“Nós não podemos dizer que uma pessoa está mentindo quando afirma que viu, ouviu ou sentiu algo que somente ela viu, ouviu ou sentiu. Se a pessoa é sincera, honesta, certamente não está mentindo. No entanto, não temos nenhuma obrigação de acreditar que algo é real se não nos forem apresentadas evidências de que o que foi visto, ouvido ou sentido não é simplesmente fruto da mente humana, isto é, do medo, de uma autossugestão ou tão somente alucinações ou delírios de um fanático.”
Ao ler minha afirmação, um amigo
me disse: “Cientificamente, um fato visto e contado por dezenas de pessoas
torna-se verdadeiro. Por uma só pessoa, mesmo sendo honesta e sincera – e,
portanto, certamente não mente –, não é suficiente como prova”.
Talvez no mundo jurídico a
afirmação do meu amigo tenha algum sentido. Entretanto, tratando-se de ciência,
as coisas não são tão simples assim.
Mesmo sendo visto por dezenas,
centenas ou até milhares de pessoas um fato não se torna obrigatoriamente
verdadeiro, real. Por quê? Porque a mente humana é falha, os olhos humanos são
falhos, nossos sentidos são imperfeitos, os seres humanos são sugestionáveis e
não raras vezes se deixam influenciar por indivíduos inescrupulosos. Se não
fosse assim não existiriam alguns supostos paranormais que simulam aos olhos
dos crédulos “verdadeiras” curas ou impressionantes feitos, quando na verdade
não passam de truques de mágica. E ainda existe a possibilidade de uma alucinação
coletiva.
Mágicos honestos fazem truques
que, aos nossos olhos, parecem verdadeiros milagres, porém eles mesmos dizem
que se trata de ilusionismo e não realidade. Mágicos experientes conseguem
descobrir o segredo de qualquer mágica, já o homem comum, leigo no assunto,
como eu, não.
Paranormais farsantes utilizam-se
da mágica, ou de outros artifícios, por exemplo, a leitura fria(*), e conseguem fazer muita gente acreditar
em coisas que não existem na realidade. A leitura
fria(*)
é utilizada para simular contatos com os mortos. E muitas pessoas, normalmente
carentes pela perda de um ente querido, embarcam na conversa de gente
inescrupulosa que visa tão somente tirar proveito financeiro.
Lamentavelmente, no meio religioso
também há alguns oportunistas que se aproveitam da carência de pessoas sofridas
e incautas para obter ganhos financeiros – mesmo que não façam uso da leitura fria(*). Valem-se, nesse caso, da
sua capacidade retórica e da ascendência que têm sobre os fieis. Às vezes recorrem
a expressões genéricas que se adaptam a qualquer pessoa – do tipo “Eu sinto que
aqui há uma pessoa...” ou “Deus está me
revelando...” Com certeza, no meio de centenas de pessoas sempre haverá alguém
que se encaixe direitinho na suposta revelação. E certamente eles sabem muito
bem como explorar esse filão.
Para um fato ser considerado
científíco é preciso que o seu descobridor explique como o executou e quais
foram os resultados obtidos. Geralmente faz-se isso divulgando o experimento em
uma respeitada revista científica, ou se expõe a descoberta em um encontro de
cientistas. Então, o fato ou experimento é submetido ao crivo dos outros
cientistas, que o reproduzirão diversas vezes e só o aprovarão como fato
científico se obtiverem os mesmos resultados. Se qualquer pessoa em qualquer
lugar do mundo fizer a mesma experiência, sob idênticas condições, e obtiver os
mesmos resultados, esse fato é aceito cientificamente. Caso contrário, o autor
ou descobridor deverá voltar ao seu laboratório para verificar/corrigir
possíveis falhas ou então aquela descoberta ou experiência é abandonada.
Milhares de pessoas relatam avistamentos
de óvnis (objetos voadores não identificados), no entanto até hoje nada foi
encontrado que comprove a existência de seres extraterrestres. Por exemplo, um
pequeno pedaço de uma nave feito de uma liga metálica muito à frente da capacidade
tecnológica humana atual de produzir tal artefato, ou mesmo um
instrumento/máquina com essas características, ou, ainda melhor, uma nave
alienígena completa. A ciência não descarta a existência de seres extraterrestres, e é
possível que eles existam, mas até hoje nada comprova, com toda a segurança,
sua existência.
Não é o fato de milhares de
pessoas afirmarem ter visto óvnis que torna verdadeira sua existência. São
necessárias evidências irrefutáveis de sua presença entre nós.
Existem outros fatos científicos
que não podem ser reproduzidos diretamente em laboratório, como o Big Bang ou a
Teoria da Evolução, mas existem outras formas indiretas de comprová-los, como,
por exemplo, o estudo da cosmologia ou da geologia, da paleontologia, da genética,
a confirmação de hipóteses... Porém não vou entrar nesses temas, pois
demandaria muito tempo e não sou um especialista, mas apenas alguém que tem
muito interesse nos dois assuntos, como em ciência de um modo geral.
Quanto à segunda afirmação do meu
amigo, infelizmente acontecem muitos casos no meio evangélico, e esse foi o
motivo principal do meu comentário inicial. Não é incomum surgirem nos púlpitos
das igrejas pessoas relatando histórias as mais mirabolantes possíveis, como
terem sido levadas, através de visões, sonhos, ou outro qualquer estado mental,
ao inferno ou ao céu, e contam coisas terríveis que viram ou ouviram, e estimo
que 90% dos ouvintes acreditam naquela história sem nenhum questionamento. Para
mim esse é o grande problema, acreditar sem questionar.
E se a história for relatada por
alguém que tem ascendência sobre os fiéis, e sua confiança – um verdadeiro
“homem” ou “mulher” de Deus, como é comum ouvir-se no meio cristão evangélico
–, é provável que esse percentual chegue aos 99,99%. Se eu estiver presente,
seguramente farei parte do 0,01% restante.
Já estive em reuniões onde
dezenas ou centenas de pessoas foram supostamente curadas, e os presentes
acreditaram nesse fato e o divulgaram, quando talvez apenas uma ou duas pessoas
o tenham sido de fato. E estranhamente parece que não há interesse algum, das autoridades
religiosas – fica a pergunta: por quê? –, em checar depois o que de fato
ocorreu, ou seja, acompanhar um a um os casos de curas, para oportunamente
informar a verdade, como por exemplo, esclarecer a todos que, dos vários testemunhos de supostas curas, apenas uma, duas ou três realmente se
confirmaram.
A grande maioria das pessoas,
lamentavelmente, acredita em tudo que se afirma nos púlpitos das igrejas sem
nenhum questionamento, mesmo em coisas que podem ser facilmente forjadas ou que
têm simplesmente uma explicação natural.
Um certo cientista e escritor afirmou:
“Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”.
Espero que os leitores não me
tomem por soberbo, pois sei que a soberba é uma qualidade negativa no caráter
de qualquer pessoa, mas felizmente eu já superei esse comportamento há muito
tempo.
Saulo Alves de Oliveira
(*)
Leitura fria:
Técnica ou recurso muito
utilizado por alguns videntes ou médiuns. Em síntese, consiste em fazer
perguntas vagas ou afirmações genéricas e aguardar a reação do público, da platéia
ou de um cliente. Por exemplo: o médium pode afirmar “Eu estou sentindo a presença
de alguém que não está mais neste mundo. Eu vejo um nome... começa com a letra J...
pode ser João, José, Joaquim, Josefa...”
Uma senhora, que perdeu o marido
há seis meses, por exemplo, ainda compreensivelmente muito fragilizada, diz que
seu marido morreu há pouco tempo e seu nome era Jordão, ou mesmo José. Então, o
médium diz que Jordão está ali presente e quer dar uma mensagem para a esposa.
O médium continua a fazer suas perguntas
vagas ou afirmações genéricas e a vítima vai fornecendo as informações que
servirão para as outras perguntas. Se, em dado momento, a coisa não funcionar,
ele muda rapidamente para outra questão, e as pessoas, tão embevecidas com sua suposta
vidência, não se dão conta de que elas mesmas estão fornecendo todas as informações.
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