quarta-feira, 19 de junho de 2019

Café da manhã em dois atos

Por Saulo Alves de Oliveira

1º Ato

Abrem-se as cortinas:

Uma enorme sala de jantar de uma mansão. Só para os muito ricos. No centro, uma imponente mesa. Quatro suntuosas cadeiras a ladeiam. Dois empregados em pé ao lado, fardas impecáveis, aguardam os patrões.

A mesa, repleta de todas as iguarias matinais, convida a plateia a um dos pecados capitais.

Diversas frutas, nobres e de estação.

Sucos.

Queijos locais? Não. Três ou quatro importados. Dos mais finos.

Pães especiais. Também tem o tradicional pãozinho francês. Estamos no Brasil.

Bolos? Também. Feitos em casa pelo Chef.

Jamón (presunto) ibérico dos porcos de Jabugo, Espanha.

Geleias.

E os tradicionais café, ovos, leite e manteiga.

O Chef entra na sala, inspeciona tudo pela última vez e sai.

Minutos depois chegam os quatro residentes, pai, mãe e dois filhos (10 e 15 anos).

Sentam-se à mesa, todavia, antes de saborearem as iguarias, o pai, com pompa e reverência, pergunta: “O que devemos fazer agora?”

Respondem os filhos em uníssono: “Agradecer a Deus, nosso bondoso provedor”.

Todos fecham os olhos e curvam as cabeças.

Então, o pai, com toda a reverência, faz a oração de praxe: ”Pai Nosso que estás no Céu, Te agradecemos pelo pão nosso de cada dia, pois Tu és o Nosso Pastor e nada nos faltará. Amém."

E todos repetem: “Amém”.

Aproximam-se os dois empregados e começam a servi-los e os quatro, como se fossem nobres de uma monarquia europeia, tomam o seu café da manhã regalados e agradecidos a Deus.

Fim do 1º Ato.

Fecham-se as cortinas.    


2º Ato

Abrem-se as cortinas:

Pequena cozinha de um casebre.

Mesa nua e seis pequenos bancos ao redor.

Sobre a mesa um pouco de manteiga (não é todo dia; quando tem, os olhinhos dos pequenos brilham), um cesto com seis pães e seis xícaras.

A mulher, junto ao fogão de duas bocas, pega o bule de café e num só movimento o põe sobre a mesa, em seguida exclama: “Podem vir, o café está na mesa”.

Chegam o marido e os quatro filhos (4, 5, 10 e 15 anos; ocorreram três abortos e duas mortes prematuras).

Todos sentam-se à mesa e um dos filhos, o mais novo, estende a mão para pegar o “seu pão”. A mãe o repreende e diz: “Ainda não”.

O pai, com semblante de quem já muito sofreu, porém educadamente, pergunta: “O que devemos fazer agora?”

Respondem os filhos em uníssono: “Agradecer a Deus, nosso bondoso provedor”.

Todos fecham os olhos e curvam as cabeças.

Então, o pai, de modo simples mas com reverência, faz a oração de praxe: ”Pai Nosso que estás no Céu, Te agradecemos pelo pão nosso de cada dia, pois Tu és o Nosso Pastor e nada nos faltará. Amém”.

E todos repetem: “Amém”.

A mãe distribui o pão com, desta vez, a sempre desejada manteiga e uma xícara de café para cada um, e todos os seis tomam o seu café da manhã agradecidos a Deus.

Fim do 2º Ato.

Fecham-se as cortinas.   

Eu, que a tudo assistia, pensativo, descobri-me com os olhos marejados. E não pude evitar que uma lágrima rolasse do meu olho esquerdo.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

A Natureza que encanta é a mesma que espanta

Por Saulo Alves de Oliveira

Com o advento da TV, e agora de forma mais fácil e rápida com a internet, nós podemos “visitar” lugares onde nunca estivemos e onde nunca estaremos no futuro.

Sendo assim, eu “passeio” frequentemente pelas pradarias, savanas e florestas africanas ou asiáticas ou pelas regiões geladas dos polos ou ainda por regiões muito pobres do nosso querido planeta Terra.

É comum algumas pessoas postarem em suas redes sociais belas imagens da Natureza, no céu, no mar e na terra e associarem-nas ao poder criador de Deus. Pode ser o espetáculo de um arco-íris, um belo jardim com suas rosas multicoloridas ou o nascimento de um filhote de girafa que, ao nascer, cai de uma altura de quase 2,00 m e em pouco tempo coloca-se de pé para caminhar ou correr ao lado da sua mãe. É fundamental que a nova girafinha se ponha logo sobre seus pés para acompanhar sua mãe ou fugir dos predadores. Realmente tudo muito belo.

Aí o crente exclama: “Deus faz tudo perfeito e belo, só o Senhor poderia criar tais espetáculos da Natureza”. Rendo-me, realmente há muita beleza na Natureza.

Infelizmente, entretanto, o Deus que fez o belo, o encantador, o deslumbrante também fez o feio, o cruel, o triste. Mas aí o crente convence-se a sim próprio que não foi Deus que criou as coisas feias e encontra logo uma explicação. Às vezes o contorcionismo é enorme para tentar justificar que Deus não é o responsável pelas feiuras da criação. O Criador é responsável apenas pelo belo, pelo encantador à vista.  

Todavia, por mais que se queira escapar da realidade, não é possível esconder as feiuras da Natureza criadas por Deus.

Eu tenho visto doenças ou deformações as mais estranhas possíveis, desde duas crianças que nascem com um só corpo, duas cabeças, dois corações, dois braços, duas pernas, compartilhando alguns órgãos internos, e outros em duplicidade, até pessoas que desenvolvem um tipo de verruga nos pés e mãos de modo que após algum tempo suas mãos e pés mais parecem um amontoado de “galhos” ou cascas de árvores. Outros têm deformidades tão estranhas em seus rostos que aqueles que não estão acostumados com o sofrimento dessas pobres criaturas infelizmente os veem como verdadeiros “monstros”. Mas não quero me prender apenas a esses aspectos feios ou a essas tristes realidades que causam tanto sofrimento ao ser humano. 

Naqueles “passeios”’ frequentes pela Natureza eu vejo que o Deus que fez o belo e o encantador também fez o feio e o cruel.

Quem vê o arco-íris também vê a seca que deixa a terra esturricada e o rastro de cadáveres de animais mortos de sede, espalhados pela terra ou devorados pelos abutres ou carniceiros.

Quem vê o nascimento de um filhote de girafa e se encanta também vê esse mesmo filhote ou sua mãe serem sufocados até a morte por leões ou leopardos e depois devorados num espetáculo chocante e brutal. Muitos animais são literalmente devorados ainda vivos. Será que não sentem pavor e dores brutais? Essa é a Natureza em sua face mais “cruel”, totalmente indiferente ao sofrimento dos seres vivos.

Se você é uma pessoa sensível não veja as imagens do vídeo abaixo. Hienas estraçalhando uma zebra ainda viva.


Quem vê um belo jardim, com o encanto de suas flores beijadas pela brisa suave que inspira paz, também vê um tsunami que destrói, não apenas o jardim, mas a cidade inteira, ceifando as vidas de centenas ou milhares de homens, mulheres, jovens cheios de sonhos, crianças ou animais inocentes, muitas vezes infligindo-lhes extremo sofrimento. Você já pensou o que é ser tragado por uma avalanche de água, lixo, pedras, paus e toda sorte de materiais cortantes ou perfurantes? Você já pensou o que é passar vários dias ou até semanas preso embaixo de escombros e morrer aos poucos com dores excruciantes, com pernas ou braços quebrados, ferimentos graves e infectados, traumatismos ou graves lesões na cabeça?  

Às vezes nós vemos na África belas imagens de um grupo de leoas deitadas à sombra de árvores – geralmente mães, irmãs, filhas, tias, sobrinhas, etc. –, enquanto seus graciosos filhotes brincam sobre a relva ao redor. Esses grupos de leoas sempre são protegidos por um ou dois machos dominantes, os pais dos filhotes, que percorrem todo o território para afastar intrusos. Enquanto são jovens e fortes os machos conseguem proteger sua família das investidas de outros machos desgarrados que querem formar o seu próprio harém. Quando não têm mais forças para lutar e expulsar o rival ou rivais mais jovens e mais fortes, os machos velhos vão-se embora e o novo rei assume o “trono”. A partir daí acontece um espetáculo triste e macabro. O novo macho dominante mata todos os filhotes. As imagens são feias e chocantes. E por que esse procedimento? Para que as fêmeas fiquem receptivas a ele e assim ele pode garantir que os seus genes passem para as novas gerações e não os genes dos velhos “monarcas”. Se você não se choca com isso é porque você foi feito de um “barro” diferente do “barro” que deu origem à minha carne e aos meus ossos.      

Eu poderia citar diversos outros belos espetáculos da Natureza bem como muitos outros tristes e chocantes, todavia acho que esses poucos exemplos são suficientes para o propósito deste comentário.

Eu realmente me encanto com a beleza da Natureza, mas também me espanto e me choco com a feiura da mesma Natureza que o próprio Deus criou.