sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Evidências da evolução – Genomas¹ semelhantes

[O genoma humano é semelhante e, em alguns casos, quase igual aos genomas de outros seres vivos]

Com relação a isso, é interessante observar com atenção o genoma da humanidade, e compará-lo aos genomas de vários outros organismos cujas sequências foram até agora desmembradas. Quando se examina a vasta extensão do genoma humano – 3,1 bilhões de letras do código do DNA arranjadas ao longo de 24 cromossomos, várias surpresas aparecem imediatamente.

Uma delas surge quando se verifica que o genoma é realmente pouco usado para codificar a proteína. Apesar de as limitações dos métodos experimentais e de cálculos ainda não fornecerem uma estimativa precisa, há apenas de 20 mil a 25 mil genes que decodificam proteínas no genoma humano. A quantidade total de DNA utilizado por esses genes para decodificar proteínas soma-se a um ínfimo de 1,5% do total. Após uma década esperando encontrar pelo menos 100 mil genes, muitos de nós ficamos pasmos ao descobrir que Deus escreve histórias muito curtas sobre a humanidade. Isso foi algo especialmente chocante, dado o fato de que os cálculos de um gene para outros organismos mais simples, como minhocas, moscas e plantas, parecem estar quase na mesma série, ou seja, por volta de 20 mil.

Outra consequência bastante interessante do estudo de genomas múltiplos é a capacidade de fazer comparações detalhadas de nossa sequência de DNA com as de outros organismos. Por meio de um computador, pode-se escolher determinada extensão do DNA humano e verificar se existe uma sequência semelhante em alguma outra espécie. Se alguém escolher uma região de codificação de um gene humano (ou seja, a parte com instruções para uma proteína), e usá-la para a pesquisa, sempre encontrará uma correspondência bastante significativa com os genomas de outros mamíferos. Muitos genes também encontrarão correspondências diferenciáveis, porém imperfeitas, como peixes. Alguns até encontrarão correspondências com genomas de organismos mais simples, como moscas-das-frutas e vermes cilíndricos. Em alguns casos especiais notáveis, a semelhança irá se estender até os genes de leveduras e mesmo aos das bactérias.

Se, entretanto, escolhermos um pedaço do DNA humano que fica entre os genes, a probabilidade de encontrar uma sequência semelhante nos genomas de outros organismos com uma relação mais distante é reduzida. Não desaparece por completo; por meio de uma busca cuidadosa em computadores, cerca de metade desses fragmentos pode ser equiparada a outros genomas de mamíferos, e quase todos se alinham perfeitamente ao DNA de primatas não-humanos.

O que isso significa? Em dois níveis diferentes, nos fornece um respaldo e tanto para a teoria da evolução de Darwin, ou seja, a descendência de um ancestral comum com a seleção natural atuando em variações que ocorrem de forma aleatória.

Primeiro: no nível do genoma como um todo, um computador pode construir uma árvore da vida tendo como base apenas as semelhanças das sequências de DNA de vários organismos. Tenha em mente que para essa análise não se utiliza nenhuma informação do registro fóssil nem de observações da anatomia de formas de vida atuais. Entretanto, apresenta uma semelhança formidável com as conclusões de estudos de anatomia comparada, tanto de organismos existentes como de restos fossilizados.

Segundo: no genoma, a teoria de Darwin prevê que as mutações que não afetem as funções (a saber, as que se encontram no “DNA lixo”) irão acumular-se de maneira estável com o passar do tempo. No entanto, espera-se que as mutações da região de codificação dos genes sejam observadas com menos frequência, e somente um evento tão raro quanto esse irá proporcionar uma vantagem seletiva e ficará retido durante o processo evolutivo. É exatamente isso que se observa.

Charles Darwin era muito inseguro a respeito de sua teoria da evolução. Talvez por isso tenham se passado quase 25 anos entre o desenvolvimento de sua ideia e a publicação de A Origem das Espécies. Em vários momentos, Darwin deve ter desejado voltar milhões de anos no tempo para observar todos os eventos que sua teoria previa. Claro que ele não podia fazê-lo, nem hoje isso é possível. Contudo, sem uma máquina do tempo Darwin não poderia imaginar uma demonstração digital mais comprobatória de sua teoria do que aquela que encontramos ao estudar o DNA de vários organismos.

Em meados do século XIX, Darwin não poderia saber como seria o mecanismo da evolução por seleção natural. Hoje podemos ver que a variação que ele admitiu como suposição tem o respaldo das mutações que acontecem naturalmente no DNA. Calcula-se que estas ocorram a uma taxa de cerca de um erro a cada 100 milhões de pares de bases por geração (ou seja, falando nisso, como todos nós temos dois genomas, cada um com 3 bilhões de pares, um de nossa mãe e outro de nosso pai, possuímos, grosso modo, sessenta mutações novas que não estavam presentes em nossos pais).

A maioria dessas mutações ocorre em partes não-essenciais do genoma e, portanto, tem pouca ou nenhuma consequência. Aquelas classificadas como partes mais vulneráveis do genoma geralmente são prejudiciais e, dessa forma, eliminadas depressa da população, pois reduzem a adequação reprodutiva. Em raras ocasiões, contudo, uma mutação surgirá ao acaso, oferecendo um leve grau de vantagem seletiva. Essa nova “grafia” de DNA terá um probabilidade pouco maior de ser transmitida a uma geração futura. Durante um longo espaço de tempo, tais eventos raros e favoráveis podem difundir-se amplamente para todos os membros da espécie, resultando, enfim, em importantes mudanças na função biológica.

O estudo dos genomas leva inevitavelmente à conclusão de que nós, humanos, partilhamos um ancestral comum com outras criaturas vivas. Claro que a evidência, por si só, não prova que há um ancestral comum; partindo de uma perspectiva criacionista, tais similaridades poderiam simplesmente demonstrar que Deus usou com êxito princípios de planejamento repetidas vezes. No entanto, como podemos observar, e como foi prenunciado na discussão sobre mutações “silenciosas” em áreas de codificação de proteínas, o estudo detalhado de genomas tornou essa interpretação praticamente insustentável – não apenas sobre todas as outras criaturas vivas, mas também sobre nós.

Como exemplo inicial, vejamos uma comparação entre o genoma humano e o de um camundongo, ambos determinados com muita precisão. O tamanho geral dos dois genomas é, grosso modo, o mesmo, e o inventário de genes que decodificam proteínas apresenta uma semelhança extraordinária. Contudo, observamos depressa outros sinais inconfundíveis de um ancestral comum quando percebemos os detalhes. Por exemplo, a ordem dos genes ao longo dos cromossomos do ser humano e do camundongo é, em geral, mantida com extensões significativas de DNA. Assim, se eu encontrar genes humanos A, B e C, nessa ordem, é provável que ache no camundongo correspondentes de A, B e C também colocados na mesma ordem, apesar de o espaçamento entre os genes poder sofrer alguma variação. Em alguns exemplos, essa correlação estende-se por longas distâncias; virtualmente todos os genes do cromossomo 17 do ser humano, por exemplo, são encontrados no cromossomo 11 do camundongo. Embora se possa defender a ideia de que a ordem dos genes é fundamental para estes funcionarem de modo adequado e, portanto, alguém deve ter elaborado essa ordem em vários atos de criação especial, não há provas, de acordo com a compreensão atual da Biologia Molecular, de que essa restrição precisaria ser aplicada a tais distâncias cromossômicas significativas.

A posição dos humanos na árvore evolucionária recebe apenas um reforço adicional comparada a nosso parente vivo mais próximo, o chimpanzé. Sua sequência de genoma foi agora desvendada, e revela que humanos e chimpanzés são 96% idênticos no DNA.

Mais um exemplo desse relacionamento próximo origina-se de um exame da anatomia dos cromossomos de humanos e de chimpanzés. Os cromossomos são a manifestação visível do genoma do DNA, podendo ser observados em um microscópio ótico na ocasião em que a célula se divide. Cada cromossomo contém centenas de genes. O humano apresenta 23 pares e o chimpanzé, 24. A diferença no número de cromossomos parece uma conseqüência da fusão de dois cromossomos ancestrais, que geraram o cromossomo humano 2. Outro indício de que o humano seja uma fusão aparece quando se estudam o gorila e o orangotango – cada um deles tem 24 pares de cromossomos, como o chimpanzé.

Recentemente, ao se determinar a sequência completa do genoma humano, tornou-se possível observar o local exato onde essa fusão cromossômica deve ter ocorrido. A sequência nesse local – juntamente com o braço longo do cromossomo 2 – é, de fato, extraordinária. Sem entrar em pormenores técnicos, direi apenas que sequências especiais ocorrem nas extremidades de todos os cromossomos de primatas. Em geral, essas sequências não acontecem em mais nenhum outro local. No entanto, são encontradas bem onde a evolução teria previsto, no meio do cromossomo de nosso segundo cromossomo fundido. A fusão que ocorreu à medida que evoluímos a partir de símios deixou seu DNA estampado. Fica muito difícil entender essa observação sem admitir a suposição de um ancestral comum.    

No entanto, outro argumento para a ancestralidade comum entre chimpanzés e humanos vem da observação peculiar daquilo que chamamos de pseudogenes. Estes são genes que apresentam quase todas as propriedades de um manual de instruções de um DNA funcional, mas são perturbados por uma ou mais falhas pequenas que transformam seu roteiro em algo sem sentido. Quando comparamos chimpanzés com humanos, verificamos que aparecem genes raros com uma função nítida em uma espécie, mas não em outra, pois adquiriram uma ou mais mutações nocivas. O gene humano conhecido como caspase-12, por exemplo, suportou muitos golpes para ser derrotado, embora seja encontrado num lugar relativo idêntico no chimpanzé. O gene caspase-12 do chimpanzé trabalha bem, assim como o gene semelhante em quase todos os mamíferos, inclusive os camundongos. Se os humanos surgiram em consequência de um ato sobrenatural, por que Deus se daria ao trabalho de inserir um gene sem função exatamente ali?

Em outro exemplo, houve recentemente muito interesse cercando o gene chamado FOXP2, dada a sua função potencial para o desenvolvimento da linguagem. A história do FOXP2 começou com a identificação de uma única família na Inglaterra; durante três gerações, seus membros tinham sérias dificuldades para falar. Esforçavam-se muito para processar palavras de acordo com as regras gramaticais, compreender estruturas de frases e mover os músculos da boca, da face e das pregas vocais para articular determinados sons.

Num grande esforço de investigação genético-detetivesca, descobriu-se que os membros dessa família tinham uma única letra do código de DNA com a grafia incorreta, no gene FOXP2, do cromossomo 7. O fato de um único gene com um erro sutil de grafia poder causar tamanha deficiência de linguagem sem outras consequências óbvias era bastante surpreendente.

A surpresa logo ficou mais intensa quando se mostrou que a sequência do mesmo gene FOXP2 tinha permanecido estável, de forma extraordinária, em quase todos os mamíferos. A exceção mais dramática, contudo, são os humanos, nos quais duas mudanças substanciais ocorreram na área de codificação do gene, aparentemente há recentes 100 mil anos. A hipótese sugerida por esses dados é de que essas mudanças ocorridas há pouco no FOXP2 podem ter, de algum modo, contribuído para o desenvolvimento da linguagem em seres humanos.              
  
Os exemplos aqui relatados com base no estudo dos genomas, somados a outros que poderiam encher milhares de livros do tamanho deste, fornecem o tipo de respaldo molecular à teoria da evolução que convenceu praticamente todos os biólogos em atividade de que a estrutura de Darwin sobre a variação e a seleção natural está inquestionavelmente correta. Na verdade, para quem, como eu, trabalha com genética, é quase impossível imaginar uma correlação das imensas quantidades de dados surgidos de estudos de genomas sem os fundamentos da teoria de Darwin. Como afirmou Theodosius Dobzhansky, destacado biólogo do século XX (e devoto da Igreja Cristã Ortodoxa do Oriente): “Nada tem sentido na Biologia, exceto à luz da evolução”.

Francis S. Collins, em “A linguagem de Deus”

¹Genoma é o conjunto de todos os genes que se encontram no núcleo de cada célula e que define todas as características e como vai funcionar um ser vivo.