Por Saulo Alves de Oliveira
Concluindo, eu tenho a impressão de que o episódio foi
tão traumático para Isaque que o marcou por toda a vida. Não posso deixar de
associar esse episódio ao fato de Isaque ter sido uma figura com pouco brilho
na Bíblia. Certamente o menor e o mais inexpressivo dos três patriarcas, os pais
do povo hebreu.
Se
quiser relembrar a história você pode lê-la no livro do Gênesis, capítulo 22,
versículos 1 ao 18.
Há
vários episódios marcantes na vida do patriarca Abraão, o homem que deu origem
aos israelitas e aos árabes. No entanto eu quero ressaltar apenas dois casos. No
primeiro episódio, sua atitude foi louvável e, de certa forma, corajosa. No
outro, todavia, seu comportamento foi no mínimo questionável. Refiro-me aos
eventos relacionados à destruição das cidades de Sodoma e Gomorra e ao quase
assassinato – ou seria tortura psicológica? – do seu filho Isaque,
respectivamente.
No
episódio de Sodoma e Gomorra, Deus diz a Abraão que irá destruir as duas
cidades por conta dos pecados dos seus habitantes. Abraão, neste caso, tem um
comportamento moral digno de ser ressaltado. Ele argui, pondera, questiona e
faz sugestões a Deus.
E
se houver 50 justos naquelas cidades...
45 justos, 40, 30, 20, 10... Abraão negocia com Deus e, em certa medida, é
vitorioso, pois em todos os casos Deus lhe responde: “Não destruirei as
cidades”.
Nos
eventos relacionados às cidades de Sodoma e Gomorra, Abraão não parece aquele
homem de personalidade tímida, sem coragem para reagir, um fraco, quando Deus
lhe pede que sacrifique seu filho Isaque e ele aceita pacificamente, sem
esboçar qualquer reação que demonstrasse minimamente sua insatisfação. Isaque
seria assassinado e queimado em holocausto.
Imagine-se
no lugar de Isaque. Imagine-se amarrado e deitado sobre a lenha em cima de um altar.
Imagine agora que essa lenha se transformaria em uma fogueira que carbonizaria
seu corpo, fogueira que normalmente era usada para queimar animais
sacrificados. Sinta o que Isaque sentiu no exato momento em que vê seu próprio
pai levantando uma faca para cravá-la no seu peito ou então cortar-lhe a
garganta! (sic)
Imaginou?
Sentiu?
Sim,
pode-se argumentar, na hora “h” ele foi salvo. É verdade, mas não sem antes
sofrer toda a agonia inerente àquele que está nos últimos momentos da caminhada
para enfrentar a forca ou a câmara de gás ou o pelotão de fuzilamento. Isaque
não sabia que seria salvo no último instante, portanto deve ter experimentado
todos os terrores e angústias próprios de quem está encarando os rostos dos
seus executores com os rifles apontados para o seu coração e aguarda a palavra
final “atirar”.
(Há
uma história similar mais recente de alguém que foi salvo da morte instantes antes
da sua execução. Conta-se que o grande escritor russo Fiodor
Dostoiévski foi condenado à pena de morte em 1849 por razões políticas. Quando
estava diante do pelotão de fuzilamento, Dostoiévski recebeu a notícia de que
sua condenação à morte havia sido revogada e ele foi enviado para trabalhos forçados na
Sibéria.)
Aquilo
deve ter sido insuportável, certamente muito prejudicial, para a formação de um
jovem de apenas 20 anos. 20 anos?
Não sei. Talvez.
Há
várias versões para a idade de Isaque no momento do triste episódio: 20 anos,
25, 30, 33 ou 37. O dicionário bíblico de John D. Davis, baseado no historiador
Flávio Josefo, afirma que Isaque tinha por volta de 25 anos naquela ocasião
Por
sua vez, as várias versões da Bíblia o tratam como rapaz, menino, moço, garoto
ou mancebo, portanto parece-me razoável aceitar que Isaque era ainda muito jovem,
a ponto de submeter-se ao seu pai – um homem respeitado, porém um velho com bem
mais de 100 anos –, deixando-se amarrar para o sacrifício, mas certamente
suficientemente forte para caminhar três dias a pé até próximo ao local do
sacrifício e depois mais algum tempo com a lenha do holocausto sobre as costas,
que certamente era uma porção razoável, suficiente para queimar um corpo humano,
tendo ainda que subir até o alto de uma montanha, onde se daria a terrível cena
que eu em hipótese alguma gostaria de presenciar.
Todavia,
é de somenos importância a idade de Isaque quando o quase sacrifício ou, talvez
melhor, a tortura se deu. Sob qualquer ângulo moral, parece-me que ele foi submetido
a uma tortura inominável.
Seria
interessante que o escritor do Gênesis tivesse registrado a forma como Abraão
convenceu seu filho a deixar-se amarrar e entregar-se para o sacrifício. Há
várias hipóteses, sem respaldo bíblico, obviamente. Trata-se apenas de especulações,
porém não foge ao escopo deste comentário, porquanto de alguma forma Abraão
deve ter convencido o filho ou então deve ter feito uso de algum estratagema
para amarrá-lo.
Permita-me
conjecturar sobre quatro possíveis respostas para esta questão.
1
– Isaque era um jovem extremamente
obediente e foi convencido pelo pai que aquela era a vontade de Deus. Quem sabe
com alguma promessa de vida após a morte! Esta é a conjectura que melhor se
adapta ao que foi dito acima, porém nada me autoriza a afirmar que assim
aconteceu.
2
– Eles travaram alguma luta corporal e, apesar da idade, de alguma forma Abraão
foi o vencedor.
3
– Abraão administrou, à agua ou
comida do filho, alguma substância indutora do sono que o fez perder os
sentidos e entrar num sono profundo.
4
– Abraão aproveitou algum descuido do filho e fê-lo desmaiar com uma pancada na
cabeça.
Se
a primeira opção não é a verossímel, certamente Abraão deve ter feito uso de
alguma técnica ou recurso desconhecido para amarrar o filho, colocá-lo sobre a
lenha em cima do altar, sem reação contrária de Isaque, e em seguida levantar a
mão com o cutelo – ou faca – para assassiná-lo.
Realmente,
são só conjecturas.
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