sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Não terás nenhum ser humano como tua propriedade

Por Saulo Alves de Oliveira

Eu penso que qualquer pessoa que tem algum conhecimento da Bíblia, mesmo não sendo um teólogo ou um grande biblista, como é o meu caso, e a lê sem fanatismo religioso, concorda que a Bíblia apoiava a escravidão, pelo menos o Velho Testamento. Ainda que se entenda que a escravidão naquela época não tinha o mesmo caráter de um ou dois séculos atrás. Tenho cá minhas dúvidas.

Antes de discordar da afirmação acima, leia ou releia atentamente os seguintes textos: Ex. 21.1-11 e Lv. 25.35-55. Depois fique à vontade para tirar a conclusão que achar conveniente ou correta. 

Eu disse apoiava porque os textos citados estão no VT, mas infelizmente o NT não é taxativamente contrário à escravidão. Nem mesmo Jesus ou qualquer um dos apóstolos se posicionaram de forma explícita contra a escravidão. Ao contrário, Paulo contemporizou com a escravidão no seu tempo (Ef. 6.5-8; Tt. 2.9,10) e Pedro foi ainda mais longe ao ensinar: “Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos vossos senhores, não somente aos bons e moderados, mas também aos maus.” 1 Pe. 2.18. Como se sujeitar aos maus senhores, caro irmão Pedro? Não se muda o mundo aceitando passivamente as injustiças.

Lamentavelmente, pelo menos na minha ótica, há um texto bastante representativo do que era a escravidão nos tempos bíblicos do VT. Ei-lo:

“Se alguém ferir a seu servo (ou a sua serva) com um pau, e este morrer debaixo da sua mão, certamente será castigado; mas se sobreviver um ou dois dias, não será castigado; porque é dinheiro seu.” Ex. 21.20,21.

Se o escravo morresse debaixo de pauladas, seu senhor seria castigado. Entretanto, se morresse 24 ou 48 horas depois, em consequência do castigo, seria como se nada tivesse acontecido, pois era propriedade sua.

Se alguém tiver alguma justificativa para Ex. 21.20,21, fique à vontade.

Ainda segundo Ex. 21.26,27:

“Se alguém ferir o olho do seu servo (ou o olho da sua serva) e o cegar, deixá-lo-á ir forro por causa do seu olho. Da mesma sorte se tirar o dente do seu servo (ou o dente da sua serva), deixá-lo-á ir forro por causa do dente.”

Como assim? Cegar ou tirar o dente do servo acidentalmente ou em consequência de espancamentos? São duas situações totalmente distintas. Em qualquer dos casos, simplesmente deixar ir forro era muito pouco.

No primeiro caso, deveria deixar o servo ir livre e devidamente indenizado. No segundo, também deveria deixá-lo livre e indenizá-lo. Todavia, neste último caso, dada a motivação do dano, justo seria aplicar-se ao senhor uma penalidade indenizatória bem mais pesada, de tal forma que o mesmo sentisse fortemente em seu bolso o custo da sua irresponsabilidade bestial, com um agravante: a penalidade financeira de modo algum deveria livrar o agressor de se submeter ao cumprimento da pena legal de privação da liberdade pelo crime hediondo cometido.  

Parece-me que tudo isso teria sido evitado se em vez de 10 fossem 11 os mandamentos, tendo o décimo primeiro mais ou menos as seguintes palavras:

“Não terás nenhum ser humano como tua propriedade.”