quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Descalço

Por Saulo Alves de Oliveira

Normalmente em casa eu estou sempre descalço. Passo o dia com os pés literalmente no chão.

Semana passada eu tive de sair para resolver algumas coisas. Precisava ir a uma grande loja de material elétrico e ao Banco do Brasil.

Tomei um banho, me vesti e desci para a garagem. Entrei no carro, dei a partida e saí.

Cheguei ao estacionamento da loja e lá parei.

Desliguei o motor e instintivamente fiz os movimentos característicos de quem pretende sair do carro. Abri a porta, comecei a girar o corpo à esquerda e, ao tentar colocar os pés para fora, percebi que estava descalço. Aí rapidamente pensei: a sandália deve estar na frente do banco do passageiro. Às vezes eu vou até a garagem com os sapatos nas mãos, coloco-os nesse lugar e só os calço ao chegar ao destino. No entanto, dessa vez não foi isso que aconteceu. Eu havia esquecido as sandálias em casa. Estava descalço.

Então me veio a dúvida: o que fazer? Voltar para casa e pegar as sandálias? Não, assim vou perder tempo. Desci do carro, andei pelo estacionamento até a loja e entrei descalço. Caminhei por toda a loja e comprei o que precisava. Parece que ninguém percebeu. Pelo menos, eu acho.

Porém eu também precisava ir ao Banco pegar algum dinheiro. O que fazer? Pensei: vou adotar a mesma solução.

E assim o fiz. Caminhei pela sala de autoatendimento do Banco, resolvi o que precisava e voltei ao carro. Mais uma vez, parece que ninguém percebeu. Voltei para casa.

Foi uma situação inédita. Nunca tinha passado por essa experiência.

Em outras áreas da vida casos semelhantes também acontecem. Não são raros os momentos em que a vida nos coloca frente a frente a situações complicadas, por vezes inéditas, e nós temos de tomar decisões rápidas para evitar prejuízos. Quem dera fossem todas elas como o simples caminhar descalço em locais onde normalmente isso não se faz visto que a cultura do lugar de certa forma não recomenda!

Lamentavelmente, nem sempre é assim. Ou melhor, quase nunca é assim.

sábado, 26 de novembro de 2022

O Pai Nosso ou a Ave Maria?

Por Saulo Alves de Oliveira

Em sua opinião, as escolas públicas brasileiras deveriam começar suas atividades diárias com uma oração?

Se a resposta for não, por quê não?

Se sim, acho que cabem outras perguntas, ou não?

Qual deveria ser a oração?

O Pai Nosso ou a Ave Maria?

O Salmo 23 ou a Salve Rainha?

Quem sabe um pequeno trecho de uma surata, não é?

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Foi “X”?

Por Saulo Alves de Oliveira

- Você viu a notícia sobre "Y" que foi publicada nas redes sociais?

- Não, mas quem a publicou?

- Foi "X".

- Bom, se foi "X" não a tome de imediato como uma verdade. Pode ser verdadeira ou pode ser falsa. Pesquise antes de acreditar e compartilhar. Se vem de "X", eu costumo ficar, como se diz popularmente, sempre com um pé atrás.

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Vai, vende tudo o que tens...

Por Saulo Alves de Oliveira

Como seria tratada hoje uma pessoa que ousasse dizer aos ricos: "Vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres...?"

Não tenho a menor das menores dúvidas de que ouviria gritos de "comunista, comunista... vai pra Cuba, comunista".

Essas palavras são inéditas? Não. Alguém já ousou recomendar tal atitude a um rico? Sim. Há quase 2 mil anos um certo galileu "comunista" fez exatamente isso ao aconselhar um jovem muito rico. Todavia, o jovem rico, ao ouvir tais palavras, retirou-se triste porque possuía muitos bens. E o outro jovem, que nasceu pobre, viveu entre os pobres, morreu pobre, o galileu “comunista”, pagou caro, certamente por essas e outras palavras. Foi preso (“Você votaria num ex-presidiário?”); torturado ("Eu sou favorável à tortura, tu sabes disso!"); e assassinado ("Minha especialidade é matar").

O que diriam alguns líderes religiosos dos nossos dias - bispos, apóstolos, pastores, missionários -, riquíssimos, se fossem confrontados pelo galileu com essas palavras? (A grande ironia é que alguns ficaram tão ricos recebendo - ou seria tirando? - dos pobres!) Na realidade, sempre que leem os Evangelhos eles são admoestados, pois lá estão as palavras do galileu; e já que eles mesmos pregam que a Bíblia é a Palavra Viva de Deus, é como se o próprio galileu lhes dissesse Vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres...”.

E o galileu complicou ainda mais a situação ao afirmar: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.

Dão eles ouvidos a tais palavras? Eles fazem isso? Alguém sobre a face da Terra já fez isso? Ou esse texto não é mais para os nossos dias? Pela atitude deles, parece que não! Talvez prefiram gritar “comunista, comunista... vai pra Cuba, comunista” ou - melhor? - Venezuela!    

Ou então, como diriam alguns estudiosos quando confrontados com algo que lhes incomoda: “No original grego não é bem assim. Não era exatamente isso que o galileu queria dizer.”

Camelo não é camelo? Agulha não é agulha?

Bom, se no original grego não é bem assim, isto quer dizer que somente a Bíblia no original grego é a Palavra de Deus em plenitude? E a Bíblia em português, ou outro idioma, não é a Palavra de Deus?

Talvez o melhor fosse admitir “Não dá para seguir ao pé da letra tudo o que o galileu ‘comunista’ ensinou”.

Ou então, reúnam-se os mais respeitados estudiosos de todas as vertentes do cristianismo, doutores em Bíblia, teólogos, exegetas, tradutores, profundos conhecedores dos idiomas grego, hebraico, aramaico e produzam uma Bíblia em português - para leigos como eu - à qual se possa atribuir o selo definitivo de a verdadeira “Palavra de Deus”.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Triste e decepcionado? Sim, mas...

Por Saulo Alves de Oliveira

Se alguém me dissesse há 30 anos ou mais que Aritnem ou Eduarf divulgariam, sem o menor escrúpulo, mentiras nas redes sociais, particularmente numa rede então não imaginada nem mesmo em sonhos, conhecida hoje como Facebook, eu diria “Impossível, pois são pessoas comprometidas com a, e pregam em favor da, verdade”, às quais eu dedicava enorme respeito e as tinha em alta conta.

Infelizmente, e com muita tristeza e decepção, eu descobri que aquela suposta profecia seria verdadeira.

Eu jamais imaginei - mesmo nos momentos das maiores dúvidas sobre o caráter de alguém - que crentes, com quem eu convivi de uma forma tão próxima, pudessem um dia divulgar - talvez por ódio (?) - tanta mentira na internet. Portanto, hoje me pergunto “Será que tudo que em tempos passados Aritnem ou Eduarf me falaram, e até ensinaram, era verdade?” Se eles descobrissem algo que contrariasse um ponto doutrinal básico da fé eles contariam aos seus discípulos ou manteriam a verdade escondida e o engano nas mentes e corações?

Observação: não estou generalizando.

Uma das táticas das mentiras ou fraudes é a seguinte: um mau-caráter pega um vídeo e faz uma edição falsa. Corta trechos e une a parte anterior à posterior, mudando totalmente o sentido do que a pessoa havia falado. Distorce, assim, totalmente a fala da vítima da fraude.

Por exemplo. Suponhamos a seguinte frase “Crianças devem ser orientadas a NÃO falar com pessoas estranhas a fim de NÃO serem vítimas de pedófilos”.

A afirmação mudará totalmente o sentido se o advérbio de negação “não” for cortado e se tornará uma frase não apenas falsa como também criminosa, ou seja, “Crianças devem ser orientadas a falar com pessoas estranhas a fim de serem vítimas de pedófilos”.

Foi exatamente isso que fizeram com o discurso de um certo político e alguns crentes, sem o menor constrangimento, divulgaram no Facebook. Em um dos casos eu adverti uma pessoa que compartilhou a postagem e disse-lhe que o vídeo fora totalmente manipulado e editado maldosamente, algo bem perceptível a qualquer mente mediana. Como o meu amigo, de forma inacreditável, não se deu por convencido tive o cuidado de postar o vídeo original sem os cortes e ainda assim, pasmem!, ele insistiu em manter o vídeo falso, sem a menor preocupação quanto ao fato de prejudicar conscientemente a imagem ou reputação de alguém.

Outra tática condenável consiste em diminuir a velocidade do vídeo para dar a impressão de que a vítima está falando embriagada. Intenção: desqualificá-la. Eu vi um caso assim e questionei o divulgador da fraude, sem sucesso, lamentavelmente. Em vez da retratação ou retirada do vídeo, tive um retorno agressivo porque afirmara que aquela era uma atitude inescrupulosa. E certamente perdi uma amizade.

Mais uma: pinça-se parte de uma frase ou de um comentário, sem mostrar o início e/ou o fim da frase, bem como o contexto da fala.

Por exemplo. Suponhamos que eu estou falando sobre os maus políticos e faço a seguinte afirmação “Para políticos oportunistas, os pobres não têm valor algum, só servem mesmo para votar”.

Suprimindo-se o início da frase, a afirmação ficará assim “Os pobres não têm valor algum, só servem mesmo para votar”. Aí divulga-se essa adulteração e alguém compartilha maldosamente. Ingenuidade? Não creio, pois trata-se de pessoas capazes de discernir entre o mal e o bem.

Certa vez eu questionei um “servo” de Deus (?) acerca de uma postagem falsa que ele havia divulgado no Facebook. Resposta do “servo” de Deus (?): “Eu sei que é falsa, mas faço intencionalmente”.

Essa é outra tática, divulgar notícias ou informações falsas sem o mínimo de dignidade moral. Sem a menor preocupação em checar previamente sua veracidade. Mancha a honra do meu desafeto? Às favas todos os escrúpulos! Jogue-se nas redes sociais. E algumas pessoas ficam chateadas quando as questionamos. Para certos indivíduos, o fato de não gostar de alguém lhes dá o direito de divulgar as tais “fake news” sem o menor constrangimento.

Certa vez um conhecido pastor divulgou a seguinte notícia:

VEJA ESSA ENTREVISTA. O PADRE DIZ QUE LULA TEM 249 MILHÕES DE EUROS, DEPOSITADOS, NO BANCO DO VATICANO! Mais de 01 bilhão de reais! Será que esse padre está mentindo? Lula , o socialista ! O “homem mais honesto”! Como pode ? Salário de presidente não dá para tanto!! Mas querem “Lula livre”! Para continuar “o serviço”? (sic)

Diante disso, eu fiz o comentário abaixo:

Lamentavelmente, tenho a impressão que o senhor não tem nenhuma preocupação em checar a veracidade de notícias negativas relacionadas ao Lula antes de publicá-las. Não é a primeira vez que isso acontece. Todavia, não foi assim que o senhor me ensinou nas... ou nos bancos da Escola Dominical. Tenho observado comportamento semelhante em vários crentes, no entanto, mesmo sabendo que o senhor tem total aversão ao Lula, jamais pensei que veria esse comportamento de sua parte. Vejo com naturalidade o fato de muitos crentes não gostarem do Lula, talvez até o odiarem, mas acho que a atitude cristã deve ser combatê-lo e denunciá-lo, e ao PT, se for necessário, com notícias verdadeiras.

Concluí o comentário postando o desmentido do boato:

Lula tem 243 milhões de Euros em Banco do Vaticano #boato (boatos.org)

O pastor fez então uma réplica afirmando que “...não tenho aversão ao Lula. Tenho aversão ao seu caráter desonesto e corrupto. Começou prometendo acabar com a corrupção, com ética e punição aos corruptos”. E, depois de outras acusações contra o ex-presidente, concluiu: “Quanto a falsa reportagem sobre o que ele teria no Banco do Vaticano, de fato , mais uma vez, imaginei que fosse verdade , pela “reportagem “ divulgada . Nesse caso , vc está certo. Eu errei. Agradeço , pois preciso visitar esses sites de checagem de notícias falsas antes de compartilhar. Obrigado .” (sic)

Lamentavelmente, depois de alguns anos, apesar de reconhecer o erro, a postagem continua em sua página no Facebook e os seus seguidores certamente ainda hoje não sabem que a notícia era falsa.

E o que mais decepciona: não foi apenas uma vez que esse pastor divulgou mentiras no Facebook.

Onde está o tão ensinado “sim, sim; não, não”?

Em outra publicação falsa que alegava, com base em uma revista Forbes “fake”, ser o Lula possuidor de uma fortuna de 2 bilhões de dólares (mais de 10 bilhões de reais em valores atuais), ao ser questionado sobre tratar-se de uma “fake news”, ele respondeu:

O site que vc cita fala em 4 bilhões . A notícia fala em 2 bilhões ! Realmente, de vez em quando falho em postar notícias. Mas qual das duas é falsa? A de 2 ou a de 4 bilhões? Posso excluir. É pedir desculpas .’ Apenas quero saber qual a falsa. (sic)

Também postei o link com o desmentido da farsa.

Mais uma vez, lamentavelmente, a postagem continua no Facebook há anos, sem pedido de desculpas e com 632 compartilhamentos.

Há algo que não está propriamente relacionado ao tema, todavia mostra o caráter de uma pessoa que se diz seguidora de Cristo e que está aguardando a sua volta. E olha que tem certeza que subirá (?!).

No início da pandemia da Covid-19 havia comentários, não provados, de que o vírus causador da doença poderia ter sido criado e espalhado propositalmente pela China. Leiam abaixo a oração de um certo pastor, um exemplo de - falta de - amor ao próximo (?):

"Meu Deus, oro para que todos os vírus (Covid-19) sejam recolhidos de todo o mundo e sejam colocados sobre os oitenta milhões de chineses do partido comunista chinês."

Parece mentira, mas não é.

Li estarrecido.

Acreditem, essa é a postagem-oração, literal, apenas com algumas correções de português, de um pastor da Igreja Batista, publicada no Facebook.

Não se trata de um jovem pastor imaturo e levado pelos impulsos irrefletidos da juventude. Não! Absolutamente não!

Trata-se de um ancião com seus setenta e poucos anos, já com décadas de pastorado e aconselhamento. Acreditem: aconselhamento!

Imagino que você já sabe quem é o candidato à presidência da República dos pastores referidos acima e dos crentes relacionados aos exemplos citados.

Essas práticas não envolvem apenas pessoas de baixa formação intelectual. Inclui pessoas com formação superior, tanto secular quanto religiosa. Lamentavelmente, inclui até pastores e líderes religiosos.

Particularmente para mim, que fui criado num ambiente cristão evangélico, onde inúmeras vezes ouvi sobre dizer sempre a verdade, sobre a honestidade, o amor ao próximo e não difamar, é algo muito triste e decepcionante, pois convivi com algumas dessas pessoas e sempre as tive em alta conta, e como exemplo. No entanto, descobri que escrúpulos para tais pessoas não têm o menor valor. Talvez, quem sabe!, durante muito tempo eu fui enganado. É possível que elas sempre foram assim e eu não percebi. Ou então o ódio tomou conta dos seus corações e mentes ao longo do tempo.

Interessante é que pessoas assim afirmam que votam em quem votam por “princípios e valores”.

Portanto, não poderia estar de outra forma: triste e decepcionado, porém consciente das minhas decisões.

É por essa e outras razões que afirmo mais uma vez: descobri há algum tempo que era hora de partir.

Não poderia mais compartilhar a mesma mesa com tais seres humanos.

domingo, 16 de outubro de 2022

E se Jesus e Barrabás fossem dois brasileiros?

Por Saulo Alves de Oliveira

Suponhamos que Jesus e Barrabás são dois brasileiros dos nossos dias. Suponhamos também que todos os cristãos evangélicos do Brasil estão reunidos numa gigantesca praça para assistir e opinar no julgamento do primeiro.

Cada grupo de cristãos, sob o comando de líderes religiosos, ocupa um determinado local da praça. Há centenas de milhares de líderes religiosos que orientam e influenciam seus grupos acerca das decisões a serem tomadas.

O Pilatos brasileiro apresenta os dois presos e faz a seguinte pergunta à descomunal plateia:

“Qual destes vocês querem que eu solte, Jesus ou Barrabás?”

Na sua opinião, quantos diriam Jesus? Dentre as alternativas abaixo, assinale a resposta correta.

a)    Todos

b)    A maioria

c)    A minoria

d)    Apenas alguns poucos

e) Nenhuma resposta correta.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Realidade que inquieta a alma

Por Saulo Alves de Oliveira

Recentemente eu assisti a um comentário sobre um famoso ator de Hollywood. Ele é cristão evangélico. Fez e faz muito sucesso. Tem uma fortuna de cerca de 1 bilhão de reais. Segundo o ator, tudo o que ele tem foi pela graça de Deus que alcançou.

Ouvir ou ver certas coisas sempre me inquieta a alma e me faz refletir. 

Sendo assim, eu fiquei pensando naquele irmãozinho muito pobre, que mora numa casa bem humilde, lá na periferia da periferia, e o que ganha não dá nem sequer para oferecer à mulher e aos cinco filhos o mínimo necessário para a sobrevivência deles. Às vezes tem de ir lá na CEASA coletar produtos descartados para poder alimentar a família. Para vestirem roupas ou calçados “novos”, só quando recebem alguma doação. 

Sabe, eu não entendo tal realidade, isto é, que Deus abençoa alguns e muitos outros não.

Situações assim me fazem perguntar a mim mesmo: O que o irmãozinho ainda não alcançou, e muitos jamais alcançarão, também é pela graça de Deus?

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Coerência ou incoerência?

Por Saulo Alves de Oliveira

A posição cômoda do observador de certos acontecimentos é uma opção de cada um, isto é, estar diretamente envolvido ou ser apenas um observador da coerência ou incoerência. Como eu não quero ser cobrado pela incoerência, prefiro permanecer como observador.

Pastor auxiliar se desentende com Pastor titular e, logo em seguida, funda sua própria igreja – não vou entrar em detalhes sobre os motivos, pode ser qualquer um, não é fácil dar razão a um dos dois, pois ambos sempre têm razão. (sic) Nesse caso, quando os dois têm razão, onde está a verdade?

Pastor dissidente diz que sua nova igreja é um projeto de Deus. Pastor titular diz que sua igreja é, e sempre foi, um projeto de Deus.

O interessante é que antes da cisão ambos afirmavam que sua igreja, isto é, a igreja dos dois, era um projeto de Deus.

Então eu me pergunto: como explicar tal situação? Estaria Deus dividido?

Talvez uma explicação - explica mesmo? - é a que sugere que Deus estimula a divisão (?) como forma de alcançar um maior número de pessoas.

Coerência ou incoerência?

Ou simplesmente “human business” baseados em interesses humanos?

sábado, 27 de agosto de 2022

Não me queiram transformar em clone dos meus pais

Por Saulo Alves de Oliveira

Certa vez, ao discutir questões relacionadas à fé e à política, um amigo que não encontrava há muito tempo me fez a seguinte crítica: “Eu não consigo defender o erro pois fui formado para combatê-lo. Tenho certeza que esse seu pensamento é contrário à formação que seus pais deram a você”. A insinuação não poderia ser mais evidente: na ótica dele eu estava defendendo um erro.

Um outro amigo, que me conhece desde a minha infância - ele deve ser uns 15 ou 20 anos mais velho do que eu -, insinuou várias vezes, também por questões relacionadas à fé cristã: “Eu conheci os seus pais, crentes e tementes a Deus, será que se eles ainda fossem vivos...?”

Eu convivi ativamente no meio cristão evangélico durante muitos anos. E tudo começou na minha primeira infância. Considerando, pois, o tipo de formação que as crianças e os jovens recebem em muitas igrejas evangélicas, não me causa estranheza o fato de, quando adultas, tais pessoas insistirem na ideia equivocada de que os filhos devem ser cópias intelectuais dos seus pais.

Com certeza absoluta eu amava os meus pais e sinto muito a sua falta.

Grande parte do que sou hoje devo ao meu pai e à minha mãe. Minha formação moral tem muito a ver com seus ensinamentos. Muitos princípios e os valores morais elevados que eles me ensinaram eu conservo até hoje e conservarei até o fim dos meus dias, não somente por serem princípios e valores cristãos, mas sobretudo por serem princípios altruístas universais. Tenho consciência de que sou o resultado do que meu pai e minha mãe me ensinaram, mas também de tudo o que aprendi ao longo da minha vida, inclusive coisas que os meus pais, se vivos estivessem, não concordariam, todavia nem por isso eu deixaria de amá-los. A recíproca é verdadeira.

Todavia, de uma vez por todas, é preciso ter em mente que Sebastião Alves e Maria Carlos, dos quais eu tenho enorme prazer de ser filho, eram duas pessoas distintas entre si, com suas virtudes e defeitos, e diferentes de mim, com minhas virtudes (se é que as tenho!) e os meus defeitos (estes sim meus “companheiros” do dia a dia). Portanto, eu não tenho nenhuma obrigação de ser cópia dos meus pais ou de seguir tudo o que eles me ensinaram, visto que eles poderiam - poderiam, ressalto - estar errados ou equivocados em relação a alguns aspectos da sua visão de mundo, da fé, de Deus, da igreja, da Bíblia e de qualquer outra área da vida humana. Eu sou outra pessoa, única, e não tenho obrigação alguma de pensar como eles pensavam.

Eu cresci, física, mental e espiritualmente, me tornei adulto e deixei de pensar como criança, e hoje sou capaz de analisar esses aspectos que citei e também de tomar a decisão que me parece a melhor para a minha vida, para os que estão próximos a mim, para a minha comunidade e o meu País.

No entanto, algo não me causa o menor incômodo: se alguém se sente bem em conservar ainda hoje, ao pé da letra, tudo que os seus pais e a Igreja lhe ensinaram, tudo bem. Não me cabe julgá-lo e constrangê-lo por isso. É um direito que não lhe pode ser negado. Apenas não posso aceitar essa observação - julgamento? - em relação a mim, isto é, não aceito que me queiram transformar em clone dos meus pais, porquanto não sou mais uma criança para aceitar como verdade absoluta tudo o que os meus pais, os pastores e a Igreja me ensinaram. Aprendi e ainda estou aprendendo a questionar, pois, certa vez eu li: “São as perguntas que transformam o mundo”.

domingo, 14 de agosto de 2022

Estou certo?

Por Saulo Alves de Oliveira

Proposição para os cristãos, mais especificamente para os evangélicos, pois acho que são os mais atentos a esse tema. São duas situações hipotéticas.

Na primeira situação Israel é oprimido e agredido, injustamente, por uma nação mais forte e poderosa. Você, um cristão convicto, se colocaria do lado de quem? Acho que a resposta óbvia é Israel. Estou certo?

Na segunda situação uma nação mais fraca é oprimida e agredida, injustamente, por Israel. Você, um cristão convicto, se colocaria do lado de quem? Acho que a resposta óbvia é da nação agredida. Estou certo?

terça-feira, 26 de julho de 2022

Eu atiro pra matar mesmo...

Por Saulo Alves de Oliveira

“E se entrar um cara em casa e eu sentir que ameaça, que a minha família está sendo ameaçada, é [um tiro] no meio dos olhos, o primeiro... Eu atiro pra matar mesmo, não é na perna não.”

Na sua opinião, de quem são essas palavras? Dentre as alternativas abaixo, qual delas você assinalaria?

1)    Policial

2)    Traficante

3)    Pastor

4)    Mito

5)    Padre

6)    Colecionador de armas

Se você escolheu “Pastor”, por mais incrível que pareça, você acertou.

Se você pensou que essa é a opinião de um filho do mal que todos nós conhecemos de muito tempo, está totalmente enganado. Essa é a opinião de um filho de Deus. (sic)

Trata-se de um dos mais conhecidos líderes evangélicos no Brasil. É nas mãos de homens como esse senhor que está uma grande parte das igrejas evangélicas brasileiras. A Igreja caminhará para onde? Será que ainda há recuperação para grande parte das igrejas evangélicas brasileiras? Ou Lutero precisará voltar? Talvez isso explique o enorme apoio da maioria dos evangélicos ao filho do mal que se instalou no mais alto monte.

Se você ainda duvida click aqui e ouça com os seus próprios ouvidos de ouvir. (sic)

Lamentavelmente, às vezes uma pessoa que nos parece defender princípios altruístas ou espirituais elevados pode, por outro lado, defender ideias totalmente dissociadas da não violência e da compaixão. Infelizmente, o momento político nacional e as ações e ideias de muitos cristãos, sobretudo líderes, entre os quais alguns que em algum momento até me serviram de exemplo e inspiração – “serviram”, ressalto – me leva forçosa e tristemente a essa conclusão.

É claro que eu não sou contra o princípio da legítima defesa. Entretanto, acho que a legítima defesa não tem nada a ver com as palavras do referido filho de Deus. (sic)

Sei que esse simples comentário não muda absolutamente nada. É apenas um desabafo pessoal.

Felizmente eu descobri há muito tempo que era hora de partir. 

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Experiência pessoal: maior prova da existência de Deus?!

Por Saulo Alves de Oliveira

Experiências pessoais podem ser importantes na formação espiritual, e até moral, do ser humano, para o bem ou para o mal. Daí a afirmar que podem provar a existência de Deus vai uma grande distância.

Há algum tempo eu ouvi um pregador afirmar que a sua experiência pessoal era a maior prova da existência de Deus. Ao ouvi-lo, eu fiquei pensando: experiência pessoal, a maior prova da existência de Deus?! Isso faz algum sentido? E se um ateu afirmar: a minha experiência pessoal é a maior prova da inexistência de Deus? A existência ou não de Deus depende da experiência pessoal de cada um? Deus é ou não um ser absoluto e de certa forma “tangível”?

Bom, as minhas experiências pessoais são conflitantes. Sendo assim, eu posso usá-las para dizer que Deus existe ou não existe? Acho uma temeridade.

Então, ao ouvir o pregador, eu me perguntei:

- E se um católico dissesse assim "A minha experiência pessoal é a maior prova de que Maria, mãe de Deus (sic), e os santos atendem as minhas orações”?

- E se um muçulmano dissesse assim “A minha experiência pessoal é a maior prova de que só Alá é Deus e Maomé o seu profeta”?

- E se um espírita dissesse assim “A minha experiência pessoal é a maior prova de que os mortos fazem contato com os vivos”?

- E se um hindu dissesse assim “A minha experiência pessoal é a maior prova de que oferecer um mantra a Shiva traz cura integral para corpo e mente”?

- E se um índio dissesse assim “A minha experiência pessoal é a maior prova de que Tupã ou os espíritos ancestrais fazem chover”?

- E se um budista dissesse assim “A minha experiência pessoal é a maior prova de que Buda é o iluminado que trouxe a verdade à humanidade”?

- E se um judeu dissesse assim “A minha experiência pessoal é a maior prova de que Jesus não é Deus”?

- E se um umbandista dissesse assim “A minha experiência pessoal é a maior prova de que uma ‘entrega’ ou ‘oferenda’ me faz entrar em contato com os orixás ou com meus guias espirituais”?

(...)

Observem, se experiência pessoal tem algum valor é apenas para a pessoa que a tem, no entanto para terceiros é indispensável a possibilidade de uma análise com independência e completa ausência de envolvimento pessoal com o fenômeno e com o protagonista do evento. Em determinados momentos, experiências pessoais podem abrandar temores e acalmar o espírito, portanto têm algum valor relativo. Como a própria expressão diz: é uma experiência pessoal. E pode funcionar como um placebo. Um placebo pode até curar a alma e o corpo.

Se eu conduzisse a minha vida baseado em experiências pessoais, talvez hoje eu fosse um cético ou quem sabe um místico.

Quando meu filho mais novo tinha 5 ou 6 anos, portanto há muitos anos, eu passei por uma experiência pessoal que poderia ter sido a causa de consequências dramáticas em nossas vidas. De certa forma, poderia ter mudado o nosso futuro no que tange à percepção da realidade e de nossas convicções espirituais. Certa noite, ele entrou desesperado no meu quarto dizendo que acabara de ver uma “coisa” estranha. “Papai um bicho no meu quarto e quando eu olho ele se movimenta”. A criança estava literalmente em pânico. A história poderia ter dois caminhos: 1) encará-la como algo sobrenatural ou espiritual ou 2) tentar encontrar explicações racionais para a “coisa” estranha. Se o primeiro caminho tivesse sido trilhado, o desfecho poderia ter sido trágico. Hoje meu filho poderia ter sérios problemas psicológicos e emocionais e, quem sabe!, ser uma pessoa perturbada por visões irreais que - fruto de uma mente confusa - só existiriam em sua cabeça. Felizmente, venceu a razão e não o misticismo ou crendice. Tivemos a sensatez de analisar a situação e procurar explicações racionais. E a encontramos. Hoje, já com 37 anos, meu filho nem sequer se lembra do episódio. Convém lembrar que, ao relatar o fato no trabalho, minha esposa ouviu sugestões de que talvez a criança fosse um médium e que deveria ser levada a um centro espírita para desenvolver sua mediunidade. É importante registrar que essa sugestão foi totalmente descartada.

Em um comentário anterior neste blog eu relatei o episódio. Se alguém quiser lê-lo e tomar conhecimento do que aconteceu, basta clicar aqui.

Eu acredito que muitas pessoas sofrem hoje, como adultas, e de forma irremediável, as consequências de situações vividas na infância ou adolescência que foram tratadas como sobrenaturais ou espirituais e que não passavam de equívocos ou que tinham uma explicação racional. 

Dentre os vários fenômenos mentais que interferem nas nossas vidas e afetam as decisões que tomamos há um denominado “viés de confirmação”.

Eu não sou especialista nesse tema, portanto não vou me estender em considerações, certamente o assunto é bem mais profundo. Todavia, “viés de confirmação” é a tendência de só aceitarmos ou só levarmos em consideração aquilo que confirma as nossas crenças ou as nossas hipóteses iniciais.

Aquilo que confirma nossas crenças ou as ideias que temos sobre determinado assunto é abraçado instantaneamente, e sem maiores considerações, como verdade absoluta. Por sua vez, aquilo que é contrário às nossas crenças e ideias é desconsiderado sem a menor análise, ainda que esta seja a situação recorrente.

Há vários exemplos que podem ser citados. Vamos a apenas um. Dança da chuva.

Havia um ritual entre os povos antigos conhecido como “dança da chuva”. Ainda hoje é praticado por índios. O objetivo é alcançar a benevolência dos espíritos para que estes mandem chuva. O índio faz o ritual da “dança da chuva”, que é uma espécie de dança mesmo, e, algum tempo depois, começa a chover. Conclusão: seus deuses ou os espíritos ouviram e atenderam suas preces. Acontece que provavelmente foram dias, semanas ou meses de ritual e nada de chuva. Todo esse período não foi considerado, mas apenas aquela chuva que, invocada durante tanto tempo, confirmou a crença de que os espíritos de seus ancestrais fazem chover. E nos anos em que não choveu, apesar de todos os rituais de invocação?

Algo semelhante acontece com homens e mulheres do sertão que, apesar de anos de seca, acreditam que suas orações ou rezas são a causa de um bom inverno em determinado ano. Na realidade, Deus ou qualquer espírito não têm absolutamente nada a ver com a chuva. Seca ou chuva são apenas fenômenos naturais que vêm ocorrendo ao longo dos milhões de anos de história da Terra.

Portanto, experiências pessoais não são provas definitivas de absolutamente nada, apenas nos faz pensar que as nossas crenças estão certas, pois confirmam aquilo que previamente já acreditamos, seja a existência ou não de Deus ou de qualquer outro aspecto relacionado à religião. E qualquer experiência que contraria as crenças ou as expectativas, não importa o número de casos, é sempre desconsiderada.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Orar, orar, orar...

 Por Saulo Alves de Oliveira

Sinceramente, eu não entendo porque é necessário insistir tanto com Deus para que ele mova a “montanha”, visto que Deus sabe de todas as coisas.

Vejamos o caso de um pai humano.

Um filho se dirige ao pai e diz “Pai, eu estou precisando de roupas novas, pois as minhas roupas estão velhas e surradas” ou então “Pai, eu preciso de dinheiro para pagar a faculdade”.

Se o pai é uma pessoa de posses e sabe que o filho diz a verdade, ele vai esperar que o filho insista todos os dias durante um, dois, três ou mais anos para atendê-lo?

Se a necessidade é urgente e o pai sabe que é urgente, e ele tem condições, certamente ele atenderá o filho de imediato.

Na realidade, qualquer pai que ama o filho e se preocupa com o seu futuro e seu bem-estar, e certamente conhece a realidade do filho, nem sequer espera que o filho o procure para atender suas necessidades.

Ele já se antecipa.

Portanto, eu não entendo porque eu tenho que importunar Deus durante 5, 10, 20, 30 anos para que ele mova a “montanha” que eu tenho de superar. E às vezes a montanha permanece imóvel durante toda a vida.

John Piper não é aquele que diz que Deus mata do jeito que ele quiser, pois não deve satisfação a ninguém? Ele mata com uma bala, com uma explosão – fazendo a pessoa “voar” em pedaços pelos ares num atentado terrorista –, com uma grave doença, um câncer, por exemplo, ou ainda, como no passado, usando o exército de Israel como agente executor do seu desígnio de matança e destruição.

E simplesmente só nos cabe aceitar sem nenhum questionamento!

Essa teologia é terrível, portanto tenho uma enorme dificuldade de me relacionar com o Deus de John Piper. 

domingo, 22 de maio de 2022

Não ore mais por isso...

Por Saulo Alves de Oliveira

Durante alguns anos, eu passei por uma certa dificuldade, que me trouxe inclusive alguns problemas pessoais.

Crente sincera e dedicada, minha mãe sempre pedia a Deus por mim e apresentava, em suas orações, essa dificuldade e outras questões. Frequentemente, ela também pedia orações nas reuniões da igreja em meu favor.

Eu costumava acompanhar meus pais à sua casa todos os domingos após o culto. Certa vez, depois de muitos anos, eu estava me despedindo da minha mãe, que sempre me acompanhava até o portão, quando ela tocou carinhosamente meu rosto e me disse assim: “Meu filho, sua vitória será muito grande”.

Naquele momento, eu pensei em lhe dizer, mas não disse: “Mamãe, não ore mais por isso, Deus não tem nada a ver com a solução desse problema”. Experiência pessoal, que, como o próprio nome expressa, é algo subjetivo e que pode ter mais de uma explicação, portanto não me cabe pleitear o “de acordo” de ninguém, me levou a essa conclusão ao longo de anos de observação.

Minha filosofia: há coisas que não vale a pena nem convém dizer a determinadas pessoas. Imagine, por exemplo, quais são as convicções de uma pessoa já bem avançada em anos, doutrinada por décadas acerca de questões religiosas e de fé! Não me outorgo o direito de plantar a semente da dúvida ou do questionamento nas cabeças de pessoas específicas, considerando que dúvidas em nada contribuirão para o seu bem-estar mental e espiritual. Talvez o efeito seja o contrário. Aprendeu assim? Há casos em que o melhor é deixá-las pensando assim até o ocaso das suas vidas.

Eu mesmo não mais orava nesse sentido, pois em várias outras situações a resposta fora sempre o silêncio. É claro que isso trouxe consequências importantes para minha vida.

Depois de quase onze longos anos surgiu naturalmente uma solução e minha mãe não estava mais aqui para alegrar-se comigo.

“Sua vitória será muito grande” só ocorreu oito meses após a partida de Maria Carlos.

Então eu sempre me pergunto: por que algumas pessoas passam 10, 20, 30 ou mais anos orando por algo e nunca recebem resposta às suas orações, apesar da promessa abaixo?

E tudo quanto pedirdes em meu nome eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei.” João 14.13,14

E quando obtêm uma resposta, que pode ser a solução de um problema ou até mesmo uma cura, às vezes depois de uma longa e angustiante espera, a justificativa ou expressão de regozijo é “Deus jamais desampara os seus”. Quando a resposta é o silêncio, a resignação é “Deus tem os seus mistérios”. Ou então o insólito “Silêncio também é resposta”.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

E Jesus ainda não voltou!

Por Saulo Alves de Oliveira

Certas porções da Bíblia não são de fácil compreensão ou interpretação, pelo menos para este aspirante a – algo parecido com – escritor, que tenta, tenta e tenta... mas não consegue chegar lá. Se está um pouquinho acima da mediocridade, não passa de um escrevedor, um simples ajuntador de palavras.

Alguém pode afirmar que é consequência de uma formação intelectual deficiente ou, se partir daquele que se autodenomina possuidor de elevada espiritualidade, a crítica pode caminhar na direção do “é falta de um bom relacionamento com o Espírito Santo para entender as Escrituras”. Bom, esses podem até ser os verdadeiros motivos, admito, no entanto... vamos ao objetivo deste comentário, ou ao cerne da questão.

Sempre que eu leio o livro dos Atos dos Apóstolos, ou medito sobre o episódio a seguir, algo chama minha atenção.

Depois que Jesus subiu ao céu aconteceu um evento que ficou conhecido como o dia de Pentecostes. Naquela oportunidade, ocorreu a descida do Espírito Santo, o Consolador. Então Pedro, certamente o principal dos doze apóstolos de Jesus, pronunciou as seguintes palavras:

“Estes homens não estão embriagados, como vós pensais, sendo esta a terceira hora do dia. Mas isto é o que foi dito pelo profeta Joel: E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos; e também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e minhas servas, naqueles dias, e profetizarão.” – At.2.15-18.

Acho que não há dúvidas de que o apóstolo pescador relacionou aquele momento ao cumprimento ou ao início do cumprimento da profecia de Joel, que, todavia, deveria ou deve acontecer nos últimos dias.

No entanto, ao fazer a conexão daquele episódio com os últimos dias e, de certa forma, afirmar que ele próprio estava vivendo os últimos dias, o que realmente Pedro quis dizer?

Já se passou muito mais tempo entre Pedro e os nossos dias (quase 2.000 anos) do que entre a profecia de Joel e os dias de Pedro (cerca de 800 anos). E, como está evidente, os últimos dias não aconteceram no tempo de Pedro. Nem mesmo nos nossos dias.

Teria Pedro se equivocado ao interpretar as palavras do profeta Joel? Parece que não, pois o próprio Jesus fez uma afirmação que provavelmente levou o intrépido – a essa altura não mais covarde – discípulo a essa conclusão. Senão, vejamos:

“Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui estão, que não provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino.” – Mt.16.28

Pedro acreditava que a volta de Jesus se daria naquele tempo? Parece que sim.

Por que um homem que teve a inspiração de Deus para escrever ou falar “A Palavra de Deus” não teve a inspiração de Deus para entender que a volta de Jesus não se daria no seu tempo? Você, cristão, nunca se fez essa pergunta? Isso nunca o incomodou?

Há também um aspecto interessante no livro do Apocalipse, que de alguma forma se relaciona à compreensão ou interpretação de Pedro.

Qualquer interpretação do Apocalipse deve passar preliminarmente pela compreensão exata do contexto temporal daqueles acontecimentos, sob pena de se distorcer tais fatos. Ou, dizendo de outra forma, é preciso entender corretamente o que João afirmou em Ap.1.1,3 e 22.6,7, isto é, João estava afirmando que eram coisas para o seu tempo ou para o nosso tempo ou ainda para o futuro do nosso tempo?

“Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer... porque o tempo está próximo.”

“...E o Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas, enviou o seu anjo, para mostrar aos seus servos as coisas que em breve hão de acontecer. Eis que cedo venho...”

Se os acontecimentos relatados no Apocalipse são para os nossos dias ou para dias futuros, por que João disse que eram “...as coisas que brevemente devem acontecer...?”

Ainda lemos em Apocalipse 3.11; 22.7,10,12,20:

“Venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa.”

“Eis que cedo venho; bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro.”

“Disse-me ainda: Não seles as palavras da profecia deste livro; porque próximo está o tempo.”

“Eis que cedo venho e está comigo a minha recompensa, para retribuir a cada um segundo a sua obra.”

“Aquele que testifica estas coisas diz: Certamente cedo venho. Amém; vem Senhor Jesus.”

Não se tem certeza absoluta, mas muitos estudiosos atribuem a autoria do livro do Apocalipse ao apóstolo João. O livro foi escrito por volta do ano 96 A.D., isto é, na última década do primeiro século da Era Cristã.

Não me parece sensato ou razoável admitir que sem demora ou cedo venho sejam compatíveis com dois mil anos à frente ou mais. Pelo contrário, tais expressões transmitem a ideia de algo que, se não estava prestes a acontecer, aconteceria não muito depois daqueles dias, por exemplo, no final do primeiro século ou início do segundo século da Era Cristã, compatível, portanto, com as palavras de Jesus – que falava aos discípulos sobre a sua segunda vinda – quando afirmou:

“Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam.” – Mt.24.34

Também compatível com o tempo em que provavelmente João recebeu e escreveu o Apocalipse ou no máximo com alguns anos após a revelação dada ao apóstolo.

Dentre as coisas reveladas ao já idoso João, prisioneiro na ilha de Patmos, estão as palavras citadas acima, sem demora (mesmo significado do advérbio de tempo “imediatamente”) e cedo (advérbio de tempo = dentro de pouco tempo) venho, proferidas, segundo João, por Jesus.

Como já se passaram cerca de 1.925 anos desde que João recebeu o Apocalipse – palavra que tem origem grega e quer dizer “revelação” –, o que significariam, ou significam, exatamente as expressões “Venho sem demora”, “Eis que cedo venho” e “Certamente cedo venho”?

Ao lermos outros textos bíblicos temos a impressão de que outros discípulos também pensavam assim.

Pelo menos três passagens bíblicas têm conexão com as palavras de João. São elas:

“Sede vós também pacientes; fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima.” Tg.5.8.

“Mas já está próximo o fim de todas as coisas; portanto sede sóbrios e vigiai em oração.” 1 Pe.4.7.

“Pois ainda em bem pouco tempo aquele que há de vir virá, e não tardará.” Hb.10.37

O próprio apóstolo Paulo, talvez pressionado pelos cristãos primitivos, que viam os seus contemporâneos morrerem sem que a volta de Jesus ocorresse, os quais certamente conheciam bem as palavras de Jesus sobre os que “...não provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino” – quem sabe eles próprios vendo aproximar-se o fim dos seus dias! –, escreveu:

“Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança.

Porque o Senhor mesmo descerá do céu com grande brado, à voz do arcanjo, ao som da trombeta de Deus, e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles, nas nuvens, ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor.”

1 Ts.4.13,16,17

Percebe-se que Paulo se incluía – “Depois nós, os que ficarmos vivos...” – entre os que ainda estariam vivos por ocasião da volta de Jesus, visto que, ao que tudo indica, havia a expectativa de que a segunda volta de Jesus se daria ainda no tempo dos cristãos primitivos.

Paulo ainda escreveu em 1 Co.15.51,52:

“Eis aqui vos digo um mistério: Nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos serão ressuscitados, e nós seremos transformados.”

Mais uma vez o grande Apóstolo Paulo, certamente o maior divulgador do Evangelho nos primórdios do cristianismo, se incluía entre os que estariam vivos por ocasião da segunda volta de Jesus: “...e nós seremos transformados”. Não é perturbador que o apóstolo, que certa vez afirmou “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei...”, não tenha recebido do Senhor que a volta de Jesus não se daria no tempo da sua vida?

Observem: João, Tiago, Pedro, Paulo e o escritor aos hebreus estavam escrevendo ou falando para os seus contemporâneos sobre coisas que iriam acontecer ainda no tempo deles.

Acredito que todos entendem que este questionamento tem como pressuposto o fato de que Jesus ainda não voltou, nem no tempo dos apóstolos nem ao longo dos últimos quase dois mil anos de história do cristianismo, apesar das indicações dos escritores bíblicos, e do próprio Jesus, de que tal evento se daria no tempo dos primeiros cristãos ou num tempo muito próximo aos dias dos primeiros cristãos.

Sou tolo o suficiente para acreditar que alguém não apresentará justificativas ou explicações para tudo o que foi exposto acima? Resposta: Não.

E uma delas provavelmente começará assim: porque no original grego...

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Lutar contra a evolução? Talvez, em certa medida, sim.

Por Saulo Alves de Oliveira

Se não houvesse evidências da evolução da vida na Terra e se se tratasse apenas de uma questão de crença, eu preferiria acreditar no evolucionismo em vez de acreditar no criacionismo. É inconcebível, e foge à racionalidade, acreditar que o Deus justo e bom – “...porque a sua benignidade dura para sempre” – criou um mundo tão injusto e mau como o mundo em que vivemos. Se Deus tivesse alguma coisa a ver com o que acontece na Terra, especialmente no que tange à Natureza, ele não seria um ser benigno, antes pelo contrário.

Diante disso, há dois aspectos a considerar.

Conforme a teologia cristã, Deus criou todas as coisas. Deus é onipotente, onipresente e, sobretudo, onisciente, conhece o passado, presente e futuro. Portanto, ele não foi apanhado de surpresa, ele sabia exatamente o que iria acontecer, ou seja, que a criação do ser humano e de toda a vida na Terra não daria certo. Conhecedor de todas as injustiças, males e crueldades, que sobreviriam sobre a humanidade e sobre a Terra e a vida de um modo geral a partir da queda do primeiro casal, mesmo assim ele decidiu criá-las!? E uma das consequências é esta: Deus permite vir ao mundo dois seres que não têm o direito de escolha, sendo um miseravelmente pobre, que sobrevive literalmente de migalhas – quando as encontra –, e um outro terrivelmente rico, que vive literalmente com muito mais do que o necessário para ter uma vida digna. Ele não poderia evitá-lo? O ser humano e a própria Terra são tão pequenos e insignificantes diante da grandeza e onipotência de Deus que, para ser Deus, ele não depende em absolutamente nada das suas existências. E, conhecedor que era de todas as consequências da queda, inclusive de todo o sofrimento e crueldade que se abateriam sobre sua criação, Deus para ser Deus não precisaria ter criado o ser humano e a Terra.

O segundo aspecto a considerar é o seguinte: se toda a criação, incluindo o ser humano, tem uma explicação natural, todas as coisas que acontecem sobre a Terra também têm uma explicação natural. Talvez tudo seja consequência da nossa natureza animal, inclusive a maldade e as injustiças.

Se observarmos a Natureza em seu aspecto mais marcante, a vida dos seres vivos, fruto da evolução, veremos que o mundo dos animais é extremamente cruel, mau e injusto. Por exemplo: um filhote que perde seus pais é, em quase todos os casos, imediatamente eliminado. Em geral os filhotes não sobrevivem à morte das suas mães, pois falta-lhes sua protetora, guia e fonte de alimentação.

Em algumas circunstâncias, os animais matam os da sua própria espécie. Certa vez, eu vi uma cena em que a fêmea de uma ave tinha três ou quatro filhotes no ninho. Por razões que eu não sei explicar, talvez para diminuir o número de bocas a alimentar e assim melhorar as chances de sobrevivência dos outros dois ou três, ela matou um dos filhotes. Não deu para perceber se ele tinha algum defeito físico, porquanto a própria Natureza elimina os fracos, doentes ou defeituosos e preserva os mais saudáveis. E o mais chocante: não foi uma morte rápida e indolor, o ritual de agressões para matá-lo demorou vários minutos, com o filhote “gritando” durante toda a sessão de tortura até sucumbir.

Evidentemente, os animais não têm consciência do mal que infligem aos de outras espécies ou mesmo aos da sua própria espécie. Fazem, para sobreviver, o que a Natureza e os seus instintos mandam, isto é, matam – às vezes com requintes de crueldade – e devoram, ou então serão eliminados pela fome ou por outros predadores. Mesmo um animal adulto e poderoso, como é o caso do leão ou elefante, que, em consequência de uma luta ou acidente, quebre uma perna, basta uma só perna, será, de imediato, eliminado e devorado pelos seus predadores.

Em outra cena que assisti, um búfalo, que em muitos casos enfrenta leões e às vezes os mata, não pôde resistir, com uma perna quebrada, ao ataque de três leões. Em pouco tempo virou alimento para as três feras.

Os velhos são eliminados de forma inexorável. Os fracos ou doentes também são eliminados sem piedade.

Em outra cena, quatro leões atacaram um outro da sua própria espécie, já velho e machucado, até à morte.

Quando um animal mais forte encontra um outro mais fraco alimentando-se de uma presa abatida pelo mais fraco, aquele, sem qualquer vestígio de escrúpulo, se apodera do alimento obtido sem nenhum esforço ou risco.

Alguns predadores, como as hienas e os mabecos (ou cães selvagens africanos), devoram suas presas ainda vivas.

Há algo mais injusto e cruel do que as cenas relatadas acima? Lamento dizer: sim.

Os humanos, como regra, cuidam dos seus idosos, dos doentes ou deficientes, não os deixando morrer à míngua. Isso é lutar contra a evolução. Infelizmente, nem sempre foi assim. Ainda hoje há notícias de que se pratica o infanticídio de crianças com deficiência em algumas tribos indígenas no Brasil. Há relatos de que alguns grupos sociais consideram os idosos frágeis como um fardo e tomam providências para acabar com suas vidas.    

Talvez a maldade e as injustiças entre os seres humanos ainda sejam consequência do tempo em que os nossos ancestrais vagavam pelas florestas africanas, aninhando-se à noite no alto das árvores, ou, milhares de anos depois, em cavernas, lutando pela sobrevivência. Ou matavam ou morriam. Depois, com a evolução humana chegando ao estágio do Homo sapiens, já que muitos de nós adquirimos consciência do sofrimento e da dor, é provável que, ao longo de milhares de anos, e a duras penas, a humanidade percebeu que a dor que “eu” sinto é a mesma dor que o meu semelhante sente, pois quando “eu” machuco ou firo alguém “eu” sei que sentirei a mesma dor se o outro for o meu agressor e fizer o mesmo comigo. Infelizmente, os outros animais ainda não chegaram a esse estágio de civilidade. É provável que ao longo de dezenas de milhares de anos, talvez centenas, nós, humanos, fomos aprendendo e colocando em prática aquilo que Jesus falou há apenas 2 mil anos “Façais aos outros apenas o que quereis que vos façam” ou “Amai-vos uns aos outros”.

É claro que a humanidade ainda tem muito a crescer do ponto de vista moral. Fisicamente, se não tivermos destruído o meio-ambiente que nos proporciona as condições para continuação da vida na Terra, não sei como estaremos daqui a 100 mil anos. Ainda estaremos aqui?

O gato, ao “brincar” com o camundongo, no seu solta e pega ou joga para cima, num verdadeiro ritual de tortura, mata-o de pancadas e de exaustão. E nem sempre é para se alimentar. Por que eu sei disso? Porque eu tenho gatos e observo o seu comportamento. Já livrei diversos pequenos animais das suas garras e dentes, como também já encontrei diversos cadáveres de pequenos camundongos ou pássaros intactos ao redor da minha casa, mortos após uma verdadeira sessão de torturas. Eles o fazem com prazer? Parece que sim. Eles têm consciência do mal que praticam? Até onde sei, não.

Talvez as atitudes dos torturadores e dos assassinos, ainda não atingidos pela civilidade, sejam parcialmente resquícios instintivos ou impulsos da fera que existiu ou, em alguns casos, ainda existe dentro de todos nós. Muitos torturadores e assassinos atacam suas vítimas por prazer, como o fazem os gatos com os pequenos roedores. Todavia, quero acreditar que a civilização conseguiu amoldar a maioria dos seres humanos e adequá-los para o bem, apesar de tantas guerras e mortes e do aumento das armas de destruição e do clima de belicosidade entre humanos ou entre países. Infelizmente, muitos ainda estão como na época das cavernas ou das copas das árvores, quando o que valia mesmo eram a força do braço, as garras e os dentes. Portanto, é indispensável que a civilização os contenha com os recursos da justiça, da segregação social ou prisões ou, tratando-se de líderes de grupos ou países hostis, do poder do convencimento para o bem de todos os seres humanos.

Sendo assim, acreditar que Deus criou o Universo e, de modo particular, a Terra, com toda a sorte de maldade, injustiças e sofrimento que vêm se desenrolando desde o princípio, é praticamente afirmar que Deus é uma entidade malévola, considerando que ele sabia previamente de tudo isso.

Eis, pois, a razão da minha afirmação no início deste pequeno comentário: se não houvesse evidências para a evolução da vida na Terra mesmo assim seria preferível acreditar na evolução e não na criação.

A evolução não tem compromisso com o bem ou mal, com a justiça ou injustiça, com o amor ou ódio, com a bondade ou crueldade. A evolução é indiferente a tudo isso. A evolução é indiferente ao sofrimento. A evolução simplesmente acontece.

Cabe-nos, portanto, com a consciência do mal e do bem que adquirimos ao longo de eras, lutar para, no mínimo, diminuirmos o sofrimento dos nossos semelhantes e as injustiças. Quiçá, um dia, no estágio mais elevado da consciência humana, eliminando-as por completo.

Talvez, em certa medida, cabe-nos lutar contra a evolução.