Por Saulo Alves de
Oliveira
Certa vez ao criticar um comentário meu um
amigo perguntou: “Saulo, você está redescobrindo a Bíblia agora, depois de
tantos anos?
Minha
resposta foi mais ou menos assim:
Acho
que você acertou no diagnóstico “redescobrindo a
Bíblia”, porém errou no tempo “agora”. Na realidade, há muitos anos eu venho
redescobrindo a Bíblia, talvez desde a minha juventude. Só que antes, ao ler algum
texto que me incomodava, ou quando não encontrava explicação razoável, eu
simplesmente deixava pra lá. Sabe aquela história que a gente cresceu ouvindo dizer
que “se deve comer a carne do peixe e deixar as espinhas de lado?”
Com o passar dos anos, porém, fui percebendo
que não podia deixar as “espinhas” pra lá. Eu precisava de respostas, quer
fossem satisfatórias ou não à minha fé. Não tenho a obrigação de aceitar que algo
é assim só porque pastor “João” ou “José” (nomes genéricos) dizem que é assim.
Não é porque meus pais me ensinaram que eu não posso rever alguma coisa, aliás
muitas coisas.
Afinal de contas, hoje eu não penso mais como
uma criança ou adolescente, porém como um homem adulto. Eu preciso de
explicações racionais e razoáveis. Caso contrário, continuarei questionando.
O grande problema de muitos adultos é ainda
pensar como criança, é acreditar em coisas semelhantes ao
Papai Noel, fadas, duendes e lobisomens, tais como: sonhos, visões, viagens ao
céu ou ao inferno, gritos histéricos nos púlpitos das igrejas, artificialismo
emocional para fazer o povo chorar, apelo sórdido às carências humanas para
sensibilizar, profecias de fanáticos ou testemunhos mirabolantes etc. Nessa direção
há muito mais misticismo.
Confesso-lhe que já descobri muitas coisas
interessantes e que me fizeram mudar muitos conceitos e preconceitos. Há riscos
para a fé quando se questiona? Sim. Entretanto, há muitos anos eu disse à minha
mãe, uma crente fervorosa, quando conversávamos sobre este tema: “Prefiro
correr o risco a não saber a verdade”. É isso que me move. Saber a verdade e
não apenas acreditar.
Quando você lê este texto “Nenhum bastardo
entrará na congregação do Senhor; nem ainda a sua décima geração entrará na
congregação do Senhor” – Dt. 23.2 –, você não se sente impelido a questionar o
porquê dessa injustiça? O que é que tem a ver o filho, o neto, o bisneto, o
tetraneto etc. com o pecado dos seus pais ou ancestrais?
“Ah,
temos de examinar o contexto da época”, dizem para suavizar o impacto da
ordenança. Em qual contexto se justifica que o inocente pague pelo erro de
outrem?
É
por isso, meu amigo, que hoje eu não posso simplesmente passar por cima e
deixar para lá. E esse é apenas um exemplo dentre dezenas de outros, talvez
centenas.
Se
você acha, por exemplo, que Dt. 23.2 não tem nada que mereça uma profunda reflexão
ou algum questionamento, (in)felizmente eu não penso da mesma forma.
Ou
a você só interessa palavras como “Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua
direita, e tu não serás atingido?” ou ainda “O Senhor é o meu pastor; nada me
faltará?”
Eu
compreendo sua opinião e acho que se você se sente confortável e feliz em não
questionar, continue assim, só olhando para frente e para o alto.
O
medo de achar que se agride o Criador ao questioná-lo tolhe qualquer liberdade
de pensamento.
Quanto
a mim, depois de tudo que já vivi, vi e li, simplesmente é impossível.