domingo, 1 de maio de 2011

A resposta que não é "A Resposta"

Imagem baseada em uma foto de Glorinha, minha sogra, aos 18 anos de idade, retirada de um álbum de scrapbook preparado por sua filha Sulanira


Nós ainda não sabemos se há vida em outros planetas. No universo conhecido, existem bilhões e bilhões de galáxias com seus trilhões e trilhões de estrelas e planetas. Por que só a Terra foi agraciada com a vida? Pensar assim é muita pretensão do ser humano. Seria um enorme desperdício. No entanto, de uma coisa nós temos certeza: não há simplesmente vida na Terra, há também vida inteligente. E algo une todos os seres vivos. Todos nascem, crescem, se reproduzem e morrem. Dos vermes ao ser humano. Do menor vegetal à sequoia gigante que pode viver por milênios e, neste período, ultrapassar os 100 m de altura e algumas dezenas de metros de circunferência em sua base. É uma lei natural. Dura e muitas vezes nos parece cruel. A morte é talvez o que há de mais inexorável na existência de todos os seres vivos que habitam a Terra, nosso maravilhoso planeta. Seu caráter inevitável também é certo.
  
Ela não tem qualquer escrúpulo ao levar recém-nascidos ou adolescentes deixando seus pais inconsolados.  Também não se comove perante crianças indefesas que choram a morte de seus pais, seus protetores.

É o trabalho implacável da natureza, que não é boa nem má, mas tão somente indiferente.

Eu já passei por algumas experiências de morte de pessoas muito próximas a mim. A primeira ocorreu quando eu ainda era criança, há quase 50 anos. Minha mãe estava grávida de uma menininha que receberia o nome de Salimar. Lembro de ver minha mãe, Maria Carlos, à maquina de costura bordando as roupinhas para o pequeno enxoval. Eu era o caçula da família e aguardava com ansiedade a chegada da minha nova irmãzinha. Infelizmente ela nasceu morta. Sofri bastante... Meu sonho se frustrou... A morte de Salimar, entretanto, não me deixou traumas emocionais.

Os anos se passaram. Cresci... casei... e tive filhos. Em 1989, perdi minha sogra que tinha apenas 51 anos de idade.

Em 1998, meu sogro nos deixou aos 91 anos. Ele era conhecido como Joca Macedo. Era um homem de princípios rígidos e muito rigoroso no trato com a família, não que a maltratasse, pelo contrário, era um pai zeloso, mas não aceitava questionamento das suas ordens. Joca teve uma vida muito difícil, trabalhou muito, desde sua infância em Lagoa de Pedras/RN até aos 65 anos quando, após alguns problemas de saúde, complicações da tireóide e muito estresse, foi obrigado a se aposentar. Foi uma pessoa extremamente correta em seus negócios, tanto é que, após várias décadas como comerciante, não ficou rico.

Entretanto, por trás daquela aparência de austeridade, havia um ser humano brincalhão, que gostava de dizer coisas engraçadas, até contar piadas. Certa vez ele me perguntou: “Você já viu um cachorro do rabo pra frente?” Pensei um pouco e, obviamente, respondi “não.” Ele arrematou: “Todo cachorro é cachorro do rabo pra frente, pois do rabo pra trás não tem nada.” Joca deixou saudades.

Em 2006 foi a vez de Maria Carlos partir aos 81 anos de idade. Minha mãe era uma pessoa de difícil convivência mas sei que ela me amava e eu também a amava. Eu a respeitava com sinceridade e sei que a recíproca era verdadeira.

Eu trabalhei no Recife durante quase onze anos e viajava nas madrugadas das segundas-feiras e só retornava nas sextas-feiras seguintes, à noite. Sinto muito sua falta e jamais esquecerei os seus beijos carinhosos e sua mão que afagava o meu rosto nos domingos à noite quando ela ia comigo até o portão de sua casa para se despedir de mim. Tantas vezes ela me disse: “Meu filho, quando vai acabar esse seu sofrimento? Sua vitória será grande.” Era uma forma de me consolar. Ela passou todo esse tempo orando pelo meu retorno para Natal, no entanto não teve o prazer de alcançá-lo. Eu quase cheguei a dizer-lhe: “Mamãe, não precisa mais orar por isso.” Quem me dera encontrá-la para abraçá-la e conversarmos ao menos cinco minutos.

Minha mãe era uma crente sincera e muita preocupada quanto ao cumprimento dos preceitos bíblicos à risca. Ela era, junto com meu pai, que ainda vive, uma espécie de ancoradouro para o meu barco durante as revoltosas ondas do mar da vida. Eu não lhe confidenciava todas as minhas dificuldades, porém, estar ao seu lado ou apenas saber que ela existia, já era um grande bálsamo para a dor.

Já faz mais de quatro anos que Maria Carlos se foi. Só ficaram a saudade e o prazer de saber que ela foi o veículo que me trouxe ao mundo para desfrutar dessa coisa tão sublime e extasiante que é a vida.     

Relatei os fatos na forma acima apenas para apresentá-los cronologicamente. Todavia quero dar ênfase ao caso da minha sogra, pois é a razão principal dessa reflexão.

Seu nome era Maria da Glória de Oliveira Macedo, conhecida como Glorinha. Era uma boa esposa, mãe, dona de casa e sogra. Serei eternamente grato pela ajuda que nos deu, a mim e à minha esposa, quando nossos filhos eram pequenos. Assumir os afazeres de uma casa, atender a um marido 32 anos mais velho – portanto de outra geração –, cuidar de três outros filhos e muitas vezes ficar com uma neta o dia todo nos primeiros anos de vida, sem reclamar, só mesmo uma pessoa muito especial. Jamais vi Glorinha demonstrar consaço. Jamais vi qualquer demonstração de má vontade em seu rosto. Sempre fui bem recebido em sua residência. Nunca lhe dei um beijo ou um abraço. Lamento profundamente essa minha atitude. Se eu pudesse voltar no tempo! Quem sabe um dia a ciência consiga essa façanha.

Além de tudo isso, minha sogra era uma cristã evangélica sincera e dedicada. Frequentava regularmente os cultos e ainda encontrava tempo para ensinar na Escola Bíblica Dominical e, o que era muito importante para ela, visitava os doentes todas as semanas rigorosamente. Foi muitas e muitas vezes ao hospital do câncer levar uma mensagem de consolo aos que lá estavam e não raro baixava-se e falava ao ouvido dos doentes terminais.

Em 1988 minha sogra começou a perder peso e a enfraquecer. Em janeiro do ano seguinte, a doença foi diagnosticada: câncer no intestino grosso com metástase no fígado. Parecia uma ironia. Aquela que consolara tantas vítimas do câncer, agora também era vítima do mesmo mal. Menos de dois meses depois, Glorinha nos deixou.

Lembro como tudo aconteceu naquela noite. Ela estava muito mal, então a família resolveu levá-la para o hospital. Já tarde, uma de suas irmãs disse: “Vão para casa, eu passo a noite com Glorinha.” De madrugada, não sei ao certo a hora, o telefone tocou e uma voz falou: “Venham para o hospital, pois Glorinha está morrendo.” Ao entrar no quarto do hospital, me deparei com uma cena que jamais esquecerei. Glorinha inerte sobre a cama, ainda com o tubo a insuflar-lhe oxigênio - lembro-me do barulho característico do gás sendo expelido -, e um fio de sangue a escorrer-lhe do canto de sua boca.

Não pude conter a emoção. Saí para o corredor do hospital e chorei profundamente. Não eram apenas lágrimas de tristeza pela morte da minha sogra. A essência do meu ser também chorava, pois senti uma enorme decepção. Algo se foi junto com ela. Naquele momento - anos depois eu descobri - algumas coisas começaram a morrer dentro de mim.

Talvez mais do que seus filhos, eu não acreditava que ela morreria daquela doença. Por quê?, pode alguém perguntar. Porque eu tinha fé e a Bíblia diz “...pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele há de passar; e nada vos será impossível.” Portanto, enquanto havia vida, eu acreditava que ela seria curada. Eu orei muito por isso.

Jesus também afirmou certa vez: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede, recebe; e quem busca, acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.”          
                
Eu dissera ao monte “joga-te ao mar” e ele sequer se mexeu. Seria a minha fé menor do que um grão de mostarda? É possível!

Eu pedi, pedi, e obtive o silêncio como resposta. Não me convence nem me satisfaz a teologia que diz que o silêncio de Deus é uma resposta. Talvez algumas pessoas creiam assim porque isso lhes traz conforto.

Eu bati, bati, e a porta não se abriu. Talvez eu tenha batido na porta errada.

Na verdade, eu fui reprovado no primeiro grande teste da minha vida. E isso teve um custo extremamente importante. Quem sabe um dia eu volte ao assunto!    

Já se passaram mais de 22 anos e durante muito tempo eu questionei o porquê da minha sogra morrer tão jovem e naquelas condições. E jamais encontrei "A Resposta".

Contudo, hoje eu sei por que Glorinha Macedo morreu aos 51 anos de idade. A resposta está neste texto. Caberá a você identificá-la, se for do seu interesse.

Saulo Alves de Oliveira

Um comentário:

  1. Caríssimo Saulo, desejo dizer-lhe que gostei muito de sua primeira reflexão, sobre pessoas tão importante em nossas vidas. Ainda que distante de nós, elas continuam presente. A resposta, como falaste está no texto. Vou reler para encontrá-la.
    Ronaldo Macêdo.

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