[O genoma humano é semelhante e,
em alguns casos, quase igual aos genomas de outros seres vivos]
Com relação a isso, é interessante observar com atenção o
genoma da humanidade, e compará-lo aos genomas de vários outros organismos
cujas sequências foram até agora desmembradas. Quando se examina a vasta
extensão do genoma humano – 3,1 bilhões de letras do código do DNA arranjadas
ao longo de 24 cromossomos, várias surpresas aparecem imediatamente.
Uma delas surge quando se verifica que o genoma é realmente
pouco usado para codificar a proteína. Apesar de as limitações dos métodos
experimentais e de cálculos ainda não fornecerem uma estimativa precisa, há
apenas de 20 mil a 25 mil genes que decodificam proteínas no genoma humano. A
quantidade total de DNA utilizado por esses genes para decodificar proteínas
soma-se a um ínfimo de 1,5% do total. Após uma década esperando encontrar pelo
menos 100 mil genes, muitos de nós ficamos pasmos ao descobrir que Deus escreve
histórias muito curtas sobre a humanidade. Isso foi algo especialmente
chocante, dado o fato de que os cálculos de um gene para outros
organismos mais simples, como minhocas, moscas e plantas, parecem estar quase
na mesma série, ou seja, por volta de 20 mil.
Outra consequência bastante interessante do estudo de
genomas múltiplos é a capacidade de fazer comparações detalhadas de nossa sequência
de DNA com as de outros organismos. Por meio de um computador, pode-se escolher
determinada extensão do DNA humano e verificar se existe uma sequência
semelhante em alguma outra espécie. Se alguém escolher uma região de
codificação de um gene humano (ou seja, a parte com instruções para uma
proteína), e usá-la para a pesquisa, sempre encontrará uma correspondência bastante
significativa com os genomas de outros mamíferos. Muitos genes também
encontrarão correspondências diferenciáveis, porém imperfeitas, como peixes.
Alguns até encontrarão correspondências com genomas de organismos mais simples,
como moscas-das-frutas e vermes cilíndricos. Em alguns casos especiais
notáveis, a semelhança irá se estender até os genes de leveduras e mesmo aos
das bactérias.
Se, entretanto, escolhermos um pedaço do DNA humano que fica
entre os genes, a probabilidade de encontrar uma sequência semelhante nos
genomas de outros organismos com uma relação mais distante é reduzida. Não
desaparece por completo; por meio de uma busca cuidadosa em computadores, cerca
de metade desses fragmentos pode ser equiparada a outros genomas de mamíferos,
e quase todos se alinham perfeitamente ao DNA de primatas não-humanos.
O que isso significa? Em dois níveis diferentes, nos fornece
um respaldo e tanto para a teoria da evolução de Darwin, ou seja, a
descendência de um ancestral comum com a seleção natural atuando em variações
que ocorrem de forma aleatória.
Primeiro: no nível do genoma como um todo, um computador
pode construir uma árvore da vida tendo como base apenas as semelhanças das sequências
de DNA de vários organismos. Tenha em mente que para essa análise não se
utiliza nenhuma informação do registro fóssil nem de observações da anatomia de
formas de vida atuais. Entretanto, apresenta uma semelhança formidável com as
conclusões de estudos de anatomia comparada, tanto de organismos existentes
como de restos fossilizados.
Segundo: no genoma, a teoria de Darwin prevê que as mutações
que não afetem as funções (a saber, as que se encontram no “DNA lixo”) irão
acumular-se de maneira estável com o passar do tempo. No entanto, espera-se que
as mutações da região de codificação dos genes sejam observadas com menos frequência,
e somente um evento tão raro quanto esse irá proporcionar uma vantagem seletiva
e ficará retido durante o processo evolutivo. É exatamente isso que se observa.
Charles Darwin era muito inseguro a respeito de sua teoria
da evolução. Talvez por isso tenham se passado quase 25 anos entre o
desenvolvimento de sua ideia e a publicação de A Origem das Espécies. Em vários momentos, Darwin deve ter
desejado voltar milhões de anos no tempo para observar todos os eventos que sua
teoria previa. Claro que ele não podia fazê-lo, nem hoje isso é possível.
Contudo, sem uma máquina do tempo Darwin não poderia imaginar uma demonstração
digital mais comprobatória de sua teoria do que aquela que encontramos ao
estudar o DNA de vários organismos.
Em meados do século XIX, Darwin não poderia saber como seria
o mecanismo da evolução por seleção natural. Hoje podemos ver que a variação
que ele admitiu como suposição tem o respaldo das mutações que acontecem
naturalmente no DNA. Calcula-se que estas ocorram a uma taxa de cerca de um
erro a cada 100 milhões de pares de bases por geração (ou seja, falando nisso,
como todos nós temos dois genomas, cada um com 3 bilhões de pares, um de nossa
mãe e outro de nosso pai, possuímos, grosso
modo, sessenta mutações novas que não estavam presentes em nossos pais).
A maioria dessas mutações ocorre em partes não-essenciais do
genoma e, portanto, tem pouca ou nenhuma consequência. Aquelas classificadas
como partes mais vulneráveis do genoma geralmente são prejudiciais e, dessa
forma, eliminadas depressa da população, pois reduzem a adequação reprodutiva.
Em raras ocasiões, contudo, uma mutação surgirá ao acaso, oferecendo um leve
grau de vantagem seletiva. Essa nova “grafia” de DNA terá um probabilidade
pouco maior de ser transmitida a uma geração futura. Durante um longo espaço de
tempo, tais eventos raros e favoráveis podem difundir-se amplamente para todos
os membros da espécie, resultando, enfim, em importantes mudanças na função
biológica.
O estudo dos genomas leva inevitavelmente à conclusão de que
nós, humanos, partilhamos um ancestral comum com outras criaturas vivas. Claro
que a evidência, por si só, não prova que há um ancestral comum; partindo de
uma perspectiva criacionista, tais similaridades poderiam simplesmente
demonstrar que Deus usou com êxito princípios de planejamento repetidas vezes.
No entanto, como podemos observar, e como foi prenunciado na discussão sobre
mutações “silenciosas” em áreas de codificação de proteínas, o estudo detalhado
de genomas tornou essa interpretação praticamente insustentável – não apenas
sobre todas as outras criaturas vivas, mas também sobre nós.
Como exemplo inicial, vejamos uma comparação entre o genoma
humano e o de um camundongo, ambos determinados com muita precisão. O tamanho
geral dos dois genomas é, grosso modo,
o mesmo, e o inventário de genes que decodificam proteínas apresenta uma
semelhança extraordinária. Contudo, observamos depressa outros sinais
inconfundíveis de um ancestral comum quando percebemos os detalhes. Por
exemplo, a ordem dos genes ao longo dos cromossomos do ser humano e do
camundongo é, em geral, mantida com extensões significativas de DNA. Assim, se
eu encontrar genes humanos A, B e C, nessa ordem, é provável que ache no
camundongo correspondentes de A, B e C também colocados na mesma ordem, apesar
de o espaçamento entre os genes poder sofrer alguma variação. Em alguns
exemplos, essa correlação estende-se por longas distâncias; virtualmente todos
os genes do cromossomo 17 do ser humano, por exemplo, são encontrados no
cromossomo 11 do camundongo. Embora se possa defender a ideia de que a ordem
dos genes é fundamental para estes funcionarem de modo adequado e, portanto,
alguém deve ter elaborado essa ordem em vários atos de criação especial, não há
provas, de acordo com a compreensão atual da Biologia Molecular, de que essa
restrição precisaria ser aplicada a tais distâncias cromossômicas
significativas.
A posição dos humanos na árvore evolucionária recebe apenas
um reforço adicional comparada a nosso parente vivo mais próximo, o chimpanzé.
Sua sequência de genoma foi agora desvendada, e revela que humanos e chimpanzés
são 96% idênticos no DNA.
Mais um exemplo desse relacionamento próximo origina-se de
um exame da anatomia dos cromossomos de humanos e de chimpanzés. Os cromossomos
são a manifestação visível do genoma do DNA, podendo ser observados em um
microscópio ótico na ocasião em que a célula se divide. Cada cromossomo contém
centenas de genes. O humano apresenta 23 pares e o chimpanzé, 24. A diferença no número de
cromossomos parece uma conseqüência da fusão de dois cromossomos ancestrais,
que geraram o cromossomo humano 2. Outro indício de que o humano seja uma fusão
aparece quando se estudam o gorila e o orangotango – cada um deles tem 24 pares
de cromossomos, como o chimpanzé.
Recentemente, ao se determinar a sequência completa do
genoma humano, tornou-se possível observar o local exato onde essa fusão
cromossômica deve ter ocorrido. A sequência nesse local – juntamente com o
braço longo do cromossomo 2 – é, de fato, extraordinária. Sem entrar em
pormenores técnicos, direi apenas que sequências especiais ocorrem nas
extremidades de todos os cromossomos de primatas. Em geral, essas sequências
não acontecem em mais nenhum outro local. No entanto, são encontradas bem onde
a evolução teria previsto, no meio do cromossomo de nosso segundo cromossomo
fundido. A fusão que ocorreu à medida que evoluímos a partir de símios deixou
seu DNA estampado. Fica muito difícil entender essa observação sem admitir a
suposição de um ancestral comum.
No entanto, outro argumento para a ancestralidade comum
entre chimpanzés e humanos vem da observação peculiar daquilo que chamamos de
pseudogenes. Estes são genes que apresentam quase todas as propriedades de um
manual de instruções de um DNA funcional, mas são perturbados por uma ou mais
falhas pequenas que transformam seu roteiro em algo sem sentido. Quando
comparamos chimpanzés com humanos, verificamos que aparecem genes raros com uma
função nítida em uma espécie, mas não em outra, pois adquiriram uma ou mais
mutações nocivas. O gene humano conhecido como caspase-12, por exemplo,
suportou muitos golpes para ser derrotado, embora seja encontrado num lugar
relativo idêntico no chimpanzé. O gene caspase-12 do chimpanzé trabalha bem,
assim como o gene semelhante em quase todos os mamíferos, inclusive os
camundongos. Se os humanos surgiram em consequência de um ato sobrenatural, por
que Deus se daria ao trabalho de inserir um gene sem função exatamente ali?
Em outro exemplo, houve recentemente muito interesse
cercando o gene chamado FOXP2, dada a sua função potencial para o
desenvolvimento da linguagem. A história do FOXP2 começou com a identificação de
uma única família na Inglaterra; durante três gerações, seus membros tinham
sérias dificuldades para falar. Esforçavam-se muito para processar palavras de
acordo com as regras gramaticais, compreender estruturas de frases e mover os
músculos da boca, da face e das pregas vocais para articular determinados sons.
Num grande esforço de investigação genético-detetivesca,
descobriu-se que os membros dessa família tinham uma única letra do código de
DNA com a grafia incorreta, no gene FOXP2, do cromossomo 7. O fato de um único
gene com um erro sutil de grafia poder causar tamanha deficiência de linguagem
sem outras consequências óbvias era bastante surpreendente.
A surpresa logo ficou mais intensa quando se mostrou que a
sequência do mesmo gene FOXP2 tinha permanecido estável, de forma
extraordinária, em quase todos os mamíferos. A exceção mais dramática, contudo,
são os humanos, nos quais duas mudanças substanciais ocorreram na área de
codificação do gene, aparentemente há recentes 100 mil anos. A hipótese sugerida
por esses dados é de que essas mudanças ocorridas há pouco no FOXP2 podem ter,
de algum modo, contribuído para o desenvolvimento da linguagem em seres
humanos.
Os exemplos aqui relatados com
base no estudo dos genomas, somados a outros que poderiam encher milhares de
livros do tamanho deste, fornecem o tipo de respaldo molecular à teoria da
evolução que convenceu praticamente todos os biólogos em atividade de que a
estrutura de Darwin sobre a variação e a seleção natural está inquestionavelmente correta. Na verdade, para quem, como eu,
trabalha com genética, é quase impossível imaginar uma correlação das imensas
quantidades de dados surgidos de estudos de genomas sem os fundamentos da
teoria de Darwin. Como afirmou Theodosius Dobzhansky, destacado biólogo do
século XX (e devoto da Igreja Cristã Ortodoxa do Oriente): “Nada tem sentido na
Biologia, exceto à luz da evolução”.
Francis S. Collins,
em “A linguagem de Deus”
¹Genoma é o
conjunto de todos os genes que se encontram no núcleo de cada célula e que
define todas as características e como vai funcionar um ser vivo.