terça-feira, 13 de novembro de 2018

Sobre armamento: incoerência e hipocrisia

Por Saulo Alves de Oliveira

De dia, nas conversas com amigos, defende o armamento do cidadão. De noite, no culto, prega um sermão baseado no Salmo 91, enfatizando a segurança daquele que põe em Deus a sua confiança e ainda afirma que “Ele se preocupa com o crente nos mínimos detalhes e o protege de todo o mal”. 

Certa vez, em uma discussão entre crentes sobre o armamento da população, eu fiz a seguinte pergunta:

“A quem propõe que as pessoas andem armadas, eu pergunto, especialmente aos crentes: Por onde anda o 'anjo do Senhor' que acampa-se ao redor dos que o temem e os livra?" 

Um dos interlocutores fez a seguinte observação: “Não me considero incrédulo, porém o ‘anjo do Senhor’ não é bem como a gente pensa não. Embora tenha usado uma arma bem menor do que Golias, Davi não esperou o ‘anjo do Senhor’ para livrar Israel. Se fosse simples assim, nós e as nossas casas nunca seríamos assaltados”.

Não é de hoje que eu ouço essa desculpa “não é bem assim”. Como não é bem assim? Por que os templos evangélicos, os locais onde Deus se manifesta, com todas as promessas de que Deus guardará os seus, necessitam de sistemas de alarme e guardas de segurança? Muitos os chamam de a “Casa de Deus”. Por que a “Casa de Deus” precisa de segurança humana!?

Mas é sempre assim. Quando a realidade da vida não é compatível com aquilo que sempre ouvimos ou acreditamos, ou nos ensinaram, as desculpas são “não é bem assim”, “temos que ver o contexto” ou “no original quer dizer outra coisa”, no entanto, quando é para fazer as pessoas acreditarem e confiarem, nada disso é levado em conta, nenhuma ressalva é feita.

“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Todo-Poderoso descansará... Mil poderão cair ao teu lado, e dez mil à tua direita; mas tu não serás atingido... Porquanto fizeste do Senhor o teu refúgio, e do Altíssimo a tua habitação, nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à tua tenda”. 

Numa outra oportunidade, tendo como referência o texto acima, eu fiz a seguinte pergunta: “Na sua opinião, por que pastores que creem e pregam o Salmo 91 andam com segurança?”

Eu soube que há pastores que andam em carros blindados e com seguranças armados.

Um amigo pastor respondeu: “Ah, esse Salmo era uma profecia acerca de Jesus”.

Interessante. Muito interessante!

Todavia, quando é para justificar que Deus se preocupa com o crente nos mínimos detalhes e o protege de todo o mal, é a vez do Salmo 91. Então, de acordo com a interpretação do meu amigo, os crentes estão sendo enganados?

Quando é para justificar que o crente está sujeito a todos os problemas comuns a qualquer ser humano, é a vez de Eclesiastes 9.2.

A realidade da vida, meus amigos, é como disse meu interlocutor no parágrafo 4, acima: ”não é bem como a gente [o crente] pensa não”. A verdade da vida é realmente a de Eclesiastes 9.2.

A minha pergunta inicial foi apenas uma provocação com base naquilo que as pessoas sempre acreditaram. Se fosse assim não haveria crentes que nascem, crescem, vivem e morrem em situações de quase miséria, talvez alguns na miséria mesmo.

Será que os crentes, especialmente os pregadores, realmente acreditam naquilo que pregam ou é apenas retórica para fazer prosélitos?

Eu conheço líderes religiosos que são experts na técnica das artimanhas do engano, pois usam a Bíblia para convencer os incautos fazendo-os acreditar em coisas que são totalmente incompatíveis com a realidade da vida humana e, como resultado da sua pregação enganosa, tais experts do mal estão riquíssimos à custa dos pobres. 

A dura realidade é que os crentes têm os mesmos problemas, as mesmas dificuldades, sofrem as mesmas doenças e morrem do mesmo modo que todas as outras pessoas, tenham elas crenças ou não, tenham fé ou ceticismo. A grande diferença é que os crentes morrem na esperança da vida futura ou eterna, os céticos, não.

A propósito, o exemplo de Davi e Golias não tem nada a ver com o nosso dia a dia. Ambos os povos, israelitas e filisteus, estavam em guerra.