quinta-feira, 22 de março de 2018

Um foi para o Céu, o outro para o Inferno

Por Saulo Alves de Oliveira

Às vezes eu penso coisas que, talvez para alguns, podem parecer heresia, todavia, se eu posso deixar de externar o que penso, é certo que eu não posso deixar de pensar o que penso. E se eu não externar o que penso, eu apenas estarei evitando que as outras pessoas o saibam, pois, se Ele sabe tudo, Ele sabe tudo o que penso.   

No último domingo, por ocasião do almoço, minha mente começou a divagar abruptamente acerca das duas situações descritas abaixo. Não são reais, evidentemente, mas são possíveis. O interessante é que a conversa à mesa nada tinha a ver com essa dicotomia. 

João tinha sessenta e cinco de idade. Era um bom homem, bom marido, ótimo pai, cumpridor dos seus deveres, cidadão exemplar, daquelas pessoas cujo sim é sim e o não é não, nunca se ouviu falar mal do João, fiel à esposa ao longo dos seus 40 anos de casados, um crente fiel e sincero, como se diz no meio cristão evangélico, durante toda a vida. Todavia, por uma razão que eu não sei explicar, João se envolveu com uma colega de trabalho e – sabe aquela história de “aquele que pensa estar em pé, olhe não caia?” – caiu. Foi somente uma vez. Pouco tempo depois, cerca de duas horas, ainda desesperado sem saber o que fazer, João teve um ataque cardíaco fulminante e, infelizmente, morreu. O pobre João não teve sequer tempo de pedir perdão nem à esposa nem a Deus.

Resultado: João foi para o inferno.

José tinha sessenta e cinco anos de idade. Homem mau, péssimo marido, pai descuidado, negociante desonesto, explorador dos empregados, mentia por brincadeira, raras vezes cumpria sua palavra, bebedor contumaz, fumante inveterado, jogos de azar eram seus passatempos preferidos, traidor das cinco esposas que teve ao longo de sua vida, igreja?, nem pensar, passava longe. Todavia, certa noite, a convite de um amigo, um pouco a contragosto, José assistiu a um culto e, na hora do apelo, sentindo-se tocado pela mensagem, aceitou o Evangelho, ou, num linguajar bem característico da comunidade evangélica, aceitou a Jesus como Salvador de sua vida. Pouco tempo depois, cerca de duas horas, antes de chegar à sua casa, Jose teve um ataque cardíaco fulminante e, lamentavelmente, morreu. O infeliz José não teve ao menos tempo de pedir perdão nem à esposa nem aos demais familiares e amigos.

Resultado: José foi para o céu.

Fim da divagação. Voltei ao almoço no mundo real.

Acreditar ou não nessas duas possibilidades, fica a critério de cada um.

sábado, 17 de março de 2018

A morte de Marielle e o seu significado

Por Saulo Alves de Oliveira

É incrível, e até chocante, a diferença entre os discursos da direita e da esquerda em relação a determinados episódios da vida nacional. Exemplo claro: o assassinato da vereadora Marielle Franco.

A esquerda apresenta um viés humanista pela perda de um ser humano executado brutalmente e às claras em pleno centro da cidade. Já a direita procura relativizar ao fazer comparações totalmente descabidas e ainda tenta desqualificar covardemente o morto.

O que me choca mais são os comentários dos cristãos de direita que, pelo menos teoricamente, assim penso, deveriam ser os mais sensibilizados pelo brutal assassinato de Marielle, posto que se autoproclamam filhos e servos de alguém que disse assim “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. E o que me entristece ainda mais é que eu sou oriundo desse meio, onde convivi ativamente por mais de 40 anos, e, ao longo desse tempo, acho que não tive a necessária percepção desse aspecto de parte importante da comunidade cristã evangélica. Na realidade, eu acho que confiei além do razoável em determinados líderes.

Felizmente, ou infelizmente, dependendo da visão de cada um, a cada dia que se passa eu faço descobertas que me conduzem por uma outra estrada totalmente diferente da que se me descortinava há, talvez, 20 ou mais anos.

É evidente, e eu não sei porque é tão difícil entender isso, que não têm o mesmo significado a morte de Marielle e a morte de qualquer pessoa em um assalto ou mesmo de um policial em confronto com bandidos.

É claro que são perdas inaceitáveis de vidas humanas. Do ponto de vista dos familiares e amigos, e de qualquer ser realmente humano, tais perdas provocam a mesma dor, tristeza e revolta. Todavia os significados dessas mortes são totalmente diferentes. Uma coisa é a morte de uma pessoa por ocasião de um assalto ou de um policial em um confronto com bandidos. Outra coisa bem diferente é a morte por encomenda de um agente público em uma emboscada.

Imaginem um juiz que trava uma luta contra grupos mafiosos e é executado por pistoleiros pagos para isso.

Agora imaginem a morte de um juiz em um assalto ou numa briga de trânsito.

São situações totalmente diferentes com significados díspares.

Os dois casos representam a morte de dois seres humanos, o que mostra claramente o grau de degradação moral em que vive a nossa civilização, todavia o primeiro caso representa uma afronta direta ao estado democrático de direito e transmite a todos nós a seguinte mensagem: se um juiz, uma autoridade do estado, não tem segurança para fazer o seu trabalho, você e eu, cidadãos comuns, estamos irremediavelmente perdidos, pois o estado está falido.

O meu entendimento é de tal ordem que eu sempre defendi que devam ser fortemente agravadas as penas dos mandantes e dos executores de crimes de assassinatos de juízes, promotores ou policiais que investigam grupos criminosos.

Este é o significado da morte da vereadora Marielle Franco e o porquê da consequente repercussão. 

sexta-feira, 16 de março de 2018

Barbárie versus barbárie

Por Saulo Alves de Oliveira

Confesso-lhes que me impressionam a tranquilidade e, às vezes, a aprovação de muitos cristãos a toda barbárie cometida por Israel, num passado longínquo, contra os povos tidos como seus inimigos. Lamentavelmente, isso não se restringe ao passado. Ainda hoje é assim. A minha impressão é que muitos cristãos apoiam Israel incondicionalmente. Parece que Israel era – e tudo indica que ainda é nos nossos dias – tal qual o famoso espião James Bond, o agente de ficção 007, o qual, a serviço de Sua Majestade, tinha permissão para assassinar qualquer inimigo.

Há algo bem interessante e contraditório nessa história. Algumas nações contemporâneas de Israel nos tempos do Antigo Testamento eram formadas por povos muito atrasados, ignorantes e bárbaros, pois sacrificavam alguns dos seus filhos aos seus deuses   .

Moloque era um desses deuses antigos, deus dos amonitas, um dos povos inimigos de Israel. Moloque tinha aparência de corpo humano, com cabeça de boi ou leão. Havia uma cavidade no seu ventre onde era colocado fogo. Crianças eram jogadas ali e queimadas vivas, em sacrifício àquela divindade. Tempos bárbaros, de atitudes igualmente bárbaras.

Israel, por sua vez, povo que servia ao verdadeiro Deus, cometia atos de barbárie ainda maior ao promover e executar o assassinato em massa de inocentes crianças. O exército de Israel efetuava, de forma indiscriminada, a matança de todas as crianças de uma cidade ou de um povo, além de matar todos os adultos e animais, às vezes de forma covarde, e destruir todas as cidades que eram atacadas. Em resumo: Israel combatia a barbárie cometendo barbárie ainda maior. Se os povos antigos ofereciam alguns de seus filhos aos deuses, Israel os oferecia todos à morte.   
  
Às vezes eu me pergunto: “Como é que Deus mandou matar, e o pior, de forma indiscriminada? Por que Deus mandou o antigo Israel trucidar populações inteiras, cometendo verdadeiros genocídios e, pasmem, infanticídios?”

Vai, pois, agora e fere a Amaleque, e o destrói totalmente com tudo o que tiver; não o perdoes, porém matarás homens e mulheres, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos.

1 Samuel 15.3

Sinceramente, por mais que eu tente, não consigo alcançar o topo dessa ideia para vislumbrar o significado altruísta de tudo isso. Parece-me sugestivo de verdades desconcertantes, as quais, no momento, prefiro manter no meu cofre dos segredos, do qual só eu tenho a chave. Sinto-me profundamente incomodado e meu espírito não encontra afinidade com tais práticas, que revelam o caráter animalesco e monstruoso do ser humano. A diferença é que os animais não têm consciência do mal. A minha repulsa a toda aquela crueldade é maior que qualquer justificativa ou desculpa já ouvidas.

É claro que os estudiosos da Bíblia, especialmente os cristãos, têm uma explicação para tanta violência, mas isso não resolve o problema. A questão é saber se as justificativas são morais ou não.

Uma das justificativas é a de que Deus é soberano e assim, como qualquer juiz que julga, dá a sentença e ordena que outros a cumpram, Deus julgou aqueles povos e, segundo sua vontade que não nos compete questionar, achou-os dignos de morte e escolheu Israel para fazer cumprir sua sentença. Deus mata quem Ele quer, da forma que Ele quer, quando Ele quer e não nos cabe questionar, mas simplesmente, como criaturas, aceitar. Por mais incompreensível que nos possa parecer, não nos compete fazer qualquer questionamento, dizem alguns estudiosos cristãos. Talvez os muçulmanos que matam os “infiéis” – infiéis na ótica dos próprios muçulmanos –, também pensem assim. Quem sabe os cruzados também pensassem assim. A Inquisição Católica sem dúvida alguma pensava dessa forma!

Num esforço enorme para superar os valores morais que defendo, suponhamos que os adultos merecessem, por seus crimes e pecados, a morte. É quase intransponível aceitar a ideia de que todos os adultos merecessem ser aniquilados cruelmente ao fio da espada. Todavia, e as crianças, que crimes cometeram? Quais foram os seus pecados? Pagaram pelos pecados dos seus pais? Qual o princípio moral que diz que isso é aceitável?

Não se farão morrer os pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um morrerá pelo seu próprio pecado.

Deuteronômio 24.16

Alguém pode alegar que as crianças no futuro, ao se tornarem adultas, poderiam se vingar dos algozes dos seus pais, portanto mereciam morrer pelo pecado que ainda não tinham cometido. Sob qualquer ângulo moral isso não se sustenta, pois ninguém pode pagar antecipadamente por um crime que suposta ou provavelmente vai cometer no futuro. Julgo que apenas na cabeça de pessoas desprovidas de qualquer senso de justiça isso pode encontrar alguma razão plausível.

E há um fato que põe totalmente por terra essas alegações. Por que os animais também eram mortos? Não há qualquer justificativa moral para sua morte. Animal não comete pecado nem tem consciência do mesmo, tampouco poderia cometer atos de vingança no futuro.

Infelizmente, até hoje nenhuma explicação que eu ouvi me satisfez, sobretudo sobre o ponto de vista de um Deus cujo “benignidade dura para sempre”.

Quem sabe eu ainda encontre uma explicação que me convença da justeza moral de toda barbárie e violência que encontramos no Velho Testamento!

sábado, 3 de março de 2018

Incoerência. Ou não?

Por Saulo Alves de Oliveira

Naquele final de semana ocorreriam duas conferências ministradas pelo famoso pregador S. T. Russian. Era a primeira noite e o estádio com capacidade para 100 mil pessoas estava repleto.

Por volta das 18 horas um veículo preto estacionou na frente do portão secundário. Dois homens de terno preto desceram e se posicionaram um de cada lado do portão. Eram dois seguranças altos e fortes. De pé, junto ao portão, cada homem tinha a mão direita colocada à frente do corpo por baixo do paletó, como se segurassem alguma coisa. Pequenos fones adornavam seus ouvidos e minúsculos microfones projetavam-se à frente das suas bocas. Os lábios de um dos homens moviam-se como se conversasse com alguém. 

Cinco minutos depois, com a área próxima ao portão já interditada pelos organizadores do evento, aproximou-se um luxuoso veículo escuro. O automóvel estacionou em frente ao portão. Segundo informações, era o modelo mais caro do fabricante daquele veículo, com blindagem especial.

Logo atrás, parou um outro carro preto e deste desceram mais dois homens vestidos de preto, os quais se colocaram em posições estratégicas com as mãos direitas também à frente e sob os paletós.

Só então uma das portas do luxuoso veículo se abriu e desceu mais um homem de preto. De imediato ele abriu a porta traseira direita e de lá finalmente saiu o Sr. Russian. O pregador, acompanhado dos cinco homens de preto, se dirigiu rapidamente ao palco que estava colocado em uma posição próxima ao portão secundário. Em seguida, os cinco homens de preto assumiram posições estratégicas, um sobre o palco e os demais embaixo, sendo dois nas laterais e dois atrás do palco.

Assim que terminou a conferência, os organizadores formaram um corredor ladeado por homens, do palco até o portão, através do qual o pregador e seus seguranças se deslocaram até a saída. De lá, com todos os cuidados de segurança observados, embarcaram nos automóveis e se dirigiram à residência do Sr. Russian. Segundo dizem, trata-se de uma pequena (sic) e luxuosa mansão de 1.200,00 m², no bairro mais caro da cidade. Lá, o jantar que se seguiu, servido por quatro serviçais elegantemente vestidos, compunha-se das mais caras e gostosas iguarias.

No noite seguinte, todo o ritual se repetiu.

Ah, a primeira conferência teve como base as seguintes palavras do Salmo 91:

“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará. Porque ele te livrará do laço do passarinheiro, e da peste perniciosa. Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido. Nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à tua tenda. Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos.”

Na segunda noite, a conferência baseou-se nas palavras de Jesus ao jovem rico:

“Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me. E o jovem, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades. Disse então Jesus aos seus discípulos: Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. E outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.”

Bom, acredito que o relato acima é auto-explicativo e, portanto, não há necessidade de maiores esclarecimentos.  

Na realidade, eu não estava lá. Um atencioso "amigo" me contou.