quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O bóson de Higgs... e outras considerações

Modelo gráfico do CERN representa a colisão de partículas que pode ter revelado a existência do bóson de Higgs (AFP/CERN)

O bóson de Higgs é uma partícula subatômica prevista pelo físico britânico Peter Higgs em 1964. Desde então os cientistas vêm tentando provar sua existência. Em julho passado os meios de comunicação noticiaram que os físicos do CERN – Centro Europeu de Pesquisa Nuclear – detectaram uma partícula que pode finalmente ser o bóson de Higgs. Na realidade os cientistas ainda não têm 100% de certeza de que a partícula detectada é mesmo a partícula procurada há quase cinco décadas. Pode ser apenas uma partícula muito parecida com o bóson de Higgs. A confirmação definitiva ainda depende da obtenção de mais dados e da sua análise. Esses dados estão sendo obtidos no Grande Colisor de Hádrons (do inglês Large Hadron Collider, LHC), que é o maior acelerador de partículas do mundo, com 27 quilômetros de circunferência, construído na fronteira da França com a Suíça.

O bóson de Higgs ficou conhecido como “a partícula de Deus”. Esta denominação, todavia, é apenas um apelido, não tem nada a ver com algo divino ou sobrenatural. Ela teve origem num livro escrito pelo físico Leon Lederman cujo título proposto pelo autor deveria ser “A partícula amaldiçoada”, justamente pelas dificuldades encontradas durante as pesquisas para detectar tal partícula. Os editores do livro, no entanto, decidiram adotar o título “A partícula de Deus”, pois o julgaram comercialmente melhor. A partir daí o apelido colou. Portanto, “o bóson de Higgs” está para “a partícula de Deus” assim como “Edson Arantes do Nascimento” está para “Pelé”.

Na esteira das notícias acerca da descoberta, um site cristão divulgou alguns comentários de cientistas evangélicos. Tendo como base tais comentários, um pastor muito conhecido em nossa região fez algumas considerações sobre o tema e também fez  críticas rápidas a outros temas científicos.

O que mais me chamou a atenção nas suas considerações foram as suas primeiras palavras: “A tal partícula de Higgs apenas mostra mais uma partícula da matéria criada. E só. Não diz nada sobre a origem do universo.” Eu não esperava que um homem com a sua capacidade intelectual fizesse tal afirmação. E isso me incomodou.

Trata-se de uma pessoa com profundo conhecimento da Bíblia e também dos assuntos seculares, e por quem eu tenho muito respeito e consideração. Mesmo assim, eu resolvi fazer uma réplica ao seu comentário. Minha réplica foi publicada tanto no site cristão já referido bem como no Facebook, e agora no meu blog.

Não divulgo o nome do pastor nem o conteúdo do seu comentário porque a minha intenção é apenas expressar a minha opinião, e não simplesmente aparecer polemizando com alguém que é referência para milhares de pessoas.        

Sei que, para melhor compreensão dos leitores, o ideal seria divulgar também o comentário do pastor, mas não o faço pelo motivo já citado. Acredito que ainda assim é válido publicar esta réplica no meu blog. Ei-la, portanto, abaixo.   

Caro Pastor,

Desculpe-me, mas permita-me discordar de sua opinião. O bóson de Higgs não “é só mais uma partícula da matéria criada”. Sua descoberta é resultado de quase cinco décadas de pesquisas e é a última partícula que falta(va) para confirmar um modelo científico. Sua descoberta é considerada muito importante pelos cientistas, pois poderá explicar a origem da matéria. Sem o bóson de Higgs não existiriam galáxias, estrelas, planetas e também seres vivos, pois estes são formados por elementos químicos que são produzidos nas estrelas. Há evidências científicas que fazem com que a grande maioria da comunidade científica aceite a Teoria do Big Bang como a melhor explicação para a origem do Universo, e o bóson de Higgs, se tiver realmente sua existência confirmada, poderá ajudar a ciência a chegar mais perto daquele momento. Os experimentos no LHC, como a descoberta do bóson de Higgs, ajudam a responder questões sobre a criação do universo, a natureza da matéria e outros fenômenos. Certamente você já leu acerca desse tema, mas eu sugiro dar uma olhadinha no link abaixo, que mostra como a chamada “partícula de Deus” funciona. É um vídeo bem curto.
http://veja.abril.com.br/multimidia/video/como-funciona-o-boson-de-higgs 

Você afirma que a ciência “não precisa gastar bilhões de dólares para procurar a ‘partícula de Deus’”. Mais uma vez permita-me discordar de sua opinião. Entendo que precisa sim, pelas razões já citadas acima, e também porque é assim que a ciência trabalha, criando hipóteses e testando-as, ou teorizando sobre fenômenos e depois procurando provas da sua realidade. Se não forem encontradas evidências, as hipóteses ou as teorias são abandonadas. Um grande exemplo disso é a Teoria da Relatividade de Einstein, que foi formulado no início do século passado e ao longo do tempo vem sendo comprovada com experiências e observações.

Você inclusive cita exemplos que corroboram o meu pensamento. Se a ciência não despendesse esforços e dinheiro, nós não teríamos a “biologia molecular” nem o conhecimento das células, não saberíamos nada sobre o macrocosmo (considere a pressão que a Igreja fez contra Galileu) e o microcosmo.

Se não fossem grandes homens que ousaram desafiar o “status quo” do seu tempo –  inclusive o religioso –, como Giordano Bruno, que morreu queimado pela Inquisição em 1600, Galileu e muitos outros, talvez ainda hoje nós vivêssemos na escuridão da ignorância que “mantinha” a Terra no centro de um Universo imutável composto apenas por um punhado de planetas e uns poucos milhares de estrelas fixas.

Muitos outros fenômenos que no passado eram considerados “mistérios de Deus”, hoje são bem explicados. Num passado remoto, achava-se que o Sol era um deus. Hoje, sabe-se como ele foi formado, de que ele é feito e tem-se uma boa noção de qual será o seu futuro. No século 16, o fenômeno que fazia os corpos celestes girarem ao redor de outros corpos, que é o mesmo fenômeno que nos prende à Terra, era considerado um  “mistério de Deus” e não cabia, portanto, ao homem tentar entendê-lo. Hoje, graças a homens como Galileu e Newton, sabe-se exatamente o que é e como funciona esse fenômeno: a força da gravidade. Sabe-se, inclusive, com base na Teoria da Relatividade de Einstein, que não é exatamente uma força, mas uma deformação do espaço provocada pela massa dos corpos, que faz com que os corpos de menor massa “caiam” em direção aos corpos de maior massa.

A ciência tem uma boa explicação para a evolução da vida na Terra, mas ainda não sabe exatamente como ela surgiu. A ciência tem uma boa explicação para a evolução do Universo, mas ainda não sabe exatamente como foi o seu momento imediatamente após o tempo zero. 
  
Não sei se a ciência desvendará totalmente esses “mistérios”, mas eu desejo e espero que isso aconteça. E ficaria extremamente feliz se acontecesse nos anos da minha vida.
  
Não se sabe ainda o que houve “antes” do Big Bang, mas neste momento há cientistas empenhados em descobri-lo. Quem se interessar pelo assunto poderá dar uma lida no último capítulo do livro “Física do impossível”, do físico Michio Kaku. Isso é o belo e encantador na ciência: não temer os desafios da Natureza e seus mistérios, empenhar-se em avançar sempre em busca de novos conhecimentos e, nessa caminhada, corrigir os seus próprios erros.  

Você toca “en  passant” em vários temas, de forma explícita ou implícita: criacionismo, evolucionismo, origem do Universo, origem da vida, complexidade irredutível (que está relacionada ao Design Inteligente)... Também sugere a leitura do livro de Michael Behe*. 

Eu também gostaria de sugerir a leitura do livro “A linguagem de Deus”, de Francis Collins. Ele é um dos mais respeitados cientistas americanos, biólogo, diretor do Projeto Genoma, cristão e teísta. Não se trata, pois, de um cientista ateu, muito embora eu não tenho nenhum preconceito contra os cientistas ateus. Acho que todos devem ter plena liberdade de defender suas ideias, mesmo as que questionam a existência de Deus e temas relacionados à Bíblia. E muitos desses questionamentos se justificam.

O Dr. Francis Collins responde a várias questões relacionadas à origem do Universo, origem da vida, criacionismo, evolucionismo e Design Inteligente. Inclusive, para finalizar, eu gostaria de fazer uma citação do livro “A linguagem de Deus” exatamente acerca desse último tópico:  

“As lacunas percebidas na evolução, e que o ID pretende preencher com Deus, estão sendo preenchidas pelos avanços na ciência. Ao forçar esse ponto de vista limitado e restrito da função de Deus, o Design Inteligente coloca-se, ironicamente, numa trilha que trará danos consideráveis à fé. A sinceridade dos defensores do Design Inteligente não pode ser questionada. A maneira como os que creem em Deus, em particular os evangélicos, acolhem o ID é totalmente compreensível, levando-se em conta o fato de que a teoria de Darwin foi retratada por alguns evolucionistas convictos como obrigatoriamente ateísta. Entretanto, esse navio não se dirige à terra prometida; dirige-se, em vez disso, ao fundo do oceano. Se os que creem em Deus juntarem os últimos vestígios de esperança de que Ele possa encontrar um local na existência humana por meio da teoria do ID e essa teoria for derrubada, o que acontecerá, então, com a fé?”

Saulo Alves de Oliveira

* A caixa preta de Darwin