Confesso-lhes que me impressionam a tranquilidade e, às
vezes, a aprovação de muitos cristãos a toda barbárie cometida por Israel, num
passado longínquo, contra os povos tidos como seus inimigos. Lamentavelmente,
isso não se restringe ao passado. Ainda hoje é assim. A minha impressão é que
muitos cristãos apoiam Israel incondicionalmente. Parece que Israel era – e tudo
indica que ainda é nos nossos dias – tal qual o famoso espião James Bond, o agente
de ficção 007, o qual, a serviço de Sua Majestade, tinha permissão para assassinar qualquer inimigo.
Há algo bem interessante e contraditório nessa história. Algumas
nações contemporâneas de Israel nos tempos do Antigo Testamento eram formadas
por povos muito atrasados, ignorantes e bárbaros, pois sacrificavam alguns dos seus filhos aos seus deuses .
Moloque era um desses deuses antigos, deus dos amonitas, um
dos povos inimigos de Israel. Moloque tinha aparência de corpo humano, com
cabeça de boi ou leão. Havia uma cavidade no seu ventre onde era colocado fogo.
Crianças eram jogadas ali e queimadas vivas, em sacrifício àquela divindade.
Tempos bárbaros, de atitudes igualmente bárbaras.
Israel, por sua vez, povo que servia ao verdadeiro Deus, cometia
atos de barbárie ainda maior ao promover e executar o assassinato em massa de
inocentes crianças. O exército de Israel efetuava, de forma indiscriminada, a
matança de todas as crianças de uma cidade ou de um povo, além de matar todos
os adultos e animais, às vezes de forma covarde, e destruir todas as cidades
que eram atacadas. Em resumo: Israel combatia a barbárie cometendo barbárie
ainda maior. Se os povos antigos ofereciam alguns de seus filhos aos deuses,
Israel os oferecia todos à morte.
Às vezes eu me pergunto: “Como é que Deus mandou matar, e o
pior, de forma indiscriminada? Por que Deus mandou o antigo Israel trucidar
populações inteiras, cometendo verdadeiros genocídios e, pasmem, infanticídios?”
Vai, pois, agora e fere a Amaleque, e o destrói totalmente com tudo o que
tiver; não o perdoes, porém matarás homens e mulheres, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos.
1 Samuel 15.3
Sinceramente, por mais que eu tente, não consigo alcançar o topo
dessa ideia para vislumbrar o significado altruísta de tudo isso. Parece-me sugestivo
de verdades desconcertantes, as quais, no momento, prefiro manter no meu cofre
dos segredos, do qual só eu tenho a chave. Sinto-me profundamente incomodado e
meu espírito não encontra afinidade com tais práticas, que revelam o caráter animalesco
e monstruoso do ser humano. A diferença é que os animais não têm consciência do
mal. A minha repulsa a toda aquela crueldade é maior que qualquer justificativa
ou desculpa já ouvidas.
É claro que os estudiosos da Bíblia, especialmente os
cristãos, têm uma explicação para tanta violência, mas isso não resolve o
problema. A questão é saber se as justificativas são morais ou não.
Uma das justificativas é a de que Deus é soberano e assim,
como qualquer juiz que julga, dá a sentença e ordena que outros a cumpram, Deus
julgou aqueles povos e, segundo sua vontade que não nos compete questionar,
achou-os dignos de morte e escolheu Israel para fazer cumprir sua sentença. Deus
mata quem Ele quer, da forma que Ele quer, quando Ele quer e não nos cabe
questionar, mas simplesmente, como criaturas, aceitar. Por mais incompreensível
que nos possa parecer, não nos compete fazer qualquer questionamento, dizem alguns
estudiosos cristãos. Talvez os muçulmanos que matam os “infiéis” – infiéis na
ótica dos próprios muçulmanos –, também pensem assim. Quem sabe os cruzados
também pensassem assim. A Inquisição Católica sem dúvida alguma pensava dessa
forma!
Num esforço enorme para superar os valores morais que defendo,
suponhamos que os adultos merecessem, por seus crimes e pecados, a morte. É
quase intransponível aceitar a ideia de que todos os adultos merecessem ser aniquilados
cruelmente ao fio da espada. Todavia, e as crianças, que crimes cometeram? Quais
foram os seus pecados? Pagaram pelos pecados dos seus pais? Qual o princípio
moral que diz que isso é aceitável?
Não se farão morrer os pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um morrerá pelo seu próprio pecado.
Deuteronômio 24.16
Alguém pode alegar que as crianças no futuro, ao se tornarem adultas,
poderiam se vingar dos algozes dos seus pais, portanto mereciam morrer pelo
pecado que ainda não tinham cometido. Sob qualquer ângulo moral isso não se
sustenta, pois ninguém pode pagar antecipadamente por um crime que suposta ou
provavelmente vai cometer no futuro. Julgo que apenas na cabeça de pessoas
desprovidas de qualquer senso de justiça isso pode encontrar alguma razão
plausível.
E há um fato que põe totalmente por terra essas alegações.
Por que os animais também eram mortos? Não há qualquer justificativa moral para
sua morte. Animal não comete pecado nem tem consciência do mesmo, tampouco poderia
cometer atos de vingança no futuro.
Infelizmente, até hoje nenhuma explicação que eu ouvi me
satisfez, sobretudo sobre o ponto de vista de um Deus cujo “benignidade dura
para sempre”.
Quem sabe eu ainda encontre uma explicação que me convença da
justeza moral de toda barbárie e violência que encontramos no Velho Testamento!
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