Fui até o escritório e disse: “Paola,
estou indo pra aula, sua avó está em casa e sua mãe logo chegará.”
Despedi-me assim da minha neta de
4 anos, que estava brincando no computador, e saí de casa por volta das dezoito
horas e quarenta minutos.
Terminada a aula, resolvi visitar
meu pai, e fiquei em sua casa até por volta das vinte e duas horas. Cerca de
dez minutos depois, estava de regresso a minha casa.
- Papai, você esteve em
casa entre oito horas e oito e trinta?, perguntou Vítor, meu filho.
- Não!, respondi com surpresa.
Por quê?
- É que a Paola lhe
procurou dizendo que viu você chegar, arrematou o Vítor.
Como minha neta já estava
dormindo não pude conversar com ela.
No dia seguinte, falei com a
Sulanira, minha esposa, sobre o episódio.
- É, ela esteve no quarto,
abriu a porta do closet e perguntou:
“Cadê o vovô?”, pensando que você estava no banheiro.
- Seu avô foi pra aula e
ainda não voltou, respondeu a avó.
- Mas eu vi o vovô chegar!,
insistiu minha neta.
Bem, perguntaria alguém, por que você
está contando essa história?
Acho que outra pergunta trará um
pouco de luz à questão: o que diriam os espíritas e seus simpatizantes se,
enquanto estava fora de casa, eu tivesse morrido ou sofrido um grave acidente? Já
respondo: certamente que o meu espírito teria vindo avisar a minha família, e somente
minha neta, por ser mais sensível à espiritualidade – quiçá médium –, percebeu.
Quantas histórias similares nós já
ouvimos parentes ou amigos relatarem?
“Eu pensei em meu amigo e logo em
seguida ele ligou ou chegou a minha casa”; ou “Eu senti a presença do meu filho,
ou ouvi sua voz, e pouco depois chegou a notícia de que ele sofrera um grave acidente
e estava em coma ou morrera”. E por aí vai. Os exemplos são muitos.
Na realidade, tudo não passa de
uma coisa chamada coincidência; e o que se percebe é que as pessoas só levam em
conta o que eu denomino de “registros positivos”, ou seja, só lhes sensibilizam
os supostos avisos ou pressentimentos quando estes coincidem com situações
reais. Quando não, e não são poucos, suas mentes não os registram ou não os consideram,
pois não as impressionam. Os supostos avisos que não se concretizam não são
considerados, pois não chamam a atenção.
Você já prestou atenção a quantas
vezes “sentiu” a presença de alguém, “ouviu” uma voz, teve um suposto “aviso”,
até em sonhos, ou uma premonição, e nada aconteceu? É o que eu chamo de
“registro negativo”. Ninguém leva em conta os registros negativos. Eles passam despercebidos.
Se você é suscetível a essas
sensações ou avisos, faça uma experiência. Ao longo de certo período, por
exemplo, um ano, anote todas as vezes que eles ocorrerem, e depois veja quantas
vezes nada aconteceu. Compare-as então com os registros positivos. É um bom caminho
para se chegar a alguma conclusão. Nada conclua com base em apenas um evento,
pois é assim que se formam as crendices populares.
Sempre que você tiver uma experiência aparentemente mística,
procure primeiro uma explicação racional. Talvez você encontre uma explicação simples
que tem muito mais a ver com o terreno do que com o sobrenatural.
Existe um princípio conhecido dos
cientistas denominado “A Navalha de Occam”. Ele diz mais ou menos assim: entre
duas hipóteses que explicam os fatos, escolha sempre a mais simples.
No caso que relatei acima, como
explicar o fato da minha neta ter sentido a minha presença em casa? Com certeza
eu não sei a resposta exata, pois viajei no dia seguinte e só regressei três
dias depois. Infelizmente, quando conversamos, ela não mais se lembrava da
história. Mas há possíveis explicações bem simples, como esta, por exemplo:
todos os familiares estavam em casa, exceto eu; ela pode ter ouvido o barulho
do carro do vizinho ao chegar em sua casa e ter concluído que era o meu carro
entrando na garagem da nossa casa. Há uma série de outras explicações simples que
dispensam a necessidade de se recorrer a algo místico.
O meu ceticismo, todavia, não é
algo inflexível. Eu não sou cético ao ponto de não admitir que o ser humano
possa ser dotado de sentidos ainda não compreendidos, mormente em relações muito próximas como a de
mãe e filho. Quem não é suscetível a examinar experiências novas, jamais correrá
o risco de descobrir realidades novas. Porém, enquanto não forem apresentados
estudos com evidências irrefutáveis, feitos por grupos independentes de
cientistas, sem qualquer interesse no tema, para mim tais fatos continuarão como
fantasias da mente humana ou crendices populares ou mera coincidência.
Contudo, se lhe satisfaz
continuar acreditando em coisas fantasiosas simplesmente porque lhe traz
conforto, tudo bem, a escolha é sua. Quanto a mim... bem, quanto a mim não me satisfaz
simplesmente acreditar. O que eu quero é descobrir o que há realmente de verdade
no recôndito das experiências humanas.
Saulo Alves de Oliveira
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