domingo, 24 de julho de 2011

O dragão na minha garagem

Certo dia, dois amigos, Sético e Grédulo, conversavam. Havia meses que não se viam, portanto colocavam as novidades em dia. A certa altura do diálogo  Grédulo afirmou: “Eu tenho um dragão na minha garagem que lança fogo pelas narinas”. Sético, para não constranger o amigo – apesar de achar esquisita a história –, manteve o autocontrole e não se deixou trair pela fisionomia. Apenas afirmou: “Eu gostaria de ver o dragão”. “Vamos, então, à minha casa”, assentiu Grédulo.

Chegando à sua casa, Grédulo abriu o portão da garagem e pediu ao amigo que entrasse. Sético olhou para dentro e viu apenas algumas quinquilharias, e, logicamente, ponderou: “Não vejo dragão algum”. Grédulo insistiu: “Ele está ali, mas é um dragão invisível”.

A essa altura da conversa, Sético, já preocupado, pensou: “Meu amigo não deve estar bem da cabeça”. Todavia, tentando encontrar evidências do dragão, propôs: “Vamos espalhar pó no chão da garagem, pois assim veremos as pegadas do bicho”. Grédulo retrucou: “Não dará certo, porquanto o meu dragão anda sobre um colchão de ar e suas patas não tocam o chão”. 

Sético, já bastante desconfiado, porém mantendo a calma, propôs mais uma experiência: “Vamos borrifar tinta em toda a garagem, certamente assim tornar-se-á visível ao menos a silhueta do lombo e cabeça do dragão”. Grédulo mais uma vez retrucou: “Infelizmente também não é possível, pois o dragão é incorpóreo e a tinta, obviamente, não identificará a sua presença”.

Sético fez uma última tentativa: “Vamos instalar um termômetro na garagem para verificar a forte variação de temperatura quando o dragão cuspir fogo invisível pelas ventas”. Grédulo sem demora asseverou: “Ah, o fogo do meu dragão é desprovido de calor”.

Nesse momento da conversa, Sético já estava com o sangue a ferver-lhe nas veias e o coração a palpitar-lhe acelerado, entretanto mostrava-se impassível externamente. Ainda bem que ele não tinha hipertensão!   

Sético pensou: “Qual a diferença entre um dragão invisível, que flutua no ar, é incorpóreo, expele fogo atérmico, e um dragão inexistente?”
 
Calmamente voltou-se para o amigo, fitou-o nos olhos e afirmou com segurança: “Meu caro Grédulo, esse dragão só existe na sua cabeça”.

(A concepção dessa história não é mérito meu. Eu a li no livro “O mundo assombrado pelos demônios”, de Carl Sagan. Apenas a reproduzo de um modo um pouco diferente.)   

Muitas pessoas têm dragões em suas garagens. São dragões especialmente relacionados ao sobrenatural, à religião, a contatos com os mortos, aos extraterrestres, às crendices populares e a diversas outras percepções da vida. Não me refiro à esquizofrenia ou charlatanice. Isso é outra coisa. Refiro-me a pessoas normais, sinceras, que trabalham, produzem, estudam, cuidam de suas casas, vão às igrejas e fazem o bem.

Não são poucos os que acreditam em coisas fantásticas ou afirmam que veem coisas extraordinárias, como, por exemplo, um anãozinho atrás da porta ou a demonização de quase tudo, mas quando solicitados a apresentarem as evidências das suas alegações, estas não existem ou não se sustentam pela fragilidade. É certo que não estão mentindo, pois acreditam realmente que viram ou sentiram algo, porém são experiências pessoais, e experiências pessoais não são evidências de coisa alguma. Tão somente indicam que há algo que precisa ser investigado. E, como não devemos ser herméticos a novidades, devemos fazê-lo. Quem sabe descobrimos um fenômeno ainda desconhecido? No entanto é fundamental ter em mente que o cérebro humano é capaz de produzir ilusões que parecem reais.

Quanto ao aspecto de proporcionarem consolo ou conforto nos momentos de aflição, nem todos os dragões são maus. Acreditar me faz bem, alguém pode alegar. Porém, o simples fato de uma pessoa acreditar em algo – ainda que isso lhe faça bem – não o torna real. As crianças acreditam em Papai Noel, por esse motivo Papai Noel existe? É preferível uma mentira que consola ou uma verdade dura e que, muitas vezes, parece insuperável?

Se eu afirmar que todas as noites um duende caminha pela minha casa ou que um pássaro dourado conversa comigo todas as manhãs, as pessoas simplesmente acreditarão sem que lhes seja apresentada nenhuma evidência? É muito provável que não. Por que não estender tal comportamento às outras áreas da vida, como, por exemplo, à religião?  

Se eu tenho dragões em minha garagem? Talvez. Com certeza já os tive, no entanto consegui me livrar de todos eles ao longo dos anos. Quem sabe ainda restem alguns? A grande diferença é que eu tenho consciência disso e trabalho para expulsá-los.  

Saulo Alves de Oliveira

O cavalo que sabia fazer cálculos

Como é fácil enganar pessoas crédulas. Leia a história abaixo e depois diga se concorda ou não comigo.
“Embora a ficção científica esteja cheia de contos fantásticos falando de telepatas, a realidade é muito mais terrena. Como os pensamentos são privados e invisíveis, há séculos charlatães e vigaristas tiram vantagem dos ingênuos e crédulos. Um truque de salão simples usado por mágicos e adivinhos é a presença de um cúmplice na plateia cuja mente é então “lida” pelo adivinho”.

Ver observação abaixo (*)
“Um dos mais famosos casos de telepatia não envolvia um cúmplice, mas um animal, Clever Hans (João Esperto, digamos), um cavalo milagroso, que surpreendia as plateias europeias na década de 1890. Clever Hans, para o espanto das plateias, fazia cálculos matemáticos complexos. Se, por exemplo, você pedisse a Clever Hans para dividir 48 por 6, o cavalo batia com o casco oito vezes. Clever Hans dividia, multiplicava, somava frações, soletrava palavras e até identificava notas musicais. Os fãs de Clever Hans declaravam que ele era mais inteligente do que muitos humanos, ou então que podia sondar telepaticamente o cérebro das pessoas. 

Mas Clever Hans não era produto de um truque esperto. A maravilhosa habilidade de Clever Hans para a aritmética enganou até o seu treinador. Em 1904, o proeminente psicólogo Professor C. Strumpf foi chamado para analisar o cavalo e não conseguiu encontrar nenhuma evidência óbvia de truque ou disfarce, o que só fez aumentar o fascínio do público pelo animal. Três anos depois, entretanto, o psicólogo Oskar Pfungst, aluno de Strumpf, fez um teste mais rigoroso e finalmente descobriu o segredo de Clever Hans. Tudo que ele fazia realmente era observar as expressões sutis no rosto do seu treinador. O cavalo continuava a bater os cascos até que a expressão facial do seu  treinador mudasse ligeiramente, e neste momento ele parava de bater. Clever Hans não sabia ler a mente das pessoas ou fazer operações aritméticas; ele era apenas um sagaz observador do rosto das pessoas.”

(Do livro “Física do Impossível”, do cientista Michio Kaku) 
(*) Esta imagem não faz parte do livro, mas é uma foto de Clever Hans com o seu treinador, o alemão Wilhelm von Osten