segunda-feira, 10 de junho de 2013

“Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”

Certa vez eu fiz a seguinte afirmação:

“Nós não podemos dizer que uma pessoa está mentindo quando afirma que viu, ouviu ou sentiu algo que somente ela viu, ouviu ou sentiu. Se a pessoa é sincera, honesta, certamente não está mentindo. No entanto, não temos nenhuma obrigação de acreditar que algo é real se não nos forem apresentadas evidências de que o que foi visto, ouvido ou sentido não é simplesmente fruto da mente humana, isto é, do medo, de uma autossugestão ou tão somente alucinações ou delírios de um fanático.”

Ao ler minha afirmação, um amigo me disse: “Cientificamente, um fato visto e contado por dezenas de pessoas torna-se verdadeiro. Por uma só pessoa, mesmo sendo honesta e sincera – e, portanto, certamente não mente –, não é suficiente como prova”.

Talvez no mundo jurídico a afirmação do meu amigo tenha algum sentido. Entretanto, tratando-se de ciência, as coisas não são tão simples assim.

Mesmo sendo visto por dezenas, centenas ou até milhares de pessoas um fato não se torna obrigatoriamente verdadeiro, real. Por quê? Porque a mente humana é falha, os olhos humanos são falhos, nossos sentidos são imperfeitos, os seres humanos são sugestionáveis e não raras vezes se deixam influenciar por indivíduos inescrupulosos. Se não fosse assim não existiriam alguns supostos paranormais que simulam aos olhos dos crédulos “verdadeiras” curas ou impressionantes feitos, quando na verdade não passam de truques de mágica. E ainda existe a possibilidade de uma alucinação coletiva.

Mágicos honestos fazem truques que, aos nossos olhos, parecem verdadeiros milagres, porém eles mesmos dizem que se trata de ilusionismo e não realidade. Mágicos experientes conseguem descobrir o segredo de qualquer mágica, já o homem comum, leigo no assunto, como eu, não.

Paranormais farsantes utilizam-se da mágica, ou de outros artifícios, por exemplo, a leitura fria(*), e conseguem fazer muita gente acreditar em coisas que não existem na realidade. A leitura fria(*) é utilizada para simular contatos com os mortos. E muitas pessoas, normalmente carentes pela perda de um ente querido, embarcam na conversa de gente inescrupulosa que visa tão somente tirar proveito financeiro.

Lamentavelmente, no meio religioso também há alguns oportunistas que se aproveitam da carência de pessoas sofridas e incautas para obter ganhos financeiros – mesmo que não façam uso da leitura fria(*). Valem-se, nesse caso, da sua capacidade retórica e da ascendência que têm sobre os fieis. Às vezes recorrem a expressões genéricas que se adaptam a qualquer pessoa – do tipo “Eu sinto que aqui há uma pessoa...” ou  “Deus está me revelando...” Com certeza, no meio de centenas de pessoas sempre haverá alguém que se encaixe direitinho na suposta revelação. E certamente eles sabem muito bem como explorar esse filão.

Para um fato ser considerado científíco é preciso que o seu descobridor explique como o executou e quais foram os resultados obtidos. Geralmente faz-se isso divulgando o experimento em uma respeitada revista científica, ou se expõe a descoberta em um encontro de cientistas. Então, o fato ou experimento é submetido ao crivo dos outros cientistas, que o reproduzirão diversas vezes e só o aprovarão como fato científico se obtiverem os mesmos resultados. Se qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo fizer a mesma experiência, sob idênticas condições, e obtiver os mesmos resultados, esse fato é aceito cientificamente. Caso contrário, o autor ou descobridor deverá voltar ao seu laboratório para verificar/corrigir possíveis falhas ou então aquela descoberta ou experiência é abandonada.

Milhares de pessoas relatam avistamentos de óvnis (objetos voadores não identificados), no entanto até hoje nada foi encontrado que comprove a existência de seres extraterrestres. Por exemplo, um pequeno pedaço de uma nave feito de uma liga metálica muito à frente da capacidade tecnológica humana atual de produzir tal artefato, ou mesmo um instrumento/máquina com essas características, ou, ainda melhor, uma nave alienígena completa. A ciência não descarta a existência de seres extraterrestres, e é possível que eles existam, mas até hoje nada comprova, com toda a segurança, sua existência.

Não é o fato de milhares de pessoas afirmarem ter visto óvnis que torna verdadeira sua existência. São necessárias evidências irrefutáveis de sua presença entre nós.

Existem outros fatos científicos que não podem ser reproduzidos diretamente em laboratório, como o Big Bang ou a Teoria da Evolução, mas existem outras formas indiretas de comprová-los, como, por exemplo, o estudo da cosmologia ou da geologia, da paleontologia, da genética, a confirmação de hipóteses... Porém não vou entrar nesses temas, pois demandaria muito tempo e não sou um especialista, mas apenas alguém que tem muito interesse nos dois assuntos, como em ciência de um modo geral.

Quanto à segunda afirmação do meu amigo, infelizmente acontecem muitos casos no meio evangélico, e esse foi o motivo principal do meu comentário inicial. Não é incomum surgirem nos púlpitos das igrejas pessoas relatando histórias as mais mirabolantes possíveis, como terem sido levadas, através de visões, sonhos, ou outro qualquer estado mental, ao inferno ou ao céu, e contam coisas terríveis que viram ou ouviram, e estimo que 90% dos ouvintes acreditam naquela história sem nenhum questionamento. Para mim esse é o grande problema, acreditar sem questionar.

E se a história for relatada por alguém que tem ascendência sobre os fiéis, e sua confiança – um verdadeiro “homem” ou “mulher” de Deus, como é comum ouvir-se no meio cristão evangélico –, é provável que esse percentual chegue aos 99,99%. Se eu estiver presente, seguramente farei parte do 0,01% restante.

Já estive em reuniões onde dezenas ou centenas de pessoas foram supostamente curadas, e os presentes acreditaram nesse fato e o divulgaram, quando talvez apenas uma ou duas pessoas o tenham sido de fato. E estranhamente parece que não há interesse algum, das autoridades religiosas – fica a pergunta: por quê? –, em checar depois o que de fato ocorreu, ou seja, acompanhar um a um os casos de curas, para oportunamente informar a verdade, como por exemplo, esclarecer a todos que, dos vários testemunhos de supostas curas, apenas uma, duas ou três realmente se confirmaram.

A grande maioria das pessoas, lamentavelmente, acredita em tudo que se afirma nos púlpitos das igrejas sem nenhum questionamento, mesmo em coisas que podem ser facilmente forjadas ou que têm simplesmente uma explicação natural.

Um certo cientista e escritor afirmou: “Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”.

Espero que os leitores não me tomem por soberbo, pois sei que a soberba é uma qualidade negativa no caráter de qualquer pessoa, mas felizmente eu já superei esse comportamento há muito tempo.

Saulo Alves de Oliveira
 
(*) Leitura fria:

Técnica ou recurso muito utilizado por alguns videntes ou médiuns. Em síntese, consiste em fazer perguntas vagas ou afirmações genéricas e aguardar a reação do público, da platéia ou de um cliente. Por exemplo: o médium pode afirmar “Eu estou sentindo a presença de alguém que não está mais neste mundo. Eu vejo um nome... começa com a letra J... pode ser João, José, Joaquim, Josefa...”

Uma senhora, que perdeu o marido há seis meses, por exemplo, ainda compreensivelmente muito fragilizada, diz que seu marido morreu há pouco tempo e seu nome era Jordão, ou mesmo José. Então, o médium diz que Jordão está ali presente e quer dar uma mensagem para a esposa.

O médium continua a fazer suas perguntas vagas ou afirmações genéricas e a vítima vai fornecendo as informações que servirão para as outras perguntas. Se, em dado momento, a coisa não funcionar, ele muda rapidamente para outra questão, e as pessoas, tão embevecidas com sua suposta vidência, não se dão conta de que elas mesmas estão fornecendo todas as informações.

Se quiser ler algo mais sobre leitura fria clique aqui.         

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