Há
algum tempo eu ouvi o testemunho de uma senhora em uma igreja evangélica. Ela
fizera uma recente viagem a um país muito conhecido e contava detalhes da sua experiência.
Ela e seu marido são meus conhecidos há muitos anos, apesar de não ter, com os
dois, relacionamento muito próximo, apenas pouquíssimos contatos pessoais,
restringindo-se basicamente a um “Olá, como vai?” ou “Tudo bem?”
Dentre
os vários assuntos abordados naquela noite, ela disse que ficara chocada quando
leu pela primeira vez na Bíblia que Deus mandara Israel eliminar todo o povo filisteu,
incluindo as crianças. Como pode, perguntara ela na época, Deus mandar matar
inocentes? Acredito que ela se referia ao povo amalequita, como se pode constatar
no texto abaixo.
“Assim diz o Senhor dos Exércitos: Castigarei Amaleque pelo que fez a Israel: ter-se oposto a Israel no caminho, quando este subia do Egito.
Vai, pois, agora, e fere a Amaleque, e destrói totalmente a tudo o que tiver, e nada lhe poupes; porém matarás homem e mulher, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos.”
1 Samuel 15:2,3
Todavia,
depois de refletir sobre o assunto, ela chegou à conclusão que Deus conhece
todas as coisas, inclusive o futuro. Onisciente, Deus sabia que todas aquelas
crianças, quando adultas, seriam pessoas más, desobedientes, adoradoras de
outros deuses. Deus, portanto, mandou Israel eliminar o mal previamente (sic).
Dessa forma, segundo seu entendimento – e certamente para resolver seu drama espiritual
e intelectual –, a questão estava resolvida, simples assim.
Resumindo:
Deus puniu pessoas, obviamente milhares de crianças, de todas as idades, de
peito à primeira adolescência, pelos pecados que seriam cometidos apenas no
futuro, apesar do fato de que aqueles seres humanos não tinham ainda a menor
noção de pecado, nem sequer tinham consciência de que um dia, quando adultos, iriam
ou não cometê-lo. Realmente, o deus de certas pessoas me deixa intrigado, suas
atitudes são muito complicadas, difíceis de entender e questionáveis. Punir
hoje uma criança pelo pecado que ela cometerá somente no futuro, é algo não
moral sob quaisquer aspectos. Não seria mais racional e moral evitar que aquelas
crianças viessem ao mundo?
Isso
faz-me lembrar a história de uma pessoa conhecida que, criança nos anos dez do
século passado, passou por uma experiência inusitada. Certa vez seu pai lhe pediu
que fosse à cidade com alguma incumbência, mas advertiu: “Vá e volte imediatamente,
não se desvie da sua tarefa, venha para casa assim que terminá-la”. Certo meu
pai, respondeu o garoto e se encaminhou para a porta da casa. Ao chegar à
porta, o pai exclamou: “Espere, venha cá, como eu sei que você irá me
desobedecer, vou lhe bater antecipadamente”. E surrou o filho. Portanto, o filho
foi punido previamente pelo “pecado” que ainda não tinha cometido. Ainda bem
que o padrão moral e de justiça dos meus pais era bem mais elevado.
Eu
fico profundamente impressionado com o fato de alguns crentes se
autoconvencerem tão facilmente da justiça ou da normalidade de coisas tão
perturbadoras. Isso não incomoda você?
Enquanto
ela falava, alguns nomes ou acontecimentos da história da humanidade vieram à
minha mente: Herodes, assassinato das crianças abaixo de 2 anos no tempo do
menino Jesus, Nero, Calígula, Santa (sic) Inquisição, Noite de São Bartolomeu,
detratores de Giordano Bruno que o queimaram “vivo” na fogueira no ano de 1600,
Rei Leopoldo II, da Bélgica, genocídio no Congo, Hitler, Holocausto, milhões de
seres humanos torturados e mortos, Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra
Mundial, Stalin, dezenas de milhões de assassinatos, Brilhante Ustra, Idi Amin
Dada, ditadores, torturadores e assassinos pelo mundo afora...
Eu
sei que já perdi amizades por conta dos meus questionamentos, o que lamento
profundamente, e, é provável, alguns já me colocaram no índex dos hereges,
indigno, portanto, de receber sequer um “olá”. Todavia, meus amigos – peço
desculpas pois não quero ferir a sensibilidade de ninguém –, não dá para não
concluir:
E
Deus, nesses terríveis casos, resolveu não agir previamente.
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