segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A face sinistra da natureza

Em um comentário anterior eu afirmei que a natureza me parece muito cruel e insensível. Na realidade a natureza é apenas indiferente à dor e também à alegria, ela não se comove quando os seres vivos sofrem ou mesmo quando estão felizes. Feita essa afirmação, vou contar um fato que eu presenciei aqui mesmo na cidade. Não precisei visitar as savanas africanas ou ir à Amazônia ou sequer caminhar nas matas próximas ao centro urbano onde moro. 

Eu resido nas proximidades de um terreno baldio. Na minha rua há muitos gatos. De vez em quando aparece um rato morto na garagem da minha casa. Eu acredito que os gatos pegam os ratos no dito terreno e depois vêm “brincar” e degustá-los na minha garagem. E são ratos até grandes, talvez meçam quase 25 cm do nariz à ponta do rabo.

Um dia eu encontrei apenas uma cabeça e em outra oportunidade apenas um corpo. É provável que outros roedores tenham sido totalmente devorados na minha garagem.

Na última quarta-feira, minha filha chegou do trabalho por volta das 19 horas. Ao entrar em casa, ela disse: “Tem um outro rato na garagem”. Bem, pensei, ele deve estar morto, então amanhã eu o enterrarei. E me esqueci do infeliz roedor.

No dia seguinte, por volta do meio-dia, eu fui até a garagem pegar alguma coisa no meu carro. E lá estava o rato num cantinho junto à parede. Entretanto o pobre animal não estava morto, pois o vi se mexer, não sei se eram espasmos. Certamente os gatos o maltrataram, imaginei, mas não o suficiente para matá-lo. O animal agonizava havia pelo menos 17 horas. Então, pensei: “O que devo fazer para acabar com o seu sofrimento? Eu não tenho estrutura emocional nem coragem para acabar com sua dor matando-o”. Pensei em levá-lo para o terreno baldio, mas, como era meio-dia e o sol estava causticante, julguei que o melhor seria deixá-lo ali mesmo, porquanto naquele local haveria sombra durante todo o resto do dia e ele poderia morrer de forma mais tranquila, se é que isso é possível.

À noite eu saí de casa. Retornei por volta das 21 horas e 30 minutos. Quando cheguei, percebi que havia dois gatos na garagem, mas não tinham tocado no rato. Aproximei-me do pobre animal, fiz algum barulho com os pés e notei que ele esboçou uma leve reação e entreabriu os olhos. Portanto, após 26 horas, no mínimo, a pequena criatura ainda estava agonizando.  

No dia seguinte, após o café da manhã, eu resolvi concluir a instalação de alguns acessórios nos banheiros dos meus filhos. Os banheiros foram reformados recentemente. Após tal providência, pensei: “Agora vou descer até a garagem para enterrar o rato.” Eu já estava com os materiais necessários nas mãos quando me dirigi à porta para descer a escada lateral. Já passava das 10 horas.

E eis que a nossa secretária abre a porta vindo da frente da casa. Ela tinha ido recolher as muitas folhas que caem de uma árvore que há na frente da nossa casa. Então, eu lhe perguntei: “Elizabete, você viu um rato lá na garagem?”, ao que ela respondeu “sim”. “Ele está morto?”, continuei. “Não”, disse ela. “O que você fez?”, insisti. “O coloquei num saco junto com as folhas”. Portanto, o animal ainda agonizava passadas cerca de 40 horas. A partir daí eu deixei de acompanhar seu sofrimento.  

Esse é apenas um caso entre muitos milhares ou, quem sabe, até milhões que acontecem todos os dias nas matas, florestas, selvas, nas caatingas, nas savanas, nos mares... e até bem próximo de nós. Quantos animais sofrem por horas e até dias a fio, com fome ou sede, machucados ou feridos, com dores excruciantes, antes de sucumbirem à morte! Para mim não há justificativa moral para tanto sofrimento. A Natureza – esse “ser” abstrato, invisível e intangível –, é implacável: quebrou uma perna, perdeu os dentes, está velho e sem força, ou doente, padeça então até a morte concluir seu trabalho, não importa quanto tempo arqueje moribundo.    

Talvez alguém esteja pensando: “Quanta bobagem! Você preocupado com um simples roedor! Há coisas muito mais importantes às quais devemos direcionar as nossas preocupações! Inclusive o rato é um grande transmissor de doenças para o ser humano!” É verdade, mas a culpa não é dele. Ele não criou a si próprio.

Eu não acho bobagem. E sabe o porquê? Porque por trás do pano de fundo do palco da vida há questões que dizem respeito à existência ou não de princípios morais no alvorecer de todas as coisas e depois na condução da vida. 

Você tem toda a liberdade de pensar o que quiser e de basear seu pensamento no que entender seja a verdade. Eu, porém, não acredito que Deus interfira nesses acontecimentos, pois se assim o fosse eu julgo que Ele seria um Ser cruel e de moral totalmente duvidosa. Para mim a explicação mais plausível é: evolução por seleção natural.

Saulo Alves de Oliveira