sexta-feira, 24 de julho de 2020

Abraão e o sacrifício (ou seria tortura?) de Isaque

Por Saulo Alves de Oliveira

O sacrifício de Isaque" | Bible art, Painting, Art

Se quiser relembrar a história você pode lê-la no livro do Gênesis, capítulo 22, versículos 1 ao 18.

Há vários episódios marcantes na vida do patriarca Abraão, o homem que deu origem aos israelitas e aos árabes. No entanto eu quero ressaltar apenas dois casos. No primeiro episódio, sua atitude foi louvável e, de certa forma, corajosa. No outro, todavia, seu comportamento foi no mínimo questionável. Refiro-me aos eventos relacionados à destruição das cidades de Sodoma e Gomorra e ao quase assassinato – ou seria tortura psicológica? – do seu filho Isaque, respectivamente. 

No episódio de Sodoma e Gomorra, Deus diz a Abraão que irá destruir as duas cidades por conta dos pecados dos seus habitantes. Abraão, neste caso, tem um comportamento moral digno de ser ressaltado. Ele argui, pondera, questiona e faz sugestões a Deus.

E se houver 50 justos naquelas cidades... 45 justos, 40, 30, 20, 10... Abraão negocia com Deus e, em certa medida, é vitorioso, pois em todos os casos Deus lhe responde: “Não destruirei as cidades”.

Nos eventos relacionados às cidades de Sodoma e Gomorra, Abraão não parece aquele homem de personalidade tímida, sem coragem para reagir, um fraco, quando Deus lhe pede que sacrifique seu filho Isaque e ele aceita pacificamente, sem esboçar qualquer reação que demonstrasse minimamente sua insatisfação. Isaque seria assassinado e queimado em holocausto.
    
Imagine-se no lugar de Isaque. Imagine-se amarrado e deitado sobre a lenha em cima de um altar. Imagine agora que essa lenha se transformaria em uma fogueira que carbonizaria seu corpo, fogueira que normalmente era usada para queimar animais sacrificados. Sinta o que Isaque sentiu no exato momento em que vê seu próprio pai levantando uma faca para cravá-la no seu peito ou então cortar-lhe a garganta! (sic)

Imaginou? Sentiu?

Sim, pode-se argumentar, na hora “h” ele foi salvo. É verdade, mas não sem antes sofrer toda a agonia inerente àquele que está nos últimos momentos da caminhada para enfrentar a forca ou a câmara de gás ou o pelotão de fuzilamento. Isaque não sabia que seria salvo no último instante, portanto deve ter experimentado todos os terrores e angústias próprios de quem está encarando os rostos dos seus executores com os rifles apontados para o seu coração e aguarda a palavra final “atirar”.  

(Há uma história similar mais recente de alguém que foi salvo da morte instantes antes da sua execução. Conta-se que o grande escritor russo Fiodor Dostoiévski foi condenado à pena de morte em 1849 por razões políticas. Quando estava diante do pelotão de fuzilamento, Dostoiévski recebeu a notícia de que sua condenação à morte havia sido revogada e ele foi enviado para trabalhos forçados na Sibéria.)

Aquilo deve ter sido insuportável, certamente muito prejudicial, para a formação de um jovem de apenas 20 anos. 20 anos? Não sei. Talvez.

Há várias versões para a idade de Isaque no momento do triste episódio: 20 anos, 25, 30, 33 ou 37. O dicionário bíblico de John D. Davis, baseado no historiador Flávio Josefo, afirma que Isaque tinha por volta de 25 anos naquela ocasião

Por sua vez, as várias versões da Bíblia o tratam como rapaz, menino, moço, garoto ou mancebo, portanto parece-me razoável aceitar que Isaque era ainda muito jovem, a ponto de submeter-se ao seu pai – um homem respeitado, porém um velho com bem mais de 100 anos –, deixando-se amarrar para o sacrifício, mas certamente suficientemente forte para caminhar três dias a pé até próximo ao local do sacrifício e depois mais algum tempo com a lenha do holocausto sobre as costas, que certamente era uma porção razoável, suficiente para queimar um corpo humano, tendo ainda que subir até o alto de uma montanha, onde se daria a terrível cena que eu em hipótese alguma gostaria de presenciar.

Todavia, é de somenos importância a idade de Isaque quando o quase sacrifício ou, talvez melhor, a tortura se deu. Sob qualquer ângulo moral, parece-me que ele foi submetido a uma tortura inominável.

Seria interessante que o escritor do Gênesis tivesse registrado a forma como Abraão convenceu seu filho a deixar-se amarrar e entregar-se para o sacrifício. Há várias hipóteses, sem respaldo bíblico, obviamente. Trata-se apenas de especulações, porém não foge ao escopo deste comentário, porquanto de alguma forma Abraão deve ter convencido o filho ou então deve ter feito uso de algum estratagema para amarrá-lo.

Permita-me conjecturar sobre quatro possíveis respostas para esta questão.

1 –  Isaque era um jovem extremamente obediente e foi convencido pelo pai que aquela era a vontade de Deus. Quem sabe com alguma promessa de vida após a morte! Esta é a conjectura que melhor se adapta ao que foi dito acima, porém nada me autoriza a afirmar que assim aconteceu.

2 – Eles travaram alguma luta corporal e, apesar da idade, de alguma forma Abraão foi o vencedor.

3 – Abraão administrou, à agua ou comida do filho, alguma substância indutora do sono que o fez perder os sentidos e entrar num sono profundo.

4 – Abraão aproveitou algum descuido do filho e fê-lo desmaiar com uma pancada na cabeça.

Se a primeira opção não é a verossímel, certamente Abraão deve ter feito uso de alguma técnica ou recurso desconhecido para amarrar o filho, colocá-lo sobre a lenha em cima do altar, sem reação contrária de Isaque, e em seguida levantar a mão com o cutelo – ou faca – para assassiná-lo.  

Realmente, são só conjecturas.

Concluindo, eu tenho a impressão de que o episódio foi tão traumático para Isaque que o marcou por toda a vida. Não posso deixar de associar esse episódio ao fato de Isaque ter sido uma figura com pouco brilho na Bíblia. Certamente o menor e o mais inexpressivo dos três patriarcas, os pais do povo hebreu.