Por Saulo Alves de
Oliveira
Em
um passado remoto, segundo o Gênesis, Deus resolveu destruir as cidades de
Sodoma e Gomorra com todos os seus habitantes. Motivo: “...porquanto o seu
pecado se tem agravado muito...” – Gn. 18. 20.
Previamente,
no entanto, Deus decidiu comunicar ao patriarca Abraão aquela sua decisão que
encerrava gravíssimas consequências.
Ao
tomar conhecimento daquela tragédia iminente, Abraão dialoga com Deus e faz
vários questionamentos. Após um interessante diálogo com o patriarca, o Senhor
diz que não destruiria as cidades se lá fossem encontrados pelo menos 10
justos.
Supõe-se,
evidentemente, que o Senhor não encontrou os 10 justos, pois as duas cidades e
todos os seus moradores foram destruídos pelo fogo caído do céu, poupando-se
apenas Ló, sua mulher e suas duas filhas. Na realidade, segundo o relato
bíblico, a mulher de Ló também morreu, pois, ao olhar para trás, ficou
convertida em uma estátua de sal.
Quem
se interessar pode ler ou relembrar a história no livro do Gênesis, capítulos
18 e 19.
Após
meditar sobre a história de Ló, essas são as reflexões que invadem a minha
mente:
-
Tratando-se de dois ajuntamentos humanos, é lógico admitir que havia crianças
em Sodoma e Gomorra;
-
Se havia crianças, é plenamente aceitável admitir que havia seres inocentes;
-
Se havia seres inocentes, penso que é correto admitir que, se eram inocentes, aqueles
seres eram justos.
(Vou
me abster de fazer referência aos animais)
-
Portanto, se havia crianças em Sodoma e Gomorra, por que mesmo assim o Senhor
destruiu totalmente as duas cidades, matando todos os seus moradores?
Eu
já li a seguinte justificativa – para essa situação inaceitável sob o ponto de
vista moral de qualquer povo minimamente civilizado: inocente não quer dizer
obrigatoriamente não ímpio. Portanto, Deus destruiu todos os ímpios, e aquelas
crianças, apesar de inocentes, também eram ímpias (sic). O que vem confirmar as
minhas observações ao longo dos anos: dada uma determinada situação, por mais
absurda que seja, se está na Bíblia, alguém sempre encontra uma forma de
justificá-la. Tenho a impressão de que dá-se aí uma tentativa de acalmar a própria
consciência ou alcançar, a qualquer custo, o beneplácito do Criador.
Há
quem justifique até a terrível ordenança de I Sm. 15.3: “Vai, pois, agora e
fere a Amaleque, e o destrói totalmente com tudo o que tiver; não o poupes,
porém matarás homens e mulheres, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas,
camelos e jumentos”. E, para contornar a dificuldade, levanta-se a hipótese de
linguagem hiperbólica, isto é, não era bem aquilo que o Senhor ordenara. Um
verdadeiro exercício de contorcionismo mental para justificar algo que já está
evidente.
Na realidade, o texto é claríssimo. Leia todo
o capítulo de I Sm. 15 e você verá inclusive que Saul foi rejeitado como rei de
Israel porque não cumpriu toda a ordem do Senhor, pois preservou o melhor do
rebanho. Deus mandou destruir tudo, tudo mesmo, inclusive as crianças e os
recém-nascidos (sic).
Eu
não entendo como crianças podem ser ímpias, dadas as seguintes palavras de Jesus:
“Deixai vir a mim as crianças, e não as impeçais, porque de tais é o reino dos
céus”. Você entende? Ímpios podem herdar o reino dos céus? Bom, para os judeus
certamente essa declaração não tem nenhum valor. Ou, nesse caso, Jesus se
referia apenas às crianças judias?
Para
sair desse cerco, talvez alguns usem a porta de Dt. 29.29 e se satisfaçam.
Quanto a mim, continuarei insistindo na pergunta. Quem sabe um dia eu encontre
uma resposta razoável.