domingo, 15 de maio de 2011

Pálido Ponto Azul

 
Fotografia da Terra tirada de uma distância de 6 bilhões de quilômetros
"Pálido Ponto Azul” é o título de um livro escrito em 1994 pelo cientista e astrônomo Carl Edward Sagan. O título do livro foi inspirado numa famosa foto da terra tirada pela nave Voyager 1, da NASA, a Agência Espacial Americana. Carl Sagan também foi o realizador, juntamente com sua esposa Ann Druyan, de uma famosa série de TV - “Cosmos” - lançada em 1980. Para muitos, Sagan foi o maior divulgador da ciência que o mundo já conheceu.

As naves Voyager 1 e Voyager 2 são duas sondas espaciais lançadas pela NASA em setembro e  agosto de 1977, respectivamente. Assim como fizeram os grandes navegadores do passado, que viajaram pelos oceanos desconhecidos para descobrir e conhecer novas terras, elas foram enviadas para perscrutar e explorar o sistema solar.

Até aquela época, a foto da terra tirada de uma posição mais distante era a famosa “A Bolinha Azul”, que pode ser vista abaixo. A imagem foi obtida pela tripulação da Apollo 17, a caminho da lua, de uma distância de aproximadamente 55 mil quilômetros, no dia 7 de dezembro de 1972. Apollo 17 foi a sexta e última missão do Projeto Apollo que levou o homem à Lua.     

Quando as naves Voyager já estavam no espaço, Sagan diz em seu livro:

“Achei que seria uma boa ideia, logo depois de Saturno, que elas lançassem um último olhar para casa. Eu sabia que, vista a partir de Saturno, a Terra pareceria demasiado pequena para que a Voyager distinguisse algum detalhe... Parecia-me que outra fotografia da Terra, tirada de um ponto centenas de milhares de vezes mais distante, poderia ajudar no processo contínuo de revelar-nos nossa verdadeira circunstância e condição.”
Apesar dessa enorme distância - Saturno fica a cerca de 1,4 bilhões de quilômetros da Terra -, temia-se que, ao apontar as câmeras para a Terra, portanto para perto do Sol, haveria o risco de queimar o sistema de câmeras da nave espacial. Seria, portanto, melhor esperar até que fossem obtidas todas as imagens científicas dos demais planetas.

Somente em 1990, quando as naves já tinham ultrapassado as órbitas de Netuno e Plutão, a Administração da NASA autorizou as imagens sugeridas por Sagan. Então, em fevereiro daquele ano, a Voyager 1 - que estava a 6 bilhões de quilômetros da Terra e deslocando-se a uma velocidade de 60 mil quilômetros por hora - foi alcançada por uma mensagem da Terra que a fez redirecionar suas câmeras para o já tão distante planeta. Posteriormente as imagens foram enviadas para a Terra, porém, mesmo viajando à velocidade da luz (300 mil quilômetros por segundo) demoraram cinco horas e meia para chegar até nós.     

A foto no início da página é a imagem da Terra vista de um lugar tão distante, apenas um minúsculo ponto, que parece preso em um raio de Sol na imensidão do Universo. Ali está a nossa casa. O lar de todos os seres humanos.

Reproduzo abaixo, o espetacular comentário de Carl Sagan acerca desse tão querido e tão maltratado “Pálido Ponto Azul”, em seu magistral livro de mesmo nome: 
“Nós podemos explicar o azul-pálido desse pequeno mundo porque o conhecemos muito bem. Se um cientista alienígena, recém-chegado às imediações de nosso Sistema Solar, poderia fidedignamente inferir oceanos, nuvens e uma atmosfera espessa, já não é tão certo. Netuno, por exemplo, é azul, mas por razões inteiramente diferentes. Desse ponto distante de observação, a Terra talvez não apresentasse nenhum interesse especial.

Para nós, no entanto, ela é diferente. Olhem de novo para o ponto. É ali. É a nossa casa. Somos nós. Nesse ponto, todos aqueles que amamos, que conhecemos, de quem já ouvimos falar, todos os seres humanos que já existiram, vivem ou viveram as suas vidas. Toda a nossa mistura de alegria e sofrimento, todas as inúmeras religiões, ideologias e doutrinas econômicas, todos os caçadores e saqueadores, heróis e covardes, criadores e destruidores de civilizações, reis e camponeses, jovens casais apaixonados, pais e mães, todas as crianças, todos os inventores e exploradores, professores de moral, políticos corruptos, “superastros”, “líderes supremos”, todos os santos e pecadores da história de nossa espécie, ali - num grão de poeira suspenso num raio de sol.

A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pensem nos rios de sangue derramados por todos os generais e imperadores para que, na glória do triunfo, pudessem ser os senhores momentâneos de uma fração desse ponto. Pensem nas crueldades infinitas cometidas pelos habitantes de um canto desse pixel contra os habitantes mal distinguíveis de algum outro canto, em seus frequentes conflitos, em sua ânsia de recíproca destruição, em seus ódios ardentes.

Nossas atitudes, nossa pretensa importância, a ilusão de que temos uma posição privilegiada no Universo, tudo é posto em dúvida por esse ponto de luz pálida. O nosso planeta é um pontinho solitário na grande escuridão cósmica circundante. Em nossa obscuridade, no meio de toda essa imensidão, não há nenhum indício de que, de algum outro mundo, virá socorro que nos salve de nós mesmos.

A Terra é, até agora, o único mundo conhecido que abriga a vida. Não há nenhum outro lugar, ao menos em futuro próximo, para onde nossa espécie possa migrar. Visitar, sim. Goste-se ou não, no momento a Terra é o nosso posto.

Tem-se dito que a astronomia é uma experiência que forma o caráter e ensina a humildade. Talvez não exista melhor comprovação da loucura das vaidades humanas do que esta distante imagem de nosso mundo minúsculo. Para mim - e para mim, Saulo, também -, ela sublinha a responsabilidade de nos relacionarmos mais bondosamente uns com os outros e de preservarmos e amarmos o pálido ponto azul, o único lar que conhecemos.” 
A Bolinha Azul
 Não vou fazer qualquer comentário acerca das palavras de Carl Sagan. Acho que sua mensagem é profundamente clara. Lamentavelmente, Sagan faleceu em dezembro de 1996, aos 62 anos, depois de uma árdua batalha de dois anos contra uma rara e grave doença na medula óssea. Apesar de morto há mais de 14 anos, Sagan ainda vive em suas palavras e em seu extraordinário livro “Pálido Ponto Azul”. Elas me tocam de modo muito profundo. Deixo, portanto, ao leitor a tarefa de refletir e tirar suas próprias conclusões.

Atualmente, a Voyager 1 encontra-se a uma distância de aproximadamente 17,6 bilhões de quilômetros da Terra, talvez na fronteira do sistema solar.

Saulo Alves de Oliveira