Por
Saulo Alves de Oliveira
Se
Deus é onipotente, por que é preciso ter fé, ou acreditar, para ser curado?
Disse-me
uma amiga: “Não é preciso ter "fé" para ser curado, isso é coisa da
teologia da prosperidade. A cura pode ou não acontecer – em ambos os casos pela
soberana vontade de Deus – através da ciência, uma bênção para o homem, ou da oração,
um bálsamo para quem crê. É o que eu penso. Adoecer e morrer fazem parte da
vida. Eu mesma já fui curada pela fé, através da oração, ou pela ciência”.
Não
me parece que ter fé para ser curado seja coisa da teologia da prosperidade.
Muito antes de se falar em teologia da prosperidade, ou desde que comecei a ter
consciência dos acontecimentos ao meu redor, numa idade ainda muito tenra, diz-se
que para alcançar determinadas coisas, inclusive a cura, é indispensável ter
fé, pois “sem fé é impossível agradar a Deus” e “a fé é a certeza das coisas
que se esperam”. Isso é enfatizado praticamente todos os dias nas igrejas e nos
lares cristãos.
Parece
haver, todavia, no Novo Testamento, dois aspectos relacionados às curas
realizadas por Jesus. Em primeiro lugar, a cura é colocada nitidamente como uma
contrapartida à fé e, em segundo, a fé parece não ser levada em consideração,
pelo menos explicitamente.
Abaixo
relaciono apenas três episódios para cada caso.
1
– Curas em resposta à fé dos doentes
1.1.
Mulher com hemorragia – Mt. 9.22: “Mas Jesus, voltando-se e vendo-a, disse: Tem
ânimo, filha, a tua fé te salvou. E desde aquela hora a mulher ficou sã”.
1.2.
Dois cegos – Mt. 9.28, 29, 30: “...E Jesus perguntou-lhes: Credes que eu posso
fazer isto? Responderam-lhe eles: Sim, Senhor. Então lhes tocou os olhos,
dizendo: Seja-vos feito segundo a vossa fé. E os olhos se lhes abriram.”
1.3.
Cego de Jericó – Mc. 10.52: “Disse-lhe Jesus: Vai, a tua fé te salvou. E
imediatamente recuperou a vista, e o foi seguindo pelo caminho”.
(Um
quarto episódio com Paulo – At. 14.9,10: “...e vendo que tinha fé para ser
curado, disse em alta voz: Levanta-te direito sobre teus pés. E ele saltou, e
andava”.)
2
– Curas em que a fé parece não ter sido levada em consideração
2.1.
– Paralítico do tanque de Betesda – Jo. 5.8, 9: “Disse-lhe Jesus: Levanta-te,
toma o teu leito e anda. Imediatamente o homem ficou são; e, tomando o seu
leito, começou a andar”.
2.2.
– Mulher encurvada – Lc. 13.12, 13: “Vendo-a Jesus, chamou-a, e disse-lhe:
Mulher, estás livre da tua enfermidade; e impôs-lhe as mãos e imediatamente ela
se endireitou, e glorificava a Deus”.
2.3.
– Sogra de Pedro – Mt. 8.14, 15: “Ora, tendo Jesus entrado na casa de Pedro,
viu a sogra deste de cama, e com febre. E tocou-lhe a mão, e a febre a deixou;
então ela se levantou, e o servia”.
Com
relação ao item “2”
acima, eu disse “parece” porque não ficou registrado que as curas ocorreram em resposta
a uma declaração de fé dos enfermos, no entanto não posso afirmar com certeza
que aquelas pessoas não conheciam ou não acreditavam em Jesus. Por outro lado, em
Mt. 13.58 está registrado que Jesus deixou de fazer muitos milagres em sua
terra, Nazaré, “por causa da incredulidade deles”. Naturalmente, a incredulidade
está associada à falta de fé. Portanto, na cidade dos nazarenos, não fé, não
milagres. Parece que, do ponto de vista cristão, sem fé não pode haver cura.
A
propósito dessa questão de ter ou não fé, há um grande equívoco na mente de muitos
crentes. A pessoa se submete a um rigoroso tratamento médico e, em muitos
casos, obtém êxito. Ao fim de um doloroso processo, declara: Deus me curou.
Não, Deus não a curou, quem a curou foi a medicina.
Na
realidade, a cura pode ser alcançada através da fé em Deus – ou em outros
elementos da devoção humana – ou através da medicina, que envolve também,
muitas vezes, a fé nos remédios ou nos médicos. Neste último caso, a fé não tem
nada a ver com o sobrenatural. É simplesmente a crença, ou confiança, que o
paciente deposita nos remédios, no tratamento ou na capacidade do médico. E isso não faz mal algum. Ao contrário. Faz
bem, pois pode ajudar na recuperação e cura
do enfermo. É algo similar ao efeito placebo.
Vamos
supor a seguinte situação. Determinada pessoa é acometida por uma grave enfermidade.
Se não recorrer à medicina, morrerá daquela doença. Então ela faz um longo e
rigoroso tratamento médico e, em consequência, alcança a cura.
Outro
exemplo. Uma pessoa sofre um enfarte e, caso não se submeta a um procedimento cirúrgico
emergencial, fatalmente morrerá. Ao invés disso, tal indivíduo se submete a uma
delicada cirurgia cardíaca e volta a ter uma vida normal.
Mesmo
tendo recorrido à medicina, tais pessoas foram curadas ou salvas pela soberana
vontade de Deus?
Se
a resposta é sim, devo perguntar: por que não ficar em casa esperando apenas
pela soberana vontade de Deus? Por que os crentes vão ao médico? Deus precisa
da medicina para curar alguém? Se Deus é onipotente, não há necessidade de
tratamentos ou cirurgias para Ele curar.
Outra
consideração. Durante milhares de anos, a poliomielite e outras doenças infligiram
enorme sofrimento à humanidade, deixando milhões de crianças paralíticas ou
matando-as. Durante todo esse tempo a soberana vontade de Deus não interferiu
para salvar essas crianças. Nos últimos cem anos a ciência descobriu diversas vacinas
e milhões de crianças têm sido salvas em todo o mundo. Infelizmente, em países
pobres da África e da Ásia milhares e milhares de crianças ainda morrem de
doenças que há muito tempo foram erradicadas nos países mais ricos.
Sendo
assim, isso quer dizer que a soberana vontade de Deus interfere para salvar as
crianças dos países ricos através da medicina e para deixar morrer as crianças
dos países pobres? Tal atitude não seria uma injustificável discriminação? Faz
algum sentido pensar dessa forma?
Minha
conclusão: cura pela fé nada tem a ver com cura através da ciência.
No
entanto, posso estar equivocado.
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