Por Saulo Alves de Oliveira
Para ver a Natureza
em toda sua selvageria, eu não preciso correr o risco de me tornar comida de
leões ou crocodilos nas savanas africanas. Também não preciso visitar a floresta
amazônica para ver a cadeia alimentar em sua mais cruel face. Nem sequer
necessito andar pelas matas nas vizinhanças da minha cidade. Dentro da minha
própria casa eu tenho a oportunidade de testemunhar a crueldade da Natureza em toda
sua plenitude. Se para alguns é algo banal, para mim é extremamente chocante.
Lamentavelmente,
isso é o dia a dia nas florestas, matas, rios, mares e lagoas do nosso – visto
do alto – tranquilo planeta Terra. O pavor das presas diante da fúria dos seus
predadores. Vida precisa devorar vida para manter-se viva, pois assim impõe a
implacável cadeia alimentar da Natureza.
Era um
domingo de manhã. Eu estava no escritório da minha casa. De repente ouvi um
pequeno estalo vindo da sala. Parecia o som de um graveto ao ser quebrado. Depois
outros. Acho que foram uns cinco ou seis em um intervalo de quinze ou vinte
minutos. Não dei muita importância.
Em
determinado momento o telefone tocou. Ao primeiro tilintar da campainha saí do
escritório para atendê-lo. Então descobri o que ocorrera. Parte da sala e o
lavabo estavam repletos de penas. Havia uma pequena mancha de sangue no chão, e
ao redor algo como pequenas sementes de cor preta.
O que havia acontecido?
Uma das
nossas gatas, a Sara – nós temos duas –, havia acabado de devorar um passarinho.
Evidentemente, não é a primeira vez que isso acontece. Já livrei vários
(des)afortunados de suas garras e presas, dentre ratos, lagartixas, esperanças (louva-a-deus),
pequenos pássaros e até cobras. Dessa vez não foi possível.
Tanto quanto
aquelas imagens de leões, leopardos ou crocodilos esquartejando suas presas nas
savanas e rios africanos, essa é a típica situação que me faz pensar em Deus e
na Criação versus Evolução.
É difícil
acreditar que o Deus Todo-Poderoso, cuja “benignidade dura para sempre”, tenha
criado algo tão cruel.
Perdoem-me os que se sentirem agredidos,
mas para mim só os tolos, os que têm medo de pensar ou os fundamentalistas empedernidos
o admitem.
No entanto, do
ponto de vista do evolucionismo, tudo isso é natural. A Evolução não tem
consciência do sofrimento. A Evolução não sabe nem sente o que é a dor. Ele
sabe.
Alguns sofrem
e morrem para dar vida a outros. Estes, por sua vez, passarão pelo mesmo
processo de sofrimento e morte. Portanto, Deus não é o manipulador maquiavélico
que está por trás de tudo decidindo quem vai sofrer e morrer, e quem vai viver.
Na natureza selvagem só sobrevivem os mais fortes, os “perfeitos”, os melhores
adaptados ao ambiente.
Ainda assim,
os mais fortes, os “perfeitos”, os melhores um dia enfrentarão a mesma sorte. O
leão, o rei dos animais, que a quase todos afronta, será destronado do seu
bando por rivais mais jovens e, já velho e cansado, sem a proteção dos demais,
será devorado sem dó nem piedade por seus eternos rivais, as hienas.
Um detalhe:
ao afugentar o velho soberano, os novos reis do bando matarão todos os filhotes
existentes, num espetáculo chocante e deprimente, que em nada combina com a
“benignidade que dura para sempre”. Os novos líderes assim procedem para que,
livres dos filhotes, as fêmeas estejam prontas para novo acasalamento, e assim
passem adiante os seus genes. Ao perdedor, só restará o exílio e, provavelmente,
quando as forças se esvaírem, as garras e presas dos outros implacáveis predadores
A minha casa, todavia,
não é a selva. É um ambiente artificial. Portanto, já interferi diversas vezes nesse
processo natural que tanto me choca.
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