sexta-feira, 16 de março de 2018

Barbárie versus barbárie

Por Saulo Alves de Oliveira

Confesso-lhes que me impressionam a tranquilidade e, às vezes, a aprovação de muitos cristãos a toda barbárie cometida por Israel, num passado longínquo, contra os povos tidos como seus inimigos. Lamentavelmente, isso não se restringe ao passado. Ainda hoje é assim. A minha impressão é que muitos cristãos apoiam Israel incondicionalmente. Parece que Israel era – e tudo indica que ainda é nos nossos dias – tal qual o famoso espião James Bond, o agente de ficção 007, o qual, a serviço de Sua Majestade, tinha permissão para assassinar qualquer inimigo.

Há algo bem interessante e contraditório nessa história. Algumas nações contemporâneas de Israel nos tempos do Antigo Testamento eram formadas por povos muito atrasados, ignorantes e bárbaros, pois sacrificavam alguns dos seus filhos aos seus deuses   .

Moloque era um desses deuses antigos, deus dos amonitas, um dos povos inimigos de Israel. Moloque tinha aparência de corpo humano, com cabeça de boi ou leão. Havia uma cavidade no seu ventre onde era colocado fogo. Crianças eram jogadas ali e queimadas vivas, em sacrifício àquela divindade. Tempos bárbaros, de atitudes igualmente bárbaras.

Israel, por sua vez, povo que servia ao verdadeiro Deus, cometia atos de barbárie ainda maior ao promover e executar o assassinato em massa de inocentes crianças. O exército de Israel efetuava, de forma indiscriminada, a matança de todas as crianças de uma cidade ou de um povo, além de matar todos os adultos e animais, às vezes de forma covarde, e destruir todas as cidades que eram atacadas. Em resumo: Israel combatia a barbárie cometendo barbárie ainda maior. Se os povos antigos ofereciam alguns de seus filhos aos deuses, Israel os oferecia todos à morte.   
  
Às vezes eu me pergunto: “Como é que Deus mandou matar, e o pior, de forma indiscriminada? Por que Deus mandou o antigo Israel trucidar populações inteiras, cometendo verdadeiros genocídios e, pasmem, infanticídios?”

Vai, pois, agora e fere a Amaleque, e o destrói totalmente com tudo o que tiver; não o perdoes, porém matarás homens e mulheres, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos.

1 Samuel 15.3

Sinceramente, por mais que eu tente, não consigo alcançar o topo dessa ideia para vislumbrar o significado altruísta de tudo isso. Parece-me sugestivo de verdades desconcertantes, as quais, no momento, prefiro manter no meu cofre dos segredos, do qual só eu tenho a chave. Sinto-me profundamente incomodado e meu espírito não encontra afinidade com tais práticas, que revelam o caráter animalesco e monstruoso do ser humano. A diferença é que os animais não têm consciência do mal. A minha repulsa a toda aquela crueldade é maior que qualquer justificativa ou desculpa já ouvidas.

É claro que os estudiosos da Bíblia, especialmente os cristãos, têm uma explicação para tanta violência, mas isso não resolve o problema. A questão é saber se as justificativas são morais ou não.

Uma das justificativas é a de que Deus é soberano e assim, como qualquer juiz que julga, dá a sentença e ordena que outros a cumpram, Deus julgou aqueles povos e, segundo sua vontade que não nos compete questionar, achou-os dignos de morte e escolheu Israel para fazer cumprir sua sentença. Deus mata quem Ele quer, da forma que Ele quer, quando Ele quer e não nos cabe questionar, mas simplesmente, como criaturas, aceitar. Por mais incompreensível que nos possa parecer, não nos compete fazer qualquer questionamento, dizem alguns estudiosos cristãos. Talvez os muçulmanos que matam os “infiéis” – infiéis na ótica dos próprios muçulmanos –, também pensem assim. Quem sabe os cruzados também pensassem assim. A Inquisição Católica sem dúvida alguma pensava dessa forma!

Num esforço enorme para superar os valores morais que defendo, suponhamos que os adultos merecessem, por seus crimes e pecados, a morte. É quase intransponível aceitar a ideia de que todos os adultos merecessem ser aniquilados cruelmente ao fio da espada. Todavia, e as crianças, que crimes cometeram? Quais foram os seus pecados? Pagaram pelos pecados dos seus pais? Qual o princípio moral que diz que isso é aceitável?

Não se farão morrer os pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um morrerá pelo seu próprio pecado.

Deuteronômio 24.16

Alguém pode alegar que as crianças no futuro, ao se tornarem adultas, poderiam se vingar dos algozes dos seus pais, portanto mereciam morrer pelo pecado que ainda não tinham cometido. Sob qualquer ângulo moral isso não se sustenta, pois ninguém pode pagar antecipadamente por um crime que suposta ou provavelmente vai cometer no futuro. Julgo que apenas na cabeça de pessoas desprovidas de qualquer senso de justiça isso pode encontrar alguma razão plausível.

E há um fato que põe totalmente por terra essas alegações. Por que os animais também eram mortos? Não há qualquer justificativa moral para sua morte. Animal não comete pecado nem tem consciência do mesmo, tampouco poderia cometer atos de vingança no futuro.

Infelizmente, até hoje nenhuma explicação que eu ouvi me satisfez, sobretudo sobre o ponto de vista de um Deus cujo “benignidade dura para sempre”.

Quem sabe eu ainda encontre uma explicação que me convença da justeza moral de toda barbárie e violência que encontramos no Velho Testamento!

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