quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O Deus antropomórfico

Por Saulo Alves de Oliveira

De vez em quando ouço alguém afirmar que quem desafia a Deus ou blasfema morre tragicamente. Aí citam os exemplos de John Lennon, Tancredo Neves, Cazuza e outros mais.  

Eis o que dizem das três personalidades citadas nominalmente:

JOHN LENNON: Alguns anos depois de dar uma entrevista a uma revista americana, disse: “O cristianismo vai se acabar, vai se encolher, desaparecer. Eu não preciso discutir sobre isso, eu estou certo. Jesus era legal, mas suas disciplinas são muito simples. Hoje, nós somos mais populares que Jesus Cristo. (1966)”

No dia 8 de dezembro de 1980 um homem chamado Mark Chapman sacou um revólver e disparou cinco vezes contra Lennon, dos quais quatro tiros acertaram o ex-Beatle, matando-o.

TANCREDO NEVES: Na ocasião da campanha presidencial, disse que se tivesse 500 votos do seu partido, nem Deus o tiraria da presidência da República. Os votos ele conseguiu, mas o trono lhe foi tirado antes de tomar posse.

Em 1985 Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil pelo voto indireto de um colégio eleitoral, entretanto, em 14 de março daquele ano, dia anterior à posse, adoeceu gravemente e não pode assumir o cargo. Faleceu no dia 21 de abril do mesmo ano. 

CAZUZA: Em um show no Canecão, no Rio de Janeiro, deu um trago em um cigarro de maconha, soltou a fumaça para cima e disse: Deus, essa é para você! Nem precisa falar em qual situação morreu esse homem.

No dia 7 de julho de 1990, aos 32 anos, Cazuza morreu de complicações causadas pela AIDS. 

(Uma observação: não faço nenhum julgamento acerca das citações ou comportamentos das três personalidades referidas acima. Diz-se até que não há provas das palavras atribuídas a Tancredo Neves.)

Antes de qualquer conclusão precipitada, é importante analisar as evidências a fim de verificar se certas proposições são falsas ou verdadeiras.

Para isso, faço os seguintes questionamentos:

1 – Todas as pessoas que blasfemam ou desfiam a Deus morrem invariavelmente de forma trágica?

Se a resposta é sim, há uma forte evidência de que a proposição inicial é verdadeira. Se a resposta é não, há uma forte evidência de que a proposição inicial é falsa.

2 – Todos os crentes tementes a Deus morrem invariavelmente de forma natural e nunca tragicamente?

Se a resposta é sim, há uma forte evidência de que a proposição inicial é verdadeira. Se a resposta é não, há uma forte evidência de que a proposição inicial é falsa.

Para que a proposição inicial seja indiscutivelmente verdadeira é fundamental que as respostas às duas perguntas sejam sempre “sim”. Todavia, essa não é a realidade dos fatos. Basta apenas que você faça uma retrospectiva honesta dos casos de acidentes trágicos que você conhece. Crentes e ateus, blasfemos ou não, morrem ou de modo natural ou de forma trágica, indistintamente.

Portanto, meus amigos, gostaria de lhes dar uma sugestão, mas se vocês não concordarem, tudo bem, continuem fazendo a mesma coisa.

Parem com essa ideia tola de divulgar que quem desafia a Deus ou blasfema ou não crê em Deus morre tragicamente. As pessoas morrem porque todos os seres humanos morrem, de forma natural ou trágica.

Eu poderia citar exemplos de pessoas que viveram toda a sua vida combatendo a crença na existência de Deus, e algumas até de forma contundente e agressiva, e tiveram uma vida longa, chegando próximo ou ultrapassando os 100 anos e morreram segundo o curso natural da vida. Enquanto isso, crianças que nem sequer sabem quem é Deus estão morrendo todos os dias de forma trágica e dolorosa.

Não se deixem levar por crenças sem sentido. Não acreditem em algo simplesmente porque satisfaz sua crença e lhes faz bem.

Sinceramente, a impressão que eu tenho é que o Deus de certas pessoas é um ser antropomórfico, ranzinza, irritadiço, sem nenhum controle emocional e, sobretudo, vingativo, talvez um dos piores sentimentos humanos.     

domingo, 3 de agosto de 2014

Não defendo Israel incondicionalmente

Por Saulo Alves de Oliveira

A propósito dos últimos acontecimentos envolvendo os palestinos e Israel, esta é a minha opinião. É evidente que minha opinião só tem sentido em um contexto cristão, especialmente evangélico, pois os não cristãos não levam em consideração o que a Bíblia diz a respeito dos judeus.

Não amaldiçoo Israel. Apenas não o apoio de forma incondicional, aliás, ninguém, ninguém mesmo tem o meu incondicional e absoluto apoio, inclusive Israel. E isto independe do que a Bíblia diz a respeito.

Se alguém sugerir que estudando ou conhecendo mais a Bíblia eu vou concordar com a ideia de que se deve orar e desejar paz apenas para Israel, ou concordar incondicionalmente com Israel, ou ainda que vou passar a entender que tudo que os israelenses fazem é correto e justo, devo dizer que isso jamais acontecerá, qualquer que seja a interpretação da Bíblia que ratifique esse entendimento.

Observe, nem para todos os israelenses isso é unanimidade. Há algum tempo um jovem de 19 anos preferiu ser preso a ter que, servindo ao exército do seu país, assassinar palestinos. Leia aqui a entrevista de um israelense, reservista do exército, que, para não colaborar com os massacres de Gaza, resolveu fugir para a Holanda e assim se dispõe a anos de prisão.
 
Até Moisés, o grande legislador judeu, que viveu há milhares de anos, teve atitudes que questiono e julgo verdadeiras barbáries. Vou dar apenas um exemplo. Leia Nm. 31.1-24 e você verá uma das histórias mais terríveis que já li. Um massacre cruel e covarde cometido pelos israelitas sob o comando de Moisés.

Não há, não houve e jamais haverá como justificar o assassinato de seres humanos indefesos, desarmados e, em especial, inocentes. Ainda que alguém se julgue incumbido dessa tarefa por Deus. E foi exatamente isso o que Moisés ordenou.

Hoje, sob o ponto vista da moral, tais procedimentos são injustificáveis. Hoje, se vivo fosse, certamente Moisés seria julgado por crimes contra a humanidade.

Veja o que disse o Sr. William Lane Craig, um dos grandes defensores da fé cristã da atualidade, ao justificar o extermínio dos cananitas: “Então o que Deus faz de errado ao comandar a destruição dos cananitas? Não os cananitas adultos, porque eles eram corruptos e mereciam o julgamento. Não as crianças, porque eles herdaram a vida eterna. Então quem é o transgressor? Ironicamente, eu penso que a maior dificuldade de todo este debate é o aparente erro que os soldados israelenses fizeram a si mesmos. Você pode imaginar que seria como ter que invadir uma casa e matar uma mulher aterrorizada e seus filhos? O efeito brutal nestes soldados israelenses são perturbadores.”

Irônica é a opinião do Sr. Craig. Que vergonhosa, cínica e repugnante inversão de valores! Os agressores assassinos é que são as vítimas desse empreendimento que envergonha e empobrece a história da humanidade.   
 
Será que os israelitas de hoje ainda vivem no tempo do “olho por olho, dente por dente”? Me parece que sim. Talvez se inspirem em Moisés, que trucidou – ou mandou trucidar – cruel e covardemente milhares de seres humanos.

Há ainda outro aspecto a considerar. A Bíblia pode ser usada para resolver conflitos entre cristãos. Ainda assim tenho sérias dúvidas acerca dessa proposição, pois nem mesmo os cristãos se entendem quanto a sua interpretação.

Veja como isto é perturbador. Lutero, aquele famoso monge católico que no século 16 teve a revelação de Deus para interpretar a Bíblia e revoltar-se contra certas práticas da Igreja Católica, não teve a mesma iluminação de Deus para aceitar os judeus como o povo eleito, pois ele “...chegou a pedir que ateassem fogo às sinagogas e escolas judaicas, além de afirmar que os judeus deveriam ter as casas destruídas, assim como os bens e livros religiosos apreendidos”.

Martinho Lutero foi “um exemplo assustador do cristianismo antijudaico”.

A que ponto chegou a intolerância religiosa de um ícone do protestantismo, reverenciado hoje por muitos como o grande reformador do cristianismo! Atitude extremista que repudio veementemente. Da mesma forma que repudio as atitudes de Moisés e de Benjamin Netanyahu.  

A Bíblia é aceita como “O Livro” apenas pelos cristãos, e ainda assim nem mesmo todos os cristãos têm o mesmo entendimento quanto ao que ela ensina. Se não fosse assim não existiriam tantas Igrejas e doutrinas diferentes e, o que é pior, tão divergentes. Nem mesmo os próprios judeus a aceitam em sua totalidade como A Palavra de Deus e nem sequer acreditam que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E nisto residia a atitude bárbara e condenável de Martinho Lutero em relação aos judeus.

A Bíblia não pode ser usada para resolver todos os problemas do mundo, pois ela não é unanimidade como Palavra de Deus. A maior parte dos povos do mundo tem outros livros sagrados como seus orientadores morais e religiosos. Pretender impor à força a Bíblia ao mundo é algo que ultrapassa as raias da loucura.

Como se pode convencer um muçulmano, um budista, um hindu, um ateu... que Israel é o povo eleito se eles não têm a Bíblia como A Palavra de Deus? É tarefa impossível.

Apenas cerca de 1/3 da população mundial é formado por cristãos, com todas as suas diferenças, muitas vezes irreconciliáveis. Então, vamos impor aos outros povos que Israel é a nação eleita, porque a Bíblia assim o afirma?

Para 2/3 do mundo Israel é apenas mais um povo que habita este planeta e deve se submeter às regras e leis dos organismos internacionais como todos os outros povos, independentemente do que a Bíblia diz a seu respeito. E isso me parece o racional.

Há ensinamentos bíblicos que são universais e podem e devem ser ensinados a todos os povos, como é o caso do amor ao próximo. Quanto à eleição de Israel e sua imposição ao mundo como povo especial, é simplesmente impraticável.

A propósito, se judeus e palestinos se amassem não haveria guerra entre os dois povos.

Os crimes e o terrorismo do Hamas não justificam os crimes hediondos de Israel.

O mais impressionante e irônico em toda essa história, quer me parecer, é que os cristãos, em nome da defesa incondicional de Israel, se esquecem dos ensinamentos daquele a quem os judeus nunca aceitaram como O Messias. 

Portanto, e para concluir, quero deixar clara minha opinião. É muito simples. Se Israel é injustiçado e sofre agressões eu estou do lado de Israel. Se Israel comete injustiças e faz agressões, inclusive contra o povo palestino, eu fico do lado oposto a Israel.