ache que seja belo. Refiro-me ao fato de podermos falar em “o” esqueleto mamífero: o fato de uma coisa tão complexa e interligada ser tão esplendidamente diferente de um mamífero para outro, em todos as suas partes, e ao mesmo tempo tão obviamente a mesma coisa em todos os mamíferos.
(...) Vejamos o esqueleto de um morcego. Não é fascinante
que cada osso tenha sua contrapartida identificável no esqueleto humano? É
identificável graças à ordem em que se ligam uns aos outros. Só mudam as
proporções. As mãos do morcego são imensamente aumentadas (em relação ao
tamanho total do animal, obviamente), mas ninguém poderia deixar de notar a
correspondência entre nossos dedos e os longos ossos nas asas do morcego. A mão
humana e a mão do morcego obviamente são – nenhuma pessoa mentalmente sadia
poderia negar – duas versões de uma mesma coisa. O termo técnico para essa
semelhança é “homologia”.
A asa que o morcego usa para voar e a mão que usamos para
segurar são “homólogas”. As mãos do ancestral que humanos e morcegos têm em
comum, assim como o resto do esqueleto, furam puxadas, ou comprimidas, parte
por parte, em diferentes direções e em diferentes magnitudes, no decorrer das
diferentes linhas de descendentes.
Eis outro fato surpreendente. O casco do cavalo é homólogo à
unha do nosso dedo médio da mão (ou à unha do dedo médio do pé). O cavalo anda
na ponta dos pés de verdade, ao contrário de nós quando dizemos que andamos na
ponta dos pés. O cavalo perdeu quase por completo os outros dedos. Nesse
animal, os homólogos dos nossos dedos indicador e anular e seus equivalentes
nos membros posteriores sobrevivem como minúsculos ossos metacárpicos, ligados ao osso “canhão”, e ficam
invisíveis sob a pele. O osso canhão é homólogo ao nosso metacarpo médio, que
está sob a pele na nossa mão (ou do metatarso, sob a pele do pé).
As homologias, por exemplo, com nossos dedos médios, ou com
os do morcego, são totalmente claras. Ninguém poderia duvidar delas. E, como
que para reforçar ainda mais o argumento, às vezes nascem cavalos com uma
anomalia: três dedos em cada perna, o do meio servindo como um “pé” de cavalo
normal, e os dois laterais dotados de cascos em miniatura.
Os esqueletos de todos os mamíferos são idênticos, mas seus
ossos individuais diferem.
Por exemplo, o “osso da sua cabeça”, ou crânio, contém 28
ossos, a maioria unidos em rígidas “suturas”, mas com um osso móvel principal
(a mandíbula). E o fascinante é que, afora um ou outro osso ímpar aqui e ali, o
mesmo conjunto de 28 ossos, que claramente podem ser rotulados com os mesmos
nomes, é encontrado em todos os mamíferos.
Tudo isso é igual, independentemente do fato de as formas
dos ossos específicos diferirem muito entre os mamíferos.
O que concluímos de tudo isso? Restringimo-nos aqui a
animais modernos, portanto não estamos vendo a evolução em ação. Somos os
detetives, chegamos depois à cena do crime. E o padrão de semelhanças entre os
esqueletos de animais modernos é exatamente aquele que se deve esperar de
animais que descendem de um ancestral comum, alguns mais recentes do que
outros.
Richard Dawkins, em "O maior espetáculo da Terra"
Richard Dawkins, em "O maior espetáculo da Terra"