quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Cristãos versus cristãos

Um homem subiu no púlpito de uma igreja e começou a fazer um sermão. No início, humilde. Depois, a soberba subiu-lhe à cabeça. Alguns pregadores são tão exagerados em sua jactância que eles próprios se autoproclamam porta-vozes de Deus. É como se eles reproduzissem aqui na terra, tal qual um alto-falante, exatamente aquilo que Deus fala em um microfone celestial. É como se a verdade fosse exclusividade sua. E isso não é tão incomum. Já vi vários que tocam esse limite.

(Uma pessoa abre a Bíblia e lê um texto. Em seguida faz sua interpretação da passagem lida e depois afirma que “foi Deus quem falou”. O que mais me impressiona é que quem usa da fala no momento seguinte, logo após “o alto-falante” de Deus, muitas vezes confirma: “Acabamos de ouvir a voz de Deus”. Na realidade Deus não falou coisa alguma. Apenas um ser humano deu sua interpretação acerca de um determinado texto bíblico.)

Foi apenas um parêntese. Voltando ao pregador. Lá pelo meio da pregação, com certa ironia e arrogância, ele disse – com trejeitos na voz, os quais não posso reproduzir por escrito –, que “não interessa o que se prega nas outras igrejas, mas apenas o que se prega na nossa igreja – não vou citar o nome – ‘pentecostaaaaaaal!’” Como se sua igreja fosse a depositária de toda a verdade bíblica.

No entanto, ao contrário do que pensa aquele pregador, eu julgo que interessa – e muito – o que as outras igrejas ensinam, pois na divergência de doutrinas há um grave e seríssimo problema para o cristianismo, haja vista que todos dizem ter como fundamento a Bíblia. E o Espírito Santo como revelador de suas verdades. Não vou nem entrar no mérito da questão relativa aos judeus que não aceitam o Novo Testamento como Palavra de Deus.

Outro pregador, ao ser questionado acerca da grande quantidade de igrejas cristãs com doutrinas tão divergentes, disse que “essa é a maneira que Deus utiliza para fazer sua mensagem ser divulgada em todo o mundo”. Com essa resposta, ironizou ele, “calei a boca do meu inquiridor”. Bem, quem o inquiriu pode ter ficado satisfeito. Quanto a mim, não.

Certa vez eu ouvi um pregador americano afirmar que Deus tem poder absoluto sobre todas as coisas e a ninguém deve qualquer satisfação. Sendo assim, Ele decide diretamente todas as catástrofes e mortes que acontecem no mundo, ou seja, o momento e a forma como qualquer ser humano morre, independentemente do grau de crueldade envolvida, são determinações exclusivas de Deus. Depois eu ouvi um outro pregador afirmar que Deus nada tem a ver com as catástrofes e mortes que acontecem no mundo, pois tudo é conseqüência das escolhas e do pecado do homem. O ponto basilar da questão é que ambos sãos cristãos e usam a Bíblia para fundamentar suas afirmações. Por conseguinte, algo está profundamente errado, pois as duas afirmações são conflitantes.

Outro exemplo. Se você conversar com um teólogo de determinada igreja ele vai tentar lhe provar, obviamente com a Bíblia, que as pessoas têm o dever de guardar o sábado. Se você conversar com um teólogo de outra vertente ele vai tentar lhe provar, também com a Bíblia, que os cristãos não têm obrigação de guardar o sábado.  O ponto crítico dessa questão também é que ambos sãos cristãos e usam a Bíblia para fundamentar suas afirmações. Algo também está profundamente errado, pois as duas afirmações são contraditórias.

Não interessa, para os meus propósitos, o que eu penso acerca dos dois conflitos acima. A grande questão é a seguinte: se a Bíblia é a Palavra de Deus, a Carta Magna de Deus ao homem, que indica o caminho para chegar até Ele, por que há tanta divergência de interpretação?

Eu vou citar uns poucos exemplos que são motivo de interpretações totalmente diferentes por parte dos cristãos. Talvez alguns não sejam nem tão importantes, mas devido a minha sofrível capacidade intelectual cito-os apenas para dar uma idéia do que estou afirmando:

. A guarda do sábado
. A glossolalia, ou seja, o dom de falar em línguas desconhecidas
. A doutrina da prosperidade
. A ordenação de mulheres
. A predestinação (doutrina que diz que uma vez salvo, salvo para sempre)
. A criação literal
. A virgindade de Maria, mãe de Jesus
. A veneração aos santos
. O batismo com o Espírito Santo
. O batismo de crianças
. O batismo por aspersão ou imersão
. O celibato
. Os milagres [não] são para hoje
. O dízimo [não] é para os dias atuais
. Condenação eterna versus aniquilação.

Veja bem, o meu raciocínio é simples. Suponhamos que você necessitasse escrever uma carta para algumas pessoas dando-lhes as diretrizes para chegarem a um determinado lugar. O que você faria? Eu imagino que você faria a carta mais objetiva possível, de modo que todos pudessem entender claramente o caminho para chegar ao destino final sem o risco de se dirigirem a lugares diferentes. Por que Deus assim não o fez? Eu não tenho a resposta definitiva, apenas uma hipótese.

Mas o caminho é Jesus!, você acaba de exclamar. Obviamente se é um cristão. E complementou: Ele mesmo disse “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão for por mim”. Sim, porém muitos que dizem seguir Jesus o fazem de uma maneira totalmente diferente de outros que também alegam que estão seguindo Jesus, inclusive de um modo diferente de você.

Eu tenho uma teoria do porquê isso acontece. Teoria como hipótese, não teoria científica com evidências que a comprovam. Talvez as grandes divergências entre as várias correntes cristãs sejam uma forte evidência a favor da minha teoria. Entretanto me reservo o direito de não abordá-la, pois não quero correr o risco de ferir sensibilidades ou, talvez, tocar na fé de alguém.

No momento, quero apenas fazer uma provocação ao leitor para meditar no tema e tirar suas próprias conclusões, se for do seu interesse, porquanto para mim talvez esse seja o maior problema do cristianismo.

Saulo Alves de Oliveira