quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Quase morri, literalmente

Eu a conhecia há muito tempo. Desde os meus 16 anos. Lá se vão, portanto, algumas décadas. Acho que ela era mais velha do que eu um ou dois anos. Era uma jovem simples, meiga, educada e um pouco tímida.

Éramos amigos, seu namorado e eu. Ele, um pouco mais velho, mas nos dávamos muito bem.

Essa relação de amizade me deu a oportunidade de desfrutar bons momentos com sua família na lagoa do Bonfim nos carnavais, se não me engano, dos anos 73, 74 e 75. Conheci seus pais e todos os seus irmãos e irmãs.

Algum tempo depois, os dois se casaram, e eu também. A partir daí, nos afastamos um pouco e nossa amizade não foi mais a mesma. Eram só encontros muito casuais na igreja. Porém eu os acompanhava de longe.

Certo dia me chegou uma notícia muito triste e chocante. Ela havia se suicidado. Enforcara-se. E o que mais me impressionou: com as cordas do punho de uma rede, e sentada na cama.

Aquela notícia ficou repercutindo na minha mente durante alguns dias. Como pode uma pessoa se enforcar com os cordões do punho de uma rede?, perguntava-me.

Dias depois resolvi fazer uma experiência que poderia ter sido fatal. Se tivesse dado “certo” eu não estaria contando essa história hoje. Bastaria apenas que eu estivesse sozinho ou que todos os meus familiares estivessem na cozinha da minha casa.

Naquela época eu ainda trabalhava em Recife e passava apenas os finais de semana em casa.

Normalmente as manhãs de sábado eram reservadas para resolver algum problema em casa ou para fazer compras no comércio, já que de segunda à sexta toda minha rotina era em Recife.

Eu já estava pronto para sair. Sulanira ainda estava no banheiro dando os últimos retoques na maquiagem. Meus filhos e um casal de “secretários” que nos ajudava naquela época estavam na cozinha tomando o café.

De repente me chamou a atenção uma rede que tínhamos em nosso quarto. Ainda hoje fazemos uso de tal artefato. Então, naquele exato momento, resolvi fazer uma experiência para testar o quanto seria possível uma pessoa enforcar-se com os cordões do punho de uma rede. Como já disse: poderia ter sido uma experiência sem volta.

Fiquei de pé junto à parede, de costas para esta, dividi os cordões em duas partes e passei a cabeça pelo meio. Em seguida dei uma volta com os cordões no pescoço. Forcei um pouco para baixo e senti uma leve sensação de estrangulamento com pressão no pescoço e cabeça. A partir daí não me lembro de mais nada. Apaguei completamente.

Com a pressão nas artérias do pescoço, a circulação de sangue para o cérebro diminuiu e assim perdi totalmente os sentidos. Então, sem consciência, comecei a me debater, não sei por quanto tempo, se segundos ou minutos. E, evidentemente, não conseguia folgar os cordões.

Mesmo inconsciente, é muito provável que fiz algum barulho. Talvez emiti algum som gutural ou mesmo os sons característicos de um corpo se debatendo. Sulanira deve ter escutado alguma coisa. Quando se virou para ver do que se tratava, presenciou um espetáculo assustador. Eu estava morrendo enforcado de pé no nosso quarto preso ao punho da rede em que eu ou ela costumávamos dormir.

Imediatamente ela gritou e correu para me socorrer e logo todos de casa chegaram. Conseguiu folgar os cordões e eu recuperei os sentidos.

Meio sem graça e ainda tentando entender o que estava acontecendo, me sentei na cama e disse: Calma pessoal, está tudo bem! Na realidade, eu poderia ter morrido naquele momento. 

Além do transtorno e da tristeza de toda a minha família, até hoje perduraria a dúvida dos familiares e amigos: Por que Saulo se matou? Nenhum bilhete. Nenhum indício de tristeza ou depressão nos dias anteriores. Tudo estava bem. O que as pessoas poderiam insinuar? Não havia motivo algum para uma atitude tão drástica como o suicídio. Eu não passava por nenhum problema que pudesse me levar a um ato tão desesperador.

Felizmente o único transtorno pessoal foi uma leve hemorragia nos olhos, característica das tentativas de suicídio por enforcamento. Fui de imediato à emergência de um hospital e, na segunda-feira seguinte, ao oftalmologista. Nada de mais grave. Tudo estava bem. Alguns dias depois, os olhos voltaram ao normal.

O único constrangimento foi contar a história aos médicos sem saber se eles acreditavam ou não. Talvez pensassem que estavam diante de um potencial assassino de si próprio.

Do episódio, ficou uma grande lição, para mim e para todos. Jamais devemos fazer qualquer coisa potencialmente perigosa, isto é, com qualquer possibilidade de risco,  sem o acompanhamento de outra pessoa adulta e, de preferência, que tenha uma boa cabeça.

Concluindo, sua morte me chocou profundamente e, de forma indireta, quase me fez seguir o mesmo caminho. Não intencionalmente, é óbvio. 

Saulo Alves de Oliveira