sábado, 27 de agosto de 2022

Não me queiram transformar em clone dos meus pais

Por Saulo Alves de Oliveira

Certa vez, ao discutir questões relacionadas à fé e à política, um amigo que não encontrava há muito tempo me fez a seguinte crítica: “Eu não consigo defender o erro pois fui formado para combatê-lo. Tenho certeza que esse seu pensamento é contrário à formação que seus pais deram a você”. A insinuação não poderia ser mais evidente: na ótica dele eu estava defendendo um erro.

Um outro amigo, que me conhece desde a minha infância - ele deve ser uns 15 ou 20 anos mais velho do que eu -, insinuou várias vezes, também por questões relacionadas à fé cristã: “Eu conheci os seus pais, crentes e tementes a Deus, será que se eles ainda fossem vivos...?”

Eu convivi ativamente no meio cristão evangélico durante muitos anos. E tudo começou na minha primeira infância. Considerando, pois, o tipo de formação que as crianças e os jovens recebem em muitas igrejas evangélicas, não me causa estranheza o fato de, quando adultas, tais pessoas insistirem na ideia equivocada de que os filhos devem ser cópias intelectuais dos seus pais.

Com certeza absoluta eu amava os meus pais e sinto muito a sua falta.

Grande parte do que sou hoje devo ao meu pai e à minha mãe. Minha formação moral tem muito a ver com seus ensinamentos. Muitos princípios e os valores morais elevados que eles me ensinaram eu conservo até hoje e conservarei até o fim dos meus dias, não somente por serem princípios e valores cristãos, mas sobretudo por serem princípios altruístas universais. Tenho consciência de que sou o resultado do que meu pai e minha mãe me ensinaram, mas também de tudo o que aprendi ao longo da minha vida, inclusive coisas que os meus pais, se vivos estivessem, não concordariam, todavia nem por isso eu deixaria de amá-los. A recíproca é verdadeira.

Todavia, de uma vez por todas, é preciso ter em mente que Sebastião Alves e Maria Carlos, dos quais eu tenho enorme prazer de ser filho, eram duas pessoas distintas entre si, com suas virtudes e defeitos, e diferentes de mim, com minhas virtudes (se é que as tenho!) e os meus defeitos (estes sim meus “companheiros” do dia a dia). Portanto, eu não tenho nenhuma obrigação de ser cópia dos meus pais ou de seguir tudo o que eles me ensinaram, visto que eles poderiam - poderiam, ressalto - estar errados ou equivocados em relação a alguns aspectos da sua visão de mundo, da fé, de Deus, da igreja, da Bíblia e de qualquer outra área da vida humana. Eu sou outra pessoa, única, e não tenho obrigação alguma de pensar como eles pensavam.

Eu cresci, física, mental e espiritualmente, me tornei adulto e deixei de pensar como criança, e hoje sou capaz de analisar esses aspectos que citei e também de tomar a decisão que me parece a melhor para a minha vida, para os que estão próximos a mim, para a minha comunidade e o meu País.

No entanto, algo não me causa o menor incômodo: se alguém se sente bem em conservar ainda hoje, ao pé da letra, tudo que os seus pais e a Igreja lhe ensinaram, tudo bem. Não me cabe julgá-lo e constrangê-lo por isso. É um direito que não lhe pode ser negado. Apenas não posso aceitar essa observação - julgamento? - em relação a mim, isto é, não aceito que me queiram transformar em clone dos meus pais, porquanto não sou mais uma criança para aceitar como verdade absoluta tudo o que os meus pais, os pastores e a Igreja me ensinaram. Aprendi e ainda estou aprendendo a questionar, pois, certa vez eu li: “São as perguntas que transformam o mundo”.