domingo, 21 de agosto de 2011

Um bicho no quarto do meu filho

Aconteceu talvez há uns vinte anos. Nós morávamos em um apartamento. Eu e a Sulanira ocupávamos um quarto. Nossos filhos, Sílvia e Vítor, com cerca de 10 e 6 anos, respectivamente, ocupavam um outro quarto. Acredito que o fato se deu mais ou menos às 21 horas.

O Vítor entrou no nosso quarto correndo e com uma expressão de terror no rosto. “Papai, um bicho! Um bicho papai no meu quarto! E ele está lá em cima, quando eu olho pra ele, ele se mexe!”, exclamou a criança desesperada.   

Pela sua expressão de pavor, quão grande foi o meu susto! Contudo fui ao seu quarto e nada vi. Depois tentei de todas as formas convencê-lo a voltar para sua cama, porém não teve acordo, nem se eu ficasse ao seu lado. Naquela noite, o Vítor dormiu conosco.

No entanto, depois do episódio, eu resolvi investigar. Na mesma noite me deitei na sua cama e fiquei na mesma posição em que ele estivera, isto é, deitado de costas, olhando para o teto e com a luz acesa. Passados alguns minutos, o “bicho” apareceu. É isso mesmo: eu também vi o “bicho”.

No dia seguinte, pela manhã, lhe perguntei: “Meu filho, você pode desenhar o que você viu?” “Sim”, disse ele. Dei-lhe papel e lápis e ele desenhou algo parecido com um anjinho com asinhas e pintou-o nas cores vermelha e azul. Era exatamente o que eu também havia visto na noite anterior. Portanto, estava descoberto o que lhe causara tanto pavor.

Interessante é que nesse mesmo dia, mais tarde no trabalho, a Sulanira contou a história e um dos seus colegas afirmou: “O seu filho deve ser médium e você precisa levá-lo a um centro espírita para desenvolver sua mediunidade”. Acontece que eu não acredito em mediunidade, nem em contato com os mortos, e não vou citar versículos da Bíblia para apoiar o meu ceticismo. Eu não acredito porque até hoje não foi feita nenhuma experiência científica, por grupos diferentes de cientistas independentes e sem interesse no tema, que comprovasse, cientificamente, esses supostos fenômenos. Para mim ou está no campo das crendices populares ou se origina em episódios mal explicados na infância ou é charlatanice braba, apesar de, às vezes, levar consolo aos que sofrem a perda de entes queridos.

(Quanto a mim, prefiro uma verdade dura que mostra a realidade, muitas vezes difícil de superar, ao invés de uma mentira que consola, e é dessa forma que eu vejo a mediunidade.)

Mas, voltando ao “bicho” no quarto. O que realmente aconteceu? O Vítor estava deitado em sua cama e olhava para uma lâmpada incandescente no teto que estava acesa. Em virtude da instalação recente de um aparelho de ar condicionado, alguns fios estavam expostos na caixa de luz no teto e passavam na frente da lâmpada, e isso ajudou a reforçar a ilusão de ótica, ou seja, a formar o anjinho com asinhas colorido. O fato dele piscar os olhos também contribuiu para a formação de imagens sobre imagens.

Ao desviar o olhar para outro ponto, ele continuava vendo o clarão da luz por alguns décimos de segundo. E o interessante é que mudando logo em seguida o foco da visão, dava a impressão de que o “bicho” se deslocava. Você pode fazer essa mesma experiência, mas sugiro que a faça com uma lâmpada incandescente com vidro transparente.

Na realidade o que aconteceu foi um fenômeno chamado persistência retiniana. O olho humano retém a imagem que se forma na retina por alguns décimos de segundo a mais, mesmo após o clarão que a provocou haver desaparecido. Essa peculiaridade do sistema ótico humano, capaz de reter a imagem por esse pequeno lapso de tempo, é conhecida como persistência da visão ou persistência retiniana. Portanto, nada tinha a ver com o sobrenatural ou paranormalidade.   

Na noite seguinte eu disse ao meu filho: “Vítor, vou explicar a você o que aconteceu”. Fi-lo deitar-se na cama, olhar para a lâmpada acesa por alguns segundos e deslocar a visão para outro ponto. Expliquei-lhe – ao nível que ele poderia entender –, que se tratava de uma ilusão de ótica e que não havia bicho algum. Na mesma noite ele dormiu no seu quarto e nunca mais viu o tal “bicho”.

Se não tivéssemos sido sensatos e racionais, talvez hoje o Vítor fosse um adulto assombrado por perturbações que surgem na infância e que, incentivadas por pessoas que a quase tudo misticizam, acompanham o indivíduo durante toda a vida.  

Para concluir, quero dizer que contei essa pequena história simplesmente para fazer a seguinte sugestão: ao ver, ouvir ou sentir algo que pareça estranho, nunca admita “a priori” o sobrenatural, procure sempre em primeiro lugar uma explicação física, que é a ciência das coisas naturais. Muitas vezes a explicação é simples e natural, e está ali, bem pertinho da gente, a um palmo do nosso nariz. Evidentemente, não sou tão ingênuo ao ponto de achar que todos os casos são tão simples como o “bicho” no quarto do meu filho, mas a regra, como princípio, é válida para quaisquer situações.     

Saulo Alves de Oliveira