domingo, 12 de junho de 2011

Como Deus pôde matar mulheres e crianças?

Esqueletos de mulheres e crianças em igreja de Ruanda, África, após genocídio de 1994 - Fonte: tropicos.estadao.com.br

Certo dia eu estava vendo alguns vídeos no YouTube quando me deparei com o seguinte título: “Como Deus pôde matar mulheres e crianças?” O tema me interessou. Tratava-se do vídeo de um senhor de nome John Piper, pastor e escritor da Igreja Batista Reformada, da cidade de Minneapolis, EUA, que respondia a esta pergunta. Para melhor compreensão do comentário que faço a seguir, sugiro dar uma olhada no vídeo. É bem curto, menos de 6 minutos. Basta clicar no link abaixo.

Confesso que nunca tinha ouvido alguém dar uma resposta tão objetiva e sem rodeios acerca desse tema. Pelo menos essa virtude eu credito ao Sr. John Piper. Ele parece acreditar realmente no que afirma.

Para quem não assistiu ao vídeo, eu resumo assim as palavras do Sr. John Piper: “Deus dá a vida a seres humanos e a tira a seu talante (permito-me utilizar uma palavra pouco conhecida em virtude do impacto da afirmação – talante quer dizer arbítrio, bel-prazer), isto é, quando e da forma que Ele quiser, não importando o grau de sofrimento ou de crueldade envolvidos na morte de qualquer pessoa, do recém-nascido ao ancião.”

Em outro vídeo intitulado “Deus predeterminou cada pequeno detalhe do universo, inclusive o pecado?” – sugiro assistí-lo –, ele firma que cada pequena partícula de poeira que paira no ar todas as manhãs em seu quarto e que ele vê nos raios de sol que penetram através da sua janela em certas épocas do ano, está ali exatamente pela ordenação de Deus. Isso corrobora perfeitamente com a questão das mortes a seu talante. Essa é certamente uma grande arma nas mãos dos céticos, aliás, não apenas uma arma, é um poderoso canhão.

Durante vários dias eu pensei a respeito do que ouvira. Algo me incomodava. Não havia como não perguntar: “como seriam essas decisões no céu no tocante àqueles que deveriam morrer? Quando, quantos e como?” Então vieram à minha mente algumas situações imaginárias. Logicamente eu não sei como as coisas acontecem no céu, mas poderia ser algo parecido com o que descrevo a seguir.

Estamos no início do mês de setembro de 2001. Deus reúne-se com os anjos da primeira hierarquia para decidir quem deverá morrer naquele mês. Entre todos os que se apresentam, o anjo-chefe da morte é o primeiro a perguntar: “Senhor, quais são as minhas tarefas para o dia 11 deste mês?”

Dentre as várias tarefas ordenadas pelo Senhor, está a seguinte: “Faça alguns homens projetarem dois aviões contra o World Trade Center, em Nova York, EUA. O ataque deverá causar o desmoronamento das duas torres, pois naquele dia eu resolvi matar 2.819 pessoas. Elas serão queimadas e algumas feitas em pedacinhos devido às explosões dos aviões, inclusive os sequestradores. Muitas deverão ficar irreconhecíveis ou jamais deverão ser encontradas, de modo tal que seus parentes sequer tenham a oportunidade de dar-lhes um funeral digno como é comum aos humanos mortos." Continua o Senhor: "Ah, eu também quero que algumas pessoas fiquem presas sob os escombros e que nem ao menos consigam se mexer, sufocadas com a poeira e os gases, e que permaneçam assim durante horas ou dias, até morrerem lentamente, asfixiadas e com fortes dores.” Todos os que serão mortos são citados nominalmente.

“Quanto aos que constam desta outra relação, escaparão com vida, porém devem perder pernas ou  braços ou ficar com outras sequelas pelo resto das suas vidas.”

No dia 07 de fevereiro de 2007, mais uma reunião. Dessa vez o Senhor diz ao anjo-chefe da morte: “Vá ao Brasil, num subúrbio do Rio de Janeiro, e faça o assaltante Fulano do Mal, com outros dois comparsas, tentar assaltar a mãe do menino Escolhido, de apenas 6 anos.”

Escute bem: “Um dos assaltantes deverá arrancar com o veículo em alta velocidade tendo o garoto preso ao cinto de segurança pelo lado de fora do carro. O garoto deverá ser arrastado por sete quilômetros e pedaços do seu pequeno corpo deverão ser arrancados pelo choque com o asfalto. Ao final do trajeto, o corpo do menino deverá estar totalmente irreconhecível.” No momento em que escrevo estas palavras não consigo conter as lágrimas, pois sou pai e avô e, mesmo sem ter vivenciado a dimensão da tragédia, da qual só quem pode expressar o real significado é quem a viveu, tento imaginar o quanto devem ter sofrido o inocente Escolhido e seus pais.

E o que aconteceu na região serrana do estado do Rio de Janeiro, no início deste ano! Foram centenas de mortos e desaparecidos. Teria sido também o resultado de uma reunião no céu? Tocou-lhes o sofrimento de um homem soterrado sob metros de escombros, porém, felizmente, resgatado? Certamente ele não estava na relação dos que deveriam morrer naquele dia. E os que não tiveram a mesma sorte? Não vou relatar mais sofrimentos.

Ao longo de toda a história da humanidade a morte tem sido um processo muito doloroso e cruel para muitas pessoas, animais humanos como eu e você, inclusive crianças inocentes. Muitos sofrem dores excruciantes e por longos períodos. Meu sogro morreu aos 91 anos de idade. Certa vez, nos seus últimos dias de vida, ele me disse: “Eu não sabia que para morrer precisava sofrer tanto.”

Eu poderia descrever diversos outros casos iguais aos relatados acima ou piores. Entretanto, não sinto prazer em fazê-lo, pois não tenho um caráter mórbido. Fiz alusão apenas a três casos somente para enfatizar o absurdo moral apresentado pelo Sr. John Piper.

Centenas de crianças são atingidas pelo intenso bombardeio na Faixa de Gaza - Fonte: www.atarde.com.br
Ele faz a seguinte afirmação: “Agora, adicione a isso o fato de que somos todos pecadores e de que merecemos morrer e ir para o inferno imediatamente...” Engana-se John Piper, crianças inocentes não são pecadoras nem merecem ir para o inferno, quaisquer que tenham sido os pecados cometidos por seus ancestrais, mesmo no mais longínquo passado.

Se Deus conhece todas as coisas, passado, presente e futuro, qual o sentido de trazer pessoas à vida para depois torturá-las com mortes terríveis? É só por conta da sua soberania? E como fica a questão da sua moralidade? Nada, nada mesmo, justifica o martírio cruel de vidas humanas. Desculpem a redundância, pois não há martírio não cruel.

O Deus apresentado por John Piper mais parece um ser tirano e sanguinário que se compraz em torturar seres humanos, inclusive inocentes. Talvez uma leitura fundamentalista do Velho Testamento leve a essa conclusão, com a qual eu não tenho a menor identificação.

Se você fizer uma associação deste texto com a segunda postagem deste blog – A resposta que não é A Resposta –, especialmente os três primeiros parágrafos, é provável que você compreenda melhor a distância que me separa do pensamento do Sr. John Piper.  

Na versão original deste texto não era este o seu final. Deixei-o de incluí-lo por sugestão da minha esposa e para não correr o risco de ser incompreendido. Talvez seja uma fraqueza da minha parte. Mas sou um crítico ferrenho dessa visão de John Piper.

Vou deixar o leitor como alguém que fez uma longa caminhada sob um sol escaldante e ao final sente bastante sede. Você chega a uma casa e pede água para beber. Alguém lhe traz um copo d’água. Você toma um primeiro gole e percebe que o precioso líquido está exatamente naquela temperatura ideal para saciar-lhe a sede, nem natural nem muito gelado. Ao fazer o comentário “que água gostosa,” alguém bate involuntariamente no copo e o derruba e esta era a última água da geladeira. Desculpem a brincadeira. É que eu quis terminar um assunto tão sério com um pouco de humor.

Não quero dizer, porém, que a minha água seja tão fresquinha, talvez esteja mais para morna. Minha insensatez não chega a tanto.

Caberá ao leitor analisar e tirar suas próprias conclusões.

Saulo Alves de Oliveira